AbdonMarinho - RIO DE LÁGRIMAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

RIO DE LÁGRIMAS.

RIO DE LÁGRIMAS.

NUNCA uma metá­fora fez tanto sen­tido quanto esta que refere-​se ao Rio de Janeiro como um rio de lágrimas.

No hor­rip­i­lante cenário de absur­dos que tomou conta da cidade (e do estado) não há quem não lem­bre de uma tragé­dia que tenha lhe des­per­tado a atenção com mais inten­si­dade – isso inde­pen­dente de ser o cidadão do próprio estado ou não.

Ape­nas neste mês, em con­ver­sas com ami­gos, um dizia que lhe chamara atenção fora um assalto “ao vivo” de uma sen­hora em pleno calçadão, com dezenas transe­untes indifer­entes. Um outro disse-​me que lhe inco­modou as ima­gens da sen­hora grávida sendo atro­pelada, enquanto o marido era esfaque­ado, isso tudo na pre­sença de um filho de dez anos de idade.

Estas e tan­tas out­ras, são situ­ações que chamam a atenção pelo absurdo, pela gra­tu­idade de vio­lên­cia, pela falta de sen­ti­mento de humanidade.

Out­rora se dizia que lugar mais seguro que pode­ria exi­s­tir para uma pes­soa era a bar­riga da mãe. Esta ver­dade, quase abso­luta, a povoar o imag­inário mundial, deixou de fazer sen­tido quando trans­portada para o Rio de Janeiro. Afora a cri­ança que não chegou a nascer por conta do atro­pela­mento da mãe, poucos dias antes do ocor­rido foi a vez de um bebê ser atingido por “bala per­dida” ainda na bar­riga da mãe.

Este pequeno brasileiro, chamado Arthur, ao menos con­seguiu nascer, e recupera-​se dos fer­i­men­tos, que torce­mos, não lhe traga maiores seque­las, como se imag­i­nou logo após o fato.

O pequeno Arthur nasceu e já com­pro­vou o quanto a leg­is­lação brasileira é falha na pro­teção dos seus cidadãos, aliás ele é a prova viva disso, o segundo artigo do Estatuto Civil pátrio esta­b­elece: “Art. 2º A per­son­al­i­dade civil da pes­soa começa do nasci­mento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a con­cepção, os dire­itos do nascituro.”

Vejam, antes de Arthur adquirir sua per­son­al­i­dade civil, que só começaria com o seu nasci­mento, o país, a nação brasileira, já lhe negava seus direitos.

A lei, difer­ente do prometido não pôs a salvo seus dire­itos, prin­ci­pal­mente, o mais ele­men­tar deles: o dire­ito à segurança.

A situ­ação deste bebê talvez seja ape­nas a mais emblemática, mas a real­i­dade é dramática para todos, sobre­tudo para os mais frágeis, como cri­anças, vel­hos, defi­cientes, pes­soas que não têm como fugir de tan­tos desre­speito aos seus dire­itos mais elementares.

Quase todos os dias, mil­hares de cri­anças têm revo­gado o seu dire­ito sagrado à edu­cação. Comuns são os “toques de recol­her” dec­re­ta­dos por ban­di­dos; não raros são cri­anças serem reti­radas das salas de aula para ficarem amon­toadas nos corre­dores e, assim, fugirem de alguma bala per­dida dos rotineiros tiroteios, entre a ban­didagem e a Poli­cia ou ape­nas entre os primeiros por espaços de poder na hier­ar­quia do crime.

Isso, sem con­tar que já chegam às esco­las, muitas vezes, trauma­ti­zadas pelos tiroteios ocor­ri­dos durante a noite e que lhes roubou o sono.

Tem que ser assim? Só este ano, inúmeras foram as víti­mas de “bala per­dida”, que, ape­sar do nome, sem­pre acaba achando uma vida para dá cabo.

Uma estatís­tica informa a pop­u­lação, já aneste­si­ada pelo medo, que ocor­rem na cidade uma média de quinze tiroteios por dia. Talvez a Síria ou o Iraque não reg­istrem tantos.

Não bas­tassem os tiroteios que, dia e noite, reme­tem a cidade a uma rotina de guerra civil, há a vio­lên­cia no “mano a mano”, como daquela, e tan­tas out­ras moças, que são assaltadas diari­a­mente, à luz do dia, não sendo raros os que per­dem a vida em tais ações crim­i­nosas, como um garoto de quinze anos que levou um tiro na testa por não ter dado um celu­lar na hora que o ban­dido pediu ou, dos tan­tos out­ros, que per­dem a vida ou são esfaque­a­dos, por um cordão, um celu­lar, uma bicicleta.

No inter­esse do crime as prin­ci­pais vias do estado são “fecha­dos» por ban­di­dos, que fazem arrastões e neles ferem, matam, tiram vidas.

Não restam dúvi­das que as autori­dades são ou estão inca­pazes de apre­sen­tar soluções, sobre­tudo, de curto prazo, para tan­tos problemas.

O gov­erno estad­ual não con­segue, sequer, pagar em dia a folha do pes­soal ativo e dos aposen­ta­dos. Estes últi­mos, já cansa­dos pelos anos, pade­cem mais ainda. A humil­hação a que são sub­meti­dos corta o coração ver suas lágri­mas ao não con­seguirem hon­rar com seus com­pro­mis­sos rotineiros, como pagar suas con­tas de aluguel, água, luz, tele­fone, com­prar os medica­men­tos de uso con­tínuo ou mesmo a alimentação.

Situ­ação que não é difer­ente daquela que vivem os servi­dores da ativa, com meses de salários atrasa­dos e que tendo de recor­rer a cari­dade alheia para, após horas a fio, rece­berem uma cesta básica.

E, se falta recur­sos para paga­mento da folha de pes­soal e aposen­ta­dos , é porque desde muito já fal­tam recur­sos para out­ras ativi­dades bási­cas do estado, como edu­cação, saúde e segu­rança pública.

Sim, a segu­rança pública que tem sido negada à pop­u­lação de uma maneira geral e aos mais frágeis em espe­cial, é o primeiro direto. As pes­soas pre­cisam, primeiro estarem vivas para usufruírem os demais direitos.

Como aumen­tar o quan­ti­ta­tivo de poli­ci­ais nas ruas se não podem pagar os salários? Se não pos­suem recur­sos para colo­car as viat­uras para rodar ou dar manutenção as mesmas?

Ora, se não con­seguem, num momento tão agudo, exercer uma política de repressão à crim­i­nal­i­dade, menos ainda terão condições de implan­tar políti­cas públi­cas que visem o com­bate ao crime no médio e longo prazo.

No nível de aban­dono que o Estado do Rio de Janeiro (e sua prin­ci­pal cidade) chegaram, não sei se a solução da inter­venção – a única que parece viável no momento –, resolveria.

A sucessão de equívo­cos políti­cos no Rio de Janeiro, com gov­er­nantes desprepara­dos, cor­rup­tos ou os dois jun­tos, não é recente, vem desde os anos setenta, mais não resta dúvi­das que nos últi­mos anos o quadro de descal­abro só se agravou e con­t­a­minou toda malha estatal.

Se antes tín­hamos tumores can­cerígenos setor­iza­dos, hoje é como se estes estivessem e metás­tases em todo o corpo.

Dúvi­das tam­bém não exis­tem de que a cor­rupção que tomou de conta do estado nos últi­mos anos é um fator que con­tribui larga­mente com o descal­abro atual.

Os números da cor­rupção do gov­erno Sér­gio Cabral, aquele que está preso e responde já a mais de uma dúzia de ações penais, é algo assom­broso. Ele, e muitos de sua equipe, segundo se sabe agora, tin­ham mais pre­ocu­pação em roubar, desviar, rece­ber propinas, que gov­ernar o estado, realizar políti­cas públi­cas, devolver ao con­tribuinte seus impos­tos em forma de serviços comuns.

O din­heiro que afa­naram e a ener­gia que gas­taram em tais ofí­cios, fiz­eram falta e hoje se rev­ela o legado de aban­dono, daquela que já foi a prin­ci­pal unidade da fed­er­ação e cartão postal do Brasil.

Abdon Mar­inho é advogado.