AbdonMarinho - O INSANO APELO À BARBÁRIE.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O INSANO APELO À BARBÁRIE.

O INSANO APELO À BARBÁRIE.

Vez por outra e sem­pre com mais fre­quên­cia cos­tu­mamos ouvir, sobre­tudo das pes­soas menos esclare­ci­das, que o Estado deve ado­tar a política de Tal­ião: olho por olho, dente por dente. É até comum que isso ocorra, prin­ci­pal­mente quando o apar­elho estatal não con­segue garan­tir, como dev­e­ria, a segu­rança da pop­u­lação. O perigo é quando essa irres­ig­nação deixa os colóquios das con­ver­sas de bares ou con­frat­er­niza­ções famil­iares e passa a gan­har corpo até entre os for­madores de opinião.

Li com pre­ocu­pação a inda­gação em tom de sug­estão dada por um jor­nal­ista à política crim­i­nal. Por ocasião do assas­si­nato de dois poli­ci­ais, crime bár­baro e que rev­ela a falta de temor dos ban­di­dos da cidade pelas forças de segu­rança, o arti­c­ulista indaga: pren­der para quê? Em tom de acusação diz que os ban­di­dos que mataram os poli­ci­ais são “alguns dos inúmeros que vivem no entra e sai da cadeia, com eter­nos habeas cor­pus e Alvarás de Solturas con­ce­di­dos pela Justiça”. Prossegue dizendo: \«Mas o que fazer com ban­di­dos desta natureza? Por que prendê-​los de dia pra que juízes o lib­ertem à noite?\»

Sen­ten­cia: \«O cam­inho é outro.\»

E encerra: \«E os Dire­itos Humanos que esperneie com seu blabláblá…\»

Emb­ora inusual é com­preen­sível a revolta do arti­c­ulista com a vio­lên­cia que toma de conta da região met­ro­pol­i­tana da cap­i­tal do Maran­hão, um dos lugares mais vio­len­tos do mundo para se viver. Basta dizer que já se aprox­ima de 1000 homicí­dios este ano. Um recorde, se con­sid­er­ar­mos a pop­u­lação mal chega a um mil­hão e trezen­tos mil habitantes.

Acon­tece que há um senão. O Estado não pode se igualar a ban­di­dos e sair por aí elim­i­nando pes­soas, sejam ban­di­dos, sus­peitos ou aque­les com poten­cial de letal­i­dade. Assim como não pode for­madores de opinião fazer esse tipo de apolo­gia do crime.

O Estado existe para garan­tir a apli­cação da lei. Con­tra tudo e con­tra todos. Negar isso ao Estado é recon­hecer seu próprio fra­casso, sua incom­petên­cia em garan­tir o con­trato social que rege as nos­sas relações com ele e com os demais cidadãos.

O com­bate a crim­i­nal­i­dade exige a união e par­tic­i­pação de todos, con­forme cobrei um texto anterior.

O Brasil e os Esta­dos da Fed­er­ação têm des­cuidado da segu­rança com uma irre­spon­s­abil­i­dade ímpar. Começa por descon­hecer a neces­si­dade de dis­cu­tir a questão da maior­i­dade penal, pas­sando pela política que trata del­i­quentes como víti­mas e cul­mina com a inefi­ciên­cia e cor­rupção do sistema.

Uma das causas do aumento da vio­lên­cia é a certeza impunidade. Já disse isso mais de mil vezes. Essa impunidade nasce na falta de estru­tura da polí­cia, a do Maran­hão por exem­plo, não investe quase nada em infor­mação e inteligên­cia; na inefi­ciên­cia para elu­ci­dação de crimes, os dados apon­tam que nem 10% (dez por cento) dos crimes são elu­ci­da­dos; nos inquéri­tos e proces­sos mal feitos que cul­mi­nam com a anu­lação ou absolvição dos cul­pa­dos; e tam­bém, das mais diver­sas for­mas de cor­rupção em toda a cadeia de even­tos, desde a apu­ração, denun­ci­ação, jul­ga­mento e cumpri­mento de penas.

Não temos dúvida que o Poder Judi­ciário tem sua parcela de culpa. Entre­tanto, atribuir uni­ca­mente a ele essa respon­s­abil­i­dade é descon­hecer o que de fato vem ocor­rendo na sociedade, esta própria, useira e vezeira em fazer vis­tas grossas aos des­man­dos e cor­rupções dos poderosos quando favore­cida pelos mes­mos. A mesma que tenta o jeit­inho para escapar de suas fal­tas, sem con­sid­erar que estas ali­menta um mod­elo de cor­rupção bem maior.

Esta­mos chegando a mil homicí­dios em um ano. Quase todos pas­saram desaperce­bidos do olhar crítico da sociedade e até mesmo da imprensa. Exceto por um médico aqui, um advo­gado ali ou um poli­cial acolá, ninguém tem dado muita \«bola\» para o fato dos cidadãos não poderem colo­car os pés para fora de casa.

Diante do silên­cio, da falta de cobrança por segu­rança dos poderes con­sti­tuí­dos, quero acred­i­tar que a recomen­dação para elim­i­nar malfeitores deve ser apli­cada ape­nas aos ban­di­dos pobres, aos que vivem nas per­ife­rias, os ricos poderão con­tin­uar prat­i­cando todo tipo de crime, inclu­sive des­viando o din­heiro público que dev­e­ria ser des­ti­nado a segu­rança, que con­tin­uarão a con­tar com a acober­ta­mento de todos, inclu­sive da imprensa momen­tanea­mente incon­for­mada com tanta violência.

Só nos últi­mos doze anos salta­mos de uma média já ele­vada de 200 homicídios/​ano para 1000 homicídios/​ano. Prati­ca­mente ninguém cobrou ati­tude das autori­dades, pelo con­trário, quase todos saíram em defesa de suas políti­cas tor­tu­osas, silen­ciando ante a falta de inves­ti­men­tos e fazendo ouvi­dos moucos as inúmeras denún­cias de corrupção.

O prob­lema da segu­rança no Maran­hão é estru­tural. Deve envolver a todos os poderes e a sociedade. Deve ir desde inves­ti­gações que elu­ci­dem os crimes cometi­dos pos­si­bil­i­tando denún­cias e jul­ga­mento con­sis­tentes, ao cumpri­men­tos de penas sem favorecimentos.

Não é igua­lando poli­ci­ais a ban­di­dos que ire­mos resolver essa questão.

Abdon Mar­inho é advogado.