AbdonMarinho - Minha amiga, D. Creusa.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Minha amiga, D. Creüsa.

MINHA AMIGA, D. CREUSA.

Por Abdon Marinho.

ENCER­RADO em meu sítio há mais de um mês por conta da pan­demia – como tive poliomielite sou do grupo de risco –, ape­nas pelos meios de comu­ni­cação tenho tomado con­hec­i­mento do que se passa no mundo exte­rior.

As notí­cias, infe­liz­mente, não são boas. Um dia o perec­i­mento de um, outro dia o perec­i­mento de outro. São autori­dades que não con­seguem um con­senso mín­imo sobre o que fazer para cuidar da pop­u­lação.

Em meio a tan­tas noti­cias ruins, uma, em espe­cial, abalou-​me mais, o perec­i­mento da minha amiga D. Creüsa Braga, ex-​prefeita de Luis Domingues.

A con­heci por mea­dos dos anos noventa, através do dep­utado estad­ual Ader­son Lago, que tinha grande amizade por todos da família. Foi apoiado pelo esposo de D. Creüsa, Seu Didi Queiróz, na eleição de 1990 e o apoiara com todo afinco quando, na “farra das inter­venções”, dec­re­taram a inter­venção em Luís Domingues.

Ader­son Lago mobi­li­zou os mel­hores advo­ga­dos até que con­seguiram resti­tuir Seu Didi no cargo, através de decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF. Registre-​se que foi um dos poucos municí­pios sob inter­venção que os gestores legí­ti­mos con­seguiu retornar. Quem cuidou do caso, se não me falha a memória, foi o val­oroso colega Car­los Macêdo Couto.

Nos momen­tos de difi­cul­dades os ver­dadeiros ami­gos apare­cem e as amizades se solidificam.

Con­hecia Ader­son desde o iní­cio de 1991 quando fui tra­bal­har com asses­sor do dep­utado Juarez Medeiros na Assem­bleia Leg­isla­tiva, como ambos eram de oposição ao gov­erno de Edi­son Lobão e Juarez sendo dep­utado de segundo mandato e segundo secretário, sem­pre pas­sava por lá antes ou depois das sessões.

Em 1994, quando tra­bal­hamos jun­tos na cam­panha de Cafeteira, estre­ita­mos ainda mais a amizade. Foi naquele ano, aliás, que Ader­son, ape­sar da tris­teza da der­rota externou-​me a sua pro­funda feli­ci­dade com o resul­tado da sua votação em Luis Domingues.

– – – Olha aqui, Abdon, que tra­balho bem feito em Luis Domingues, olha minha votação lá.

Dizia isso pro­fun­da­mente agrade­cido a D. Creüsa, a Seu Didi, a Serejo, etc. Mas, espe­cial­mente, a D. Creüsa, a quem atribuía toda a artic­u­lação polit­ica e a con­quista dos votos.

Foi a mesma coisa em 1998, está­va­mos na sede do comitê, na Praça Gonçalves Dias, con­ferindo o resul­tado da votação. A der­rota de Cafeteira já era certa, mas nos voltá­va­mos para a votação de Ader­son, que cor­ria riscos. Mais uma vez os votos con­segui­dos pelos ami­gos de Luis Domingues, D. Creüsa à frente, chegaram em boa hora.

Entre estes dois pleitos, em 1996, D. Creüsa perdeu, por uma difer­ença de poucos votos, a eleição munic­i­pal.

Foi por esse período, não me recordo se antes ou depois das eleições, que fui apre­sen­ta­dos a eles, Seu Didi, D. Creüsa e Serejo, lá mesmo no gabi­nete de Aderson.

O primeiro tra­balho, já como advo­gado, que tive com eles foi, acred­ito que em mea­dos de 1999. Era uma con­fusão envol­vendo atraso no paga­mento de servi­dores, ten­ta­tiva de cas­sação do prefeito João Pinto de Lucena pela Câmara Munic­i­pal, algo do tipo.

O que sei e que Ader­son me pediu para ir lá. Não havia estradas que mere­cesse esse nome para Luís Domingues e tive que ir de avião. Foi assim diver­sas vezes, vez ou outra, tinha que ir lá de avião, quando dava sorte ia de bimo­tor, quando não, era um monomo­tor.

Ainda hoje me per­gunto de onde tirava tanta cor­agem para pegar um aviãoz­inho que mais pare­cia uma casca de ovo. E quando pegá­va­mos chuva, que o aviãoz­inho bal­ançava todo?

Em 2000 D. Creüsa se elegeu e, a par­tir de 2001. Fui a posse e desde então pas­samos a tra­bal­har jun­tos e não nos larg­amos mais.

Durante os oito anos de suas gestões, foram incon­táveis as vezes que tive fui a Luís Domingues, muitas vezes de avião, muita mais vezes de carro.

As via­gens de carro, logo nos primeiros anos da gestão, pela falta de estradas era aven­tura. Por vezes, gastá­va­mos, só do local chamado Qua­tro Bocas a sede do municí­pio, três ou qua­tro horas.

Sem­pre que pos­sível lev­á­va­mos a con­ta­dora, D. Vânia Matos, que sabedora da minha mania de não via­jar “tirando reisado”, lev­ava um far­nel para matar­mos a fome na longa estrada. Íamos sem­pre, eu, o sen­hor Afrânio, meu motorista, e D. Vânia. Out­ras vezes ia ou lev­ava algum amigo.

Como não havia pou­sadas ou hotéis na cidade ficá­va­mos todos na casa de D. Creüsa, como inte­grantes da família, já tín­hamos quar­tos reser­va­dos.

Quando chegá­va­mos, e pelos dias que lá ficá­va­mos, era uma festa. Muitas con­ver­sas, desde o café da manhã, até à noite, depois do jan­tar, nas rodadas de bate papo na porta de casa, com Seu Didi, D. Creüsa, os muitos ami­gos, os filhos.

As refeições sem­pre far­tas, ver­dadeiros ban­quetes. Antes e depois das via­gens D. Vânia ren­dia assunto por um motivo, pecu­liar: no café da manhã, já com­bi­nava o que dese­java comer no almoço; no almoço já dizia os dese­jos de comer no jan­tar; e neste o que esper­ava para o dia seguinte.

E lá vin­ham as pescadas fres­cas, as gal­in­has caipi­ras com pirão de descaída – esse prato, aliás ficou famoso, meus ami­gos ainda hoje falam do pirão de descaída, cuja a receita peguei com a querida Del­ica e vez por outra ensaie fazer em minha casa.

Nestes anos teste­munhei o amadurec­i­mento dos fil­hos e o cresci­mento dos netos que, em 2000/​2001, eram cri­anças.

Sem­pre tive espe­cial admi­ração pelo respeito dos fil­hos e netos por seus pais e avós, tanto Seu Didi, quanto D. Creüsa. Na hora que qual­quer um chegava, estivesse quem estivesse com eles na coz­inha (nosso local de reunião favorito), tomavam a benção a eles.

Com relação a parte da gestão não existe um cliente (ou ex-​cliente), cole­gas advo­ga­dos ou de out­ras áreas, com quem tra­bal­hei, que não tenha con­hecido, pelo menos, “de nome”, D. Creüsa.

Durante os anos em que tra­bal­hamos jun­tos e nos seguintes, sem­pre que reu­nia com um cliente e suas equipes falava de D. Creüsa a eles.

Dizia (e ainda digo) que D. Creüsa, ape­sar de ter sido uma mul­her sim­ples, sem muitos estu­dos, pos­suía qual­i­dades exce­lentes como gestora. E dava os exem­p­los: nos oito anos de mandato nunca deixou que o marido ou fil­hos tomassem de conta ou se introm­etessem na admin­is­tração, tudo era feito e deci­dido por ela; car­regava uma agenda onde ano­tava tudo que falá­va­mos ou recomendá­va­mos; e tudo que ia fazer, se tinha alguma dúvida, lig­ava para mim.

Vez ou outra lig­ava: –– Dr. Abdon, estou pen­sando em fazer isso, o que o sen­hor acha? Ou, como posso fazer isso?

Foram os oito anos assim. Quando não me pedia para ir lá, se era muito urgente, con­seguia um avião com algum amigo dep­uta­dos lá ia eu saber do que se tratava.

Uma vez se zan­gou com uns servi­dores con­trata­dos. Me ligou zan­gada dizendo que ia demiti-​los porque estes, na sua ideia a havia desacatado. Não quis acordo. Deter­mi­nou o encer­ra­mento dos con­tratos.

Os servi­dores foram as bar­ras da Justiça, recla­ma­ram em todos os órgãos pos­síveis e imagináveis.

Em oito anos de mandato foram as úni­cas coisas de importân­cia que respon­deu.

E, sem­pre que chegava uma inti­mação sobre o fato, eu dizia com o car­inho e a liber­dade que só os ami­gos ver­dadeiros pos­suem: –– eu não lhe disse?!

E ela respon­dia: –– lá vem o sen­hor de novo.

Fiz muito isso. Sem­pre que apare­cia alguma coisa, dizia.

E con­tava, como exem­plo, para os out­ros clientes e ami­gos.

Vejam que coisa espetac­u­lar, uma sen­hora, sem muitos estu­dos, dona de casa, mãe, avó, mas extrema­mente “empoder­ada”, para usar uma palavra da moda. Acho que muito mais do que muitas fem­i­nistas por aí.

Em todos esses anos, mesmo depois da sua gestão, con­tin­u­amos a man­ter con­tato e a for­t­ale­cer a amizade. E mais, con­tin­uou a me ligar e a pedir minha opinião sobre qual­quer coisa impor­tante que ia fazer, mesmo depois do tér­mino do mandato. Sem­pre que vinha a São Luís, com Seu Didi ou alguns dos fil­hos, não deix­ava de me fazer uma visita e tomar um cafez­inho no escritório. Se tinha algum cliente, colega ou profis­sional de outra área, a apre­sen­tava: –– essa é D. Creüsa, de quem falo tanto.

Ape­sar de não pos­suir for­mação polit­ica, D. Creüsa foi uma polit­ica arguta. Se con­trari­ada com algum ali­ado, evi­tava bater de frente ou fazer movi­men­tos brus­cos. Muitas vezes, através de lig­ação ou pes­soal­mente, me con­tava de suas con­trariedades, pedia opiniões.

Quase sem­pre dizia que tinha agido certo ou que tivesse paciên­cia que lá na frente tudo se acer­taria.

Foram assim os últi­mos vinte anos. Nunca tive­mos uma relação só de cliente/​advogado, mas sim de amizade sin­cera e ver­dadeira.

Ano pas­sado fui a sua belís­sima festa de setenta anos. Está­va­mos todos tão felizes que não poderíamos imag­i­nar que o câncer traiçoeiro a levaria tão pouco tempo depois.

Logo após a con­fir­mação do triste fato me ligou Sér­gio Car­val­hal: — doutor quer­e­mos que o sen­hor pre­pare o decreto de luto ofi­cial. Disse-​lhe: — sabes a dor me causa ao pedires isso? Ele se des­culpou e disse que com­preen­dia.

E lá estava eu, tomado pela dor, lem­brando que todos os atos que fiz desde o primeiro dia do seu mandato, em 2001, agora fazendo o decreto de luto ofi­cial em sua hom­e­nagem. Cada palavra uma dor e uma lembrança.

A minha amiga par­tiu. E par­tiu nesta con­tingên­cia em que nem me des­pedir da forma cor­reta me foi permitido.

Mas con­sidero este fato, tam­bém, um capri­cho do Cri­ador. Quis Ele que dela não guardasse a imagem da morte, mas sim, da vida, dos mel­hores momen­tos que estive­mos jun­tos.

Por isso segue o teste­munho do amigo,

Abdon Mar­inho.