AbdonMarinho - O DOM DA EMOÇÃO
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O DOM DA EMOÇÃO

O DOM DA EMOÇÃO.

Li uma matéria da BBC nar­rando a história de um cidadão que não sente quase nen­huma emoção. Algo como você ficar indifer­ente a uma vio­lên­cia con­tra uma cri­ança ou idoso, o nasci­mento de um filho, a tris­teza da perda de um ente querido, a frus­tração por um insucesso, a dor por uma amizade des­feita ou um amor per­dido. Nada.

A matéria informa que tal dis­túr­bio é, na ver­dade, uma doença que atende pelo nome de alex­itimia. Os seus por­ta­dores a chamam pela forma dimin­uta de «alexes».

Li e fiquei imag­i­nando como deve ser triste não sen­tir qual­quer emoção. Viver a vida como se a mesma fosse uma mera ence­nação onde nada nela fosse real.

A sociedade atual procura edu­car as pes­soas assim. Para que sejam exces­si­va­mente racionais, muitas vezes hipócritas, para que escon­dam os seus sen­ti­men­tos, jamais os demostrando em público. No mundo cor­po­ra­tivo os exec­u­tivos são treina­dos para men­tirem, levarem os negó­cios como uma par­tida de pôquer, como forma de tirar van­tagem nos negó­cios, de acu­mu­la­rem fortunas.

São pes­soas que, como diria meu pai, não sus­tenta em pé o que diz sen­tado, ou que no jan­tar já esque­ceu do almoço. Achem como se fos­sem treinadas para «alexes».

A cor­rupção, o roubo do din­heiro público, o fato de mil­hares de pes­soas não terem dire­ito a esco­las, a uma rede de saúde que as aten­dam, são coisas indifer­entes a estas pes­soas. A política brasileira está repleta de pes­soas assim. São pes­soas que roubam, que se locu­ple­tam dos recur­sos públi­cos, seja através de con­vênios, emen­das, par­la­mentares ou a velha e man­jada propina porque são indifer­entes ao sen­ti­mento das pes­soas, às suas necessidades.

A vio­lên­cia nossa de todos os dias. Lem­bro que não muito tempo, a notí­cia de uma morte era assunto de meses, motivo de pesar de muitos e por muito tempo. Hoje as mortes, seja homicí­dios, sejam aci­den­tais, tornaram-​se de tal forma banais que não atraem mais atenção de ninguém. Quando matavam duzen­tas pes­soas em um ano – há doze anos era assim –, achá­va­mos um escân­dalo, dizíamos que a ilha de São Luís estava muito perigosa. Hoje, este é prati­ca­mente o número de um mês. As inda­gações, quando exis­tem, são ape­nas para fazer pros­elit­ismo político.

Mas deix­e­mos isso para outro debate. O assunto deste texto é outro.

Con­fesso que me angus­tio com a vida plas­ti­fi­cada que vejo muitas pes­soas ten­tado levar. Sei lá, fui edu­cado de outra forma.

Se existe uma definição oposta aos que sofrem de alex­itimia, acho que estaria enquadrado nela, ou bem próx­imo dela. Sou o que as pes­soas cos­tu­mam chamar de «man­teiga der­retida», com emoções tão a flor da pele, que, como diria Zeca Baleiro, até um beijo de nov­ela me faz chorar.

Se é um defeito, peço perdão, pois gosto de sen­tir emoção. Gosto de rir (às vezes gar­gal­har, chorar até) de uma piada bem con­tada; gosto de chorar diante de cena tocante num filme, pro­grama e até noticiário;gosto de poder chorar de tris­teza ou de ale­gria; gosto de sentir-​me triste quando me vejo diante de uma saudade doída; de sen­tir a dor de um soluço sem lágri­mas (não lem­bro que autor nar­rou essa emoção); gosto de me colo­car no lugar e me con­doer com a dor alheia. Não con­sigo – e não tento – ficar indifer­ente a nen­huma emoção.

Não gostaria de sen­tir a emoção da tris­teza, sin­toma que algo triste acon­te­ceu ou a da dor, tam­bém fruto do diss­a­bor, mas o que seria o mundo sem elas?

E, como não gostar de sen­tir a emoção do amor, paterno, fraterno ou fil­ial? Como não gostar de chorar emoção do surg­i­mento da vida? Da vitória doida final­mente alcançada?

As min­has fal­sas lim­i­tações me con­duziriam ao mundo da literatura.Ainda na infân­cia, quan­tas não foram as vezes que tive que parar uma leitura por me emo­cionar com ela?

A vida me con­duziu ao mar das saudades e das incertezas. Quan­tas não foram as vezes que chorei a saudade dos dias que não tive e que nunca os teria?

Sem­pre tive na emoção uma par­ceira. Ela me inspira na tris­teza, na ale­gria, na dor, no sofrer. Não con­sigo imag­i­nar como seria a minha vida sem a emoção.

O artigo que trata da alex­itimia me des­per­tou para o quanto deve ser triste não exper­i­men­tar qual­quer emoção. Deve ser muito triste e vazia uma vida assim.

Depois me pus a pen­sar em como deve ser mais triste ainda aque­las pes­soas que, podendo sen­tir emoções, treinam para não senti-​las. Nunca con­segui enten­der os que abrem mão de um dom tão excep­cional quanto o dom da emoção.

Abdon Mar­inho é advogado.