AbdonMarinho - DOIS IDOSOS, DUAS JUSTIÇAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

DOIS IDOSOS, DUAS JUSTIÇAS.

DOIS IDOSOS, DUAS JUSTIÇAS.
QUIS o capri­choso des­tino que, quase simul­tane­a­mente, tivésse­mos o des­fe­cho de dois casos emblemáti­cos um no Brasil e outro nos Esta­dos Unidos, ambos envol­vendo brasileiros anciãos.
No primeiro caso o min­istro Edson Fachin deter­mi­nou o cumpri­mento da pena a que fora con­de­nado o dep­utado fed­eral Paulo Maluf.
No segundo caso a juíza fed­eral amer­i­cana, Pamela Chen, man­dou para a cadeia o car­tola, ex-​presidente da Con­fed­er­ação Brasileira de Fute­bol — CBF, José Maria Marin.
Em comum, o fato de serem idosos, ambos com cerca de 86 anos, e estarem envolvi­dos com escân­da­los de cor­rupção desde muito tempo.
O fato de ambos terem sido pre­sos com difer­ença de pou­cas horas nos pos­si­bilita traçar um para­lelo sobre a situ­ação deles.
O dep­utado Maluf é, talvez, o mais notório cor­rupto brasileiro, desde os tem­pos da ditadura já se ouvia falar dos “malfeitos” por ele prat­i­ca­dos.
Em mea­dos dos anos oitenta, a fama já era tanta que seu nome virou verbo: o verbo “mal­u­far”, como sinôn­imo de cor­rupção e ban­dal­heira. A “gen­tileza” lhe foi con­ce­dida pelo desafeto, não menos notório em malfeitos, Antônio Car­los Mag­a­l­hães, que, enquanto vivo, foi uma espé­cie de vice-​rei da Bahia.
O dep­utado Maluf desde sem­pre – e já se vão mais cinquenta anos de uma car­reira repleta de estrip­u­lias –, investiu em grandes ban­cas de advo­ga­dos e assim tem driblado a Justiça brasileira, levando a maio­ria das imputações que sofreu à pre­scrição enquanto ia/​vai usufruindo o pro­duto do alcance, lépido e fagueiro.
Um breve con­tratempo com a Justiça francesa, no pas­sado, não foi motivo para corrigir-​lhe o caráter, logo estava na pátria-​mãe gen­til gozando das “imu­nidades” par­la­mentares enquanto dili­gentes e com­pe­tentes advo­ga­dos, usando de todos os artifí­cios da lei, o man­tinha a salvo do encon­tro com a prestação de con­tas com a Justiça.
Neste meio tempo, pelas redes soci­ais, ainda tirava sarro dos infortúnios de out­ros políti­cos pegos nos escân­da­los do men­salão, petrolão, e out­ros – o que não falta por aqui é escân­da­los com gente impor­tante envolvida.
Negar, negar e negar enquanto os advo­ga­dos “gan­havam” tempo sem foi uma espé­cie de mantra.
A certeza da impunidade o fez mais afoito. A ponto de sug­erir que os seus deli­tos fos­sem jul­g­amos por tri­bunais de peque­nas causas, tendo em vista que o alcance dos out­ros seriam infini­ta­mente maiores que os seus.
A demora gera a audá­cia.
Mesmo o processo que o levou à Papuda (não se sabe por quanto tempo) se arrasta há mais de 20 anos pelos escan­in­hos dos tri­bunais nacionais. E, sua prisão, depois de tan­tos anos e estrip­u­lias, é vista como algo extra­ordinário, algo fol­clórico.
Isso, ape­sar dos males cau­sa­dos. Só neste processo (pelo que li, não sei se está certo) fala-​se em desvios da ordem de 800 mil­hões (de dólares) e cor­re­sponde ao período em que foi prefeito, entre 1993 e 1996.
O encar­ce­ra­mento, agora, depois de tanto tempo em que as pes­soas nem se lem­bram mais do que se trata, chega até a causar uma certa “piedade”, ainda mais com o “artista” fingindo-​se mais alque­brado do que ver­dadeira­mente estar.
O car­tola Marin é outro que desde sem­pre encontra-​se envolvido com a ban­dalha e enri­cou fazendo todo tipo de nego­ci­ata em torno da paixão nacional: o fute­bol.
Em todos estes anos nunca foi molestado pelas autori­dades brasileiras, ainda quando se sabia dos seus malfeitos.
Mesmo, agora, já con­de­nado pela Justiça amer­i­cana não se sabe de qual­quer pro­ced­i­mento nas ter­ras brasileiras con­tra ele e con­tra os demais car­to­las nacionais.
Por isso mesmo estão todos por aqui, livres, leves e soltos, o sen­hor Teix­eira, o sen­hor Del Nero e tan­tos out­ros, enfrentam o único incon­ve­niente de não poderem “pisar” fora do Brasil.
Pois bem, o sen­hor Marin caiu em des­graça em mea­dos de 2015, quando foi apan­hado por uma inves­ti­gação inter­na­cional enquanto des­fru­tava de todo con­forto que o din­heiro pode com­prar num hotel da Suíça e lev­ado aos Esta­dos Unidos.
Após a depor­tação e já em ter­ras amer­i­canas, foi lev­ado a pre­sença de uma Corte de Nova Iorque que arbi­trou uma gorda fiança para que pudesse respon­der ao processo em prisão domi­cil­iar. Tendo pago a fiança ficou num dos mel­hores endereços daquela cidade até a decisão da Justiça o que ocor­reu pouco mais de dois anos após a prisão.
O sen­hor Marin, entrou, na última sem­ana na Corte acom­pan­hado por seus advo­ga­dos, e estes saíram de lá soz­in­hos, prom­e­tendo recur­sos e ape­los, para, ao menos, poder con­tin­uar em prisão domi­cil­iar enquanto aguarda os recur­sos.
A decisão da juíza, que sequer esta­b­ele­ceu o tamanho da pena, mas que pode chegar a vinte anos, é para que comece o cumpri­mento da pena ime­di­ata­mente, numa prisão fed­eral, ainda que não se saiba nem o tamanho dela. Não lhe deu nem a chance de ir fazer mala, já saiu da Corte para a prisão.
Os cidadãos Paulo Maluf e José Marin, um em Brasília e outro em Nova Iorque, ambos con­de­na­dos, dormi­ram na prisão. Um depois de vinte anos “arra­s­tando” processo e após infini­tos recur­sos, jus­tos, injus­tos ou pro­te­latórios, o outro depois de pouco mais de dois anos, após o tri­bunal decidir pela sua cul­pa­bil­i­dade em seis das sete acusações que sofr­era, sem recur­sos, sem ape­los e mesmo sem pena definida.
Dois idosos, duas justiças, crimes diver­sos.
Qual Justiça estará certa?
Abdon Mar­inho é advogado.