AbdonMarinho - CUSTA PEDIR DESCULPAS?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

CUSTA PEDIR DESCULPAS?

CUSTA PEDIR DESCULPAS?

NA VÉSPERA DO NATAL um amigo con­versa comigo sobre a tragé­dia ocor­rida em Bal­sas e que teve como víti­mas duas irmãs, uma, infe­liz­mente, fatal. Este amigo aler­tava para o fato de até o momento o gov­erno do estado não ter recon­hecido o erro e pedido des­cul­pas a vítima que sobre­viveu e aos seus famil­iares pelo perec­i­mento da outra.

Causou-​me per­plex­i­dade a infor­mação deste amigo, tanto que, emb­ora acred­i­tando na sua palavra, fiz uma busca no site do gov­erno a procura de uma nota, um pesar, uma notí­cia com um pedido de des­cul­pas for­mal por parte da autori­dade com­pe­tente, que, no caso, acred­ito ser o gov­er­nador do estado. Não encon­trei nada.

No site do gov­erno encon­tramos até notí­cia sobre a intenção disso ou daquilo, mas nen­huma notí­cia sobre o ocor­rido em Bal­sas. Aliás, lá per­siste o mesmo silên­cio já dis­pen­sado pela mídia pri­vada ao fato: a morte de um ser humano virou noti­cia de ontem.

No site da própria sec­re­taria, tam­bém não existe um posi­ciona­mento ofi­cial sobre o ocor­rido. Aliás, a depen­der das notí­cias veic­u­ladas por lá, você, sequer, descon­fia da tragé­dia que ocorreu.

Decerto imag­i­nam que pelo fato de não tratarem do caso o mesmo deixe de existir.

Sou defen­sor con­tu­maz da ativi­dade poli­cial e da insti­tu­ição poli­cial, recon­hecendo o seu papel na defesa sociedade. Por isso mesmo entendo que a estraté­gia ado­tada pelo gov­erno é equiv­o­cada e presta um desserviço a própria policia.

O fato de tentarem, por todos os meios, ocul­tar a noti­cia ou tratar a morte de uma jovem de ape­nas 23 anos, como algo secundário equiv­ale a um segundo assassinato.

Não resta dúvida que um caso desta mag­ni­tude exige uma apu­ração rig­orosa que não per­mita qual­quer tipo de ques­tion­a­mento sobre o ocor­rido. Restau­rando a con­fi­ança da sociedade na sua poli­cia e que esta tenha na mesma uma par­ceira, que cola­bore e a ajude quando necessário.

Em tem­pos de inse­gu­rança extrema o que menos inter­essa a qual­quer um de nós é uma polí­cia que não inspire confiança.

A ati­tude do gov­erno permite-​nos deduzir que ele (gov­erno) tenta atribuir a cor­po­ração erros cometi­dos por uns poucos mem­bros. Aí reside o equívoco: a polí­cia, como insti­tu­ição, não pode e não deve ser respon­s­abi­lizada por atos cometi­dos por seus inte­grantes, a menos que tenha par­tido da cor­po­ração a deter­mi­nação para que agis­sem em desacordo com os pro­to­co­los de segu­rança. O que não é ocaso.

Não tenho a menor dúvida de que os envolvi­dos agi­ram sem obe­de­cer aos pro­to­co­los poli­ci­ais pre­vis­tos para o tipo de ação o que acabou por provo­car a morte da jovem.

Ora, supon­hamos que as moças tivessem efe­ti­va­mente furado a blitz policial.

Imag­inemos: lá estava a blitz com car­ros car­ac­ter­i­za­dos, poli­ci­ais uni­formiza­dos, «giroflex» lig­a­dos e tudo mais, e elas, inad­ver­tida­mente, tivessem furado o blo­queio poli­cial, e, ainda, ten­tassem fugir da reg­u­lar perseguição empreen­dida por veícu­los car­ac­ter­i­za­dos da polícia.

Será que isso os autor­izaria a des­ferir dezenas de tiros con­tra veículo em toda a lataria e vidros? Decerto que não. Acred­ito, pela for­mação que rece­beram, apren­deram que se deve ati­rar nos pneus do veículo. Ainda que estivesse havendo troca de tiros, a medida mais acer­tada, ini­cial­mente, seria ten­tar acer­tar os pneus e parar o veículo e não, como fiz­eram, dis­parar cen­te­nas de tiros a ermo, podendo atin­gir, não ape­nas os que estivessem no veículo, como qual­quer outro desavisado.

Mesmo na situ­ação nar­rada acima não estaria jus­ti­fi­cada a opção, como se deu, pelo “metral­hamento» do veículo. Se a perí­cia aponta dezenas de pro­jeteis atingindo o veículo em movi­mento é porque cen­te­nas de out­ros foram dis­para­dos. O que, a primeira vista, car­ac­teri­zaria o des­cumpri­mento dos pro­to­co­los serem obser­va­dos pelos agentes. Entre­tanto, a con­duta indi­vid­ual ou de uns poucos não pode, e não deve, mac­u­lar uma cor­po­ração inteira. Daí a importân­cia de fazer a separação.

Quando poli­cial é for­mado e posto na rua, tem-​se por certo, que está apto a seguir os pro­to­co­los para as diver­sas situ­ações que enfrentará no dia a dia. Ou não foram preparados?

Sob qual­quer aspecto que se exam­ine o assunto cheg­amos à con­clusão que a oper­ação poli­cial des­obe­de­ceu as regras e essa a causa prin­ci­pal da tragé­dia que se deu com duas irmãs, sendo uma vítima fatal de imperícia.

Esta é a real­i­dade. E no pre­sente caso a respon­s­abil­i­dade do estado é objetiva.

Com todos estes fatos à vista de todos – e mais aque­les que só as autori­dades sabem –, soa incom­preen­sível que o gov­er­nador do estado, em nome do seu gov­erno e da cor­po­ração poli­cial, respon­sável pelo trágico evento, não tenha se dig­nado a pedir des­cul­pas aos famil­iares, ami­gos e a sociedade em geral, pela desas­trosa oper­ação que ceifou a vida de uma pes­soa inocente.

Pas­sa­dos mais de dez dias já era tempo de haver um pedido de des­cul­pas for­mal. É o mín­imo que se espera das autori­dades. O que estão esperando para recon­hecer que falharam.

A vida não pode ser resti­tuída. Aos famil­iares, ami­gos, restará o vazio que jamais será preenchido. Uma pouco de sol­i­dariedade, um pedido de des­cul­pas, não custa nada.

Abdon Mar­inho é advogado.