AbdonMarinho - A TRAGÉDIA DA VIOLÊNCIA É MAIOR DO QUE REVELAM OS NÚMEROS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A TRAGÉ­DIA DA VIO­LÊN­CIA É MAIOR DO QUE REV­E­LAM OS NÚMEROS.

A TRAGÉ­DIA DA VIO­LÊN­CIA É MAIOR DO QUE REV­E­LAM OS NÚMEROS.
Por Abdon Mar­inho.
QUASE tão tradi­cional quanto à queima os fogos em Copaca­bana, no Rio de Janeiro, na virada do ano é saber­mos, nos dias seguintes de motins de pre­sos em algum presí­dio Brasil a fora, com seus bal­anços dig­nos de filme de ter­ror.
A bola da vez, na virada 2017/​18, foi o Estado de Goiás.
Os motins são oca­sion­a­dos, quase sem­pre, pela super­lotação, pela insalu­bri­dade, pela promis­cuidade entre autori­dades e pre­sos, pela cor­rupção, por uma com­bi­nação destes e vários out­ros fatores.
O certo é que as autori­dades brasileiras perderam o con­t­role da vida den­tro dos presí­dios e, se não têm capaci­dade de con­tro­lar, quem teori­ca­mente estaria preso, já temos como imag­i­nar a tragé­dia do lado de fora.
A vio­lên­cia no Brasil não alcança para­lelo no mundo.
São cerca de sessenta mil homicídios/​ano, outro tanto no trân­sito.
Isso é muito mais do se tem mor­tos em guer­ras ao redor do mundo.
Outro dia, no fim ano pas­sado, uma pesquisa rev­elou que o Brasil pos­sui a ter­ceira maior pop­u­lação carcerária do mundo com 726 mil pre­sos.
Só ficando atrás dos Esta­dos Unidos e da China.
Talvez alguém comem­ore por não esta­mos no topo da lista. Não dev­e­riam. Estes números servem para ates­tar o quanto é dramática a situ­ação nacional.
O primeiro colo­cado na lista, os EUA, têm uma leg­is­lação penal rig­orosa com penas lon­gas, não sendo raro apli­cação de pena per­pé­tua (às vezes mais de uma) o que leva a um acú­mulo muito grande de pre­sos, por anos a fio, no sis­tema carcerário.
Uma das críti­cas que enti­dades de dire­itos faz é jus­ta­mente sobre a manutenção desta pop­u­lação anciã atrás das grades, cumprindo penas até que lhes sobreven­ham a morte den­tro sis­tema.
Nem fale­mos nas con­de­nações à morte, uma vez que já faz algum tempo que não tomamos con­hec­i­mento de exe­cução por lá, ulti­ma­mente.
Além do mais, os EUA pos­suem uma pop­u­lação supe­rior à nossa, cerca de um terço supe­rior.
A pop­u­lação amer­i­cana hoje é esti­mada em 325 mil­hões de habi­tantes. Ape­sar disso, o número de homicí­dios por lá, por ano, não alcança 15 mil, menos de um quarto da nossa.
Ape­nas para se ter uma ideia, no apa­gar das luzes de 2017, fomos infor­ma­dos que a cidade de Nova Iorque, com seus, cerca de, 8 mil­hões de habi­tantes reg­istrou ape­nas 286 homicí­dios.
Só para efeitos de com­para­ção, a Ilha de São Luís, com uma pop­u­lação sete vezes menor, deve reg­is­trar o triplo deste número ou algo aprox­i­mado disso.
Assim, o número de amer­i­canos pre­sos, supe­rior a 2 mil­hões, feitas estas con­sid­er­ações, não pode ser con­sid­er­ado supe­rior em relação ao número brasileiro.
Em segundo lugar, com 1,650 mil (um mil­hão, seis­cen­tos e cinquenta mil) pre­sos, vem a China.
Por se tratar de uma ditadura não temos muitas infor­mações sobre o sis­tema de apli­cação da lei penal, exceto pelo que denun­ciam as enti­dades de dire­tos humanos sobre as exe­cuções em massa de pri­sioneiros, até por crimes con­sid­er­a­dos não vio­len­tos, são passíveis de punição com a morte – onde obrigam os famil­iares dos exe­cu­ta­dos a pagarem pela bala da exe­cução, registre-​se.
Segundo organ­is­mos inter­na­cionais, a China é respon­sável por noventa por cento das exe­cuções de pre­sos no mundo. E já foi bem pior, até 2007, a taxa de exe­cução anual era de cerca de dez mil presos/​ano.
Além das exe­cuções, temos uma maior sev­eri­dade na apli­cação das penas, o que gera um acú­mulo de pre­sos ao longo dos anos.
Se crimes, como trá­fico de dro­gas, pode levar à morte, out­ros crimes menores – que aqui o juiz manda soltar na audiên­cia de custó­dia –, eleva a quan­ti­dade de pre­sos naquele país.
Outra situ­ação a mere­cer con­sid­er­ação, das já referi­das, é a pop­u­la­cional. A China pos­sui hoje uma pop­u­lação de cerca de 1,380 (um bil­hão e trezen­tos e oitenta mil­hões) de habi­tantes.
Isso é mais de seis vezes e meia a nossa pop­u­lação. Entre­tanto, pos­sui uma pop­u­lação carcerária que pouco mais que o dobro da nossa.
Aí cheg­amos ao nosso “injusto” ter­ceiro lugar em número de pre­sos. Digo injusto por que sabe­mos que o nosso número de pre­sos é arti­fi­cial.
E para com­pro­var que o digo faço as con­sid­er­ações abaixo:
O crime no Brasil com­pensa.
Se pegar­mos o número de homicí­dios ou out­ros crimes ocor­ri­dos aqui na ponta, no impacto direto ao cidadão, ver­e­mos que a grande parte dos crimes não são solu­ciona­dos. A taxa de res­olução da polí­cia brasileira é muito baixa.
O mar­ginal comete o crime certo que não será descoberto pela polí­cia, seja homicí­dio, seja trá­fico, seja invasão e rou­bos de residên­cias; sabem que só um azar muito grande o levará à cadeia ime­di­ata­mente.
Os poucos azara­dos, se não come­teu um crime muito grave, um homicí­dio, por exem­plo, será solto, se não foi descoberto antes, na audiên­cia de custó­dia, para con­tin­uar os crimes de onde foi inter­rompido pela ação da polí­cia. Já tive­mos notí­cias de ban­di­dos voltando a ativi­dade deli­tiva no esta­ciona­mento do fórum.
Dos poucos crimes solu­ciona­dos poucos viram denún­cias e destes muitos se per­dem nos escan­in­hos da buro­c­ra­cia, pre­screvem, levam a absolvição, por terem sido mal feitos os proces­sos, ou pelo fator – que não podemos deixar de recon­hecer –, da cor­rupção.
As penas no Brasil estim­u­lam o crime.
O ban­dido, ainda con­siderando a pos­si­bil­i­dade de ser apan­hado, denun­ci­ado, jul­gado e con­de­nado, avalia que o tempo que pas­sará na cadeia é com­pen­sado pelo proveito econômico auferido pela con­duta crim­i­nosa.
Não bas­tasse as penas não serem pesadas, se con­de­na­dos no mín­imo das penas nem chegam a con­hecer a real­i­dade do cárcere.
Fora isso, ainda temos as gen­erosas pro­gressões, as saí­das tem­porárias, a cor­rupção den­tro das cadeias que per­mite auferir algu­mas van­ta­gens (desde que possa pagar); e com sorte, ainda pode con­seguir um indulto natal­ino de algum pres­i­dente bon­doso.
A política imple­men­tada no país é de “cadeia zero”. Há um ver­dadeiro fre­n­esi para soltar pre­sos, abrir vagas, diminuir a pop­u­lação carcerária, etc.
É a famosa política do “solticí­dio”.
Agora mesmo, por ocasião do último motim – cau­sado pelos pre­sos e pela omis­são das autori­dades –, ale­gando falta de espaço, já que destruíram as celas, e segu­rança, a Justiça autor­i­zou que os pre­sos fiquem em casa até encon­trarem out­ras vagas para eles.
Ora, fosse o Brasil um país mais rígido com a crim­i­nal­i­dade, com penas duras, sem a farra de tan­tos bene­fí­cios, sem a pos­si­bil­i­dade do cidadão, roubar, estuprar, mesmo matar, sair “espal­i­tando” os dentes pela porta da frente dos fóruns e das cadeias, cer­ta­mente o “caneco” de campeão do rank­ing de pop­u­lação carcerária seria nosso.
Somos ape­nas campeões morais.
O Brasil, sua pop­u­lação, que vai às urnas logo mais, pre­cisa enten­der que não podemos ter­giver­sar com crim­i­nal­i­dade. Temos que ir para o enfrenta­mento. Aplicar penas, e fazê-​las cumprir, de modo que sir­vam para deses­tim­u­lar as práti­cas deli­ti­vas. Acabar com essa cul­tura de ter o ban­dido por coitad­inho.
Enquanto o crime con­tin­uar com­pen­sando a tendên­cia do mesmo é aumen­tar.
Outra coisa, pre­cisamos parar com o dis­curso hipócrita de que não deve­mos con­struir presí­dios e sim esco­las. Pre­cisamos dos dois dando aos “clientes” a pos­si­bil­i­dade da escolha.
O país com­pro­m­ete seu futuro, enquanto nação sober­ana, se con­tin­uar per­dendo mais de 120 mil cidadãos/​ano para a vio­lên­cia, e deixando outro tanto de inca­pac­i­ta­dos, enquanto ninguém na sociedade se sente livre nem para pôr os pés fora de casa.
Chega! Já passa da hora de enfrenta­mos essas questões.
Abdon Mar­inho é advogado.