AbdonMarinho - POLIOMIELITE: A DESGRAÇA QUE AMEAÇA O BRASIL ACONTECEU COMIGO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

POLIOMIELITE: A DES­GRAÇA QUE AMEAÇA O BRASIL ACON­TE­CEU COMIGO.

POLIOMIELITE: A DES­GRAÇA QUE AMEAÇA O BRASIL ACON­TE­CEU COMIGO.

Por Abdon Marinho.

UMA notí­cia tem me assus­tado e emo­cionado ulti­ma­mente.

A noti­cia é que o Maran­hão é o segundo estado do Brasil – atrás ape­nas da Bahia –, em risco de retorno da poliomielite. Impres­siona essa nossa vocação para atrair des­graças.

Segundo informa o Min­istério da Saúde, em mais de 14% (qua­torze por cento) dos municí­pios do estado a cober­tura vaci­nal con­tra a pólio não chegou a 50% (cinquenta por cento). A recomen­dação é que a cober­tura vaci­nal atinja ao menos 95% (noventa e cinco por cento) das cri­anças.

O Brasil que há mais de trinta anos erradi­cou essa molés­tia, agora ver-​se enredado, mais uma vez com o retorno desta e de tan­tas out­ras, a exem­plo do sarampo que já começaram a fazer víti­mas.

Esta­mos diante de uma situ­ação que custo a enten­der.

Quero acred­i­tar que os pais são pes­soas que amam seus fil­hos, por quem, não raro, dariam a própria vida, ainda mais quando esta­mos falando de cri­anças, de zero a cinco anos ou um pouco mais.

Então, como jus­ti­ficar que estas pes­soas não dedique umas pou­cas horas para levar estas cri­anças aos pos­tos de vacina quando se sabe que o ano inteiro podem vaciná-​las con­tra doenças como sarampo ou a poliomielite?

Decerto não é falta de infor­mação. Por onde pas­samos, mesmo nas residên­cias mais humildes, com raras exceções, não se encon­tra uma tele­visão lig­ada a uma antena parabólica. Quando não, um rádio a pilha, um celu­lar. Ou seja, só mesmo em situ­ações abso­lu­ta­mente atípi­cas encon­tramos alguém que viva alheio às infor­mações cotid­i­anas, sem acesso a tele­visão, rádio, jor­nal, notí­cias de qual­quer natureza.

Assim, soa incom­preen­sível que doenças graves este­jam, mais uma vez ameaçando a vida de mil­hares de cri­anças por algo tão triv­ial quanto é a ausên­cia de vaci­nação.

Ainda mais, repito, quando sabe­mos que tais vaci­nas estão disponíveis o ano inteiro nos pos­tos de saúde; quando sabe­mos que, bem ou mal, as pes­soas têm um nível de infor­mação que as tor­nam capazes de enten­der a gravi­dade destas doenças que estavam errad­i­cadas e que ameaçam voltar com todo força pela sim­ples ausên­cia de vaci­nas; não bas­tasse isso, ainda se tem, pro­gra­mas estatais de saúde da família que garan­tem a visita de profis­sion­ais da área nas residên­cias das pes­soas; e, por fim, a exigên­cia de que cer­tos bene­fí­cios só sejam disponi­bi­liza­dos com a com­pro­vação da imu­niza­ção das cri­anças, que muitas das vezes é ape­nas algu­mas got­in­has min­istradas por via oral.

Torna-​se uma urgên­cia nacional iden­ti­ficar onde as fal­has estão ocor­rendo, inclu­sive com a respon­s­abi­liza­ção dos fal­tosos, a fim de se evi­tar maiores con­se­quên­cias àque­les que não têm condições de se defend­erem por si: as cri­anças.

O gov­erno fed­eral pre­cisa, ime­di­ata­mente, esta­b­ele­cer como critério de repasses de recur­sos vol­un­tários da União aos esta­dos e municí­pios, o cumpri­mento obri­gatório de cober­tura vaci­nal não infe­rior ao nível recomen­dado, como forma destes entes fed­er­a­tivos exi­jam dos pais que vacinem seus fil­hos, não ape­nas con­tra a poliomielite, mas tam­bém con­tra as demais molés­tias.

É ina­ceitável que uma doença tão grave, com con­se­quên­cias tão nefas­tas, seja tratada com tanta leniên­cia.

Como podemos admi­tir que municí­pios não vacinem 5% (cinco por cento) das cri­anças quando se é exigido um nível de vaci­nação de 95% (noventa e cinco por cento) para não cor­re­mos o risco da doença voltar? Como aceitar que ninguém responda por tamanho descal­abro?

Há alguns anos escrevi um texto inti­t­u­lado: “Sou Defi­ciente. E daí?”. Nele esclareço que o fato de ser­mos defi­cientes não nos faz mere­ce­dores de trata­mento difer­en­ci­ado ou pena, e que podemos, com nos­sos esforços, irmos muito além dos espaços que nos são destinados.

Mas, se é ver­dade que podemos ter uma vida com pos­si­bil­i­dades quase ilim­i­tadas, se não nos aqui­etar­mos, tam­bém é ver­dade que ninguém, pelos menos não os com sã con­sciên­cia, “escol­hem” serem defi­cientes, ainda mais quando estas “defi­ciên­cias” podem ser evi­tadas ou pre­venidas.

Estou certo que ninguém escolhe uma vida com dores e lim­i­tações per­ma­nentes.

Há quase cinquenta anos fui acometido pela poliomielite. Eram out­ros tem­pos. Morando no inte­rior do inte­rior, com pais sem nen­huma instrução, não tín­hamos acesso à vaci­nas, aliás, nem sabíamos de tal neces­si­dade.

Quando fui con­t­a­m­i­nado pelo vírus meus pais, par­entes e viz­in­hos, ficaram dias sem saber do que se tratava, o que estava acon­te­cendo, ten­tando a cura com remé­dios caseiros, chás, ben­z­i­men­tos e promessas.

Somente dias depois, quando nada fazia efeito – e não tinha como fazer –, minha mãe saiu, no lombo de um burro, até a cidade mais próx­ima onde pode­ria pegar um outro trans­porte que nos levaria a Teresina, Piauí, onde a doença foi diag­nos­ti­cada e recebi o trata­mento que evi­tou a minha morte e ameni­zou as seque­las. Ape­nas isso, pois tratando-​se de uma doença incurável, o máx­imo que os trata­men­tos con­seguem é amenizarem o sofri­mento dos por­ta­dores que de resto terão que con­viver com ela.

Desde então con­vivo com os efeitos da poliomielite e posso asse­gu­rar que, ape­sar de ser pos­sível a con­vivên­cia, ela nos impõe inúmeras lim­i­tações e dores per­ma­nentes.

Difer­ente de out­ras doenças, ou mesmo um aci­dente, que restringe os movi­men­tos dos mem­bros afe­ta­dos, a poliomielite, faz questão de nos lem­brar sua pre­sença diari­a­mente e não ape­nas através da atrofia dos mem­bros ou seu “afi­na­mento”, mas, tam­bém, através das dores que sen­ti­mos.

São dores nos pés, tornoze­los, não raro chegando até os joel­hos – con­forme a gravi­dade do ataque.

Isso sem con­tar que suas seque­las se tor­nam mais pre­sentes e lim­i­tantes com o pas­sar do tempo.

Quando mais jovem, por exem­plo, tinha mais agili­dade e resistên­cia que tenho hoje, andava para todos os lugares sem qual­quer ajuda. Hoje, já canso mais rápido, não posso ficar tanto tempo em pé e já pre­ciso fazer uso de uma ben­gala. Mas evito pen­sar que possa ainda pio­rar.

Daí minha imensa pre­ocu­pação com o que pode vir acon­te­cer com nos­sas cri­anças pelo desleixo dos pais – e tam­bém pela omis­são das autori­dades –, que, pelo que assis­ti­mos, não se mostra capaz de empreen­der uma cam­panha rig­orosa de vaci­nação, evi­tando que mil­hares de cri­anças mor­ram ou fiquem par­alíti­cas pelo resto da vida, levando uma vida de dores e lim­i­tações.

A poliomielite é uma grave doença com con­se­quên­cias e lim­i­tações que vão bem além do ensina os man­u­ais ou enci­clopé­dias de med­i­c­ina.

O Brasil que já havia errad­i­cado essa des­graça que tanto mal cau­sou a tan­tas pes­soas, não pode admi­tir que ela retorne para fazer novas víti­mas. Fazer pouco caso, ser­mos lenientes é come­ter um grave crime con­tra o futuro deste país.

Podem apos­tar: eu sei do estou falando.

Abdon Mar­inho é advo­gado.