AbdonMarinho - Walter Rodrigues – 15 anos de ausência.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Terça-​feira, 20 de Maio de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Wal­ter Rodrigues – 15 anos de ausência.


Walter Rodrigues, ou WR para os ínti­mos, está há 15 anos longe de nós.

Neste dia, peço licença aos leitores para hom­e­nagear o jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues, que nos deixou há 15 anos.

Na manhã de 19 de maio de 2010, acordei com várias lig­ações per­di­das do celu­lar de Wal­ter. Ele estava com alguém no momento do aci­dente e ten­tou me avisar ou pedir ajuda.

Wal­ter, paraense de nasci­mento, veio para o Maran­hão no final dos anos 1970 para seguir sua car­reira como jor­nal­ista. Ele tra­bal­hou em várias redações, sem­pre se opondo ao jor­nal­ismo de con­veniên­cia que igno­rava a verdade.

Con­heci Wal­ter em 1991, quando come­cei a tra­bal­har na Assem­bleia Leg­isla­tiva. Nossa amizade durou até sua par­tida em 2010.

Desde que fun­dei meu escritório até prati­ca­mente sua par­tida, fomos seus advo­ga­dos em várias ações judi­ci­ais, tanto como réus quanto como autores. Como já men­cionei antes, ele cun­hou a famosa frase: “Abdon, não importa se o processo tran­si­tou em jul­gado, mas se tran­si­tou ‘em recebido’”.

Outra frase sua que me mar­cou foi: “Quem dorme em horário de puta não pode acor­dar em horário de padeiro”.

A frase surgiu de uma recla­mação minha. Eu o liguei logo cedo, mas ele não aten­deu. Ele expli­cou que, como eu morava no sítio e tinha o hábito de dormir e acor­dar cedo, ele, por outro lado, pas­sava a noite quase toda acor­dado, estu­dando ou escrevendo. Ele disse que não se pode esperar que quem dorme em horário de puta acorde em horário de padeiro.

Aos domin­gos, como hoje, tín­hamos o hábito de nos ligar para falar sobre as notí­cias dos jor­nais ou para recla­mar quando, por algum motivo ou con­veniên­cia, sua col­una não cir­culava no Jor­nal Pequeno. Durante o período em que sua col­una cir­cu­lou nesse matutino, eu era advo­gado tanto de WR quanto do Jor­nal Pequeno. Ele me lig­ava furioso para recla­mar se a col­una não circulava.

Quando isso acon­te­cia, ele se recusava a colo­car a col­una na edição da segunda-​feira. Ele dizia que a edição de segunda era per­me­ada pelas notí­cias de violência.

O “arranjo” de encar­tar seu “Col­unão” no Jor­nal Pequeno fun­cio­nou durante um período, mas depois começaram os des­gastes. Ele deixou de encar­tar sua col­una no JP para ten­tar fazer de outra forma. Ele ainda ten­tou fazer a dis­tribuição inde­pen­dente, mas não deu certo.

Por fim, ele criou o Col­unão ape­nas na ver­são eletrônica, sendo um dos primeiros, senão o primeiro, blogue do estado.

Era uma solução, mas não era a ideal para ele, que gostava do jor­nal impresso, de sen­tir o cheiro da tinta no papel.

Isso o motivou a lançar uma ver­são impressa da sua col­una.

Quando lançou seu “Col­unão”, o chamou de tigre de papel e encer­rou a apre­sen­tação com a seguinte frase: “Eis o novo Col­unão, o nosso ‘tigre de papel’. Dis­posto à luta como um tigre, mas con­sciente tam­bém de sua fraqueza, pois um tigre da ver­dade não é um tigre de ver­dade, mas ape­nas uma imagem que se quer real. Seu lema é o de Karl Marx: ‘Sem dúvida o jor­nal­ista deve gan­har a vida escrevendo, mas não deve escr­ever para gan­har a vida’”.

Cer­ta­mente, Wal­ter cole­cio­nou muitos desafe­tos pelo seu estilo de escr­ever, sua “busca da ver­dade” sem pre­ocu­pações “colat­erais”, mas, cer­ta­mente, nunca seria capaz de uma deslealdade.

Nas nos­sas con­ver­sas, quando o inda­gava sobre deter­mi­nado artigo, prin­ci­pal­mente quando fazia uma denún­cia con­tra uma autori­dade, ele dizia que jamais iria dizer uma coisa se não tivesse out­ras duas a com­pro­var o que dizia. Suas palavras: “Quando jogo uma pedra, tenho out­ras duas aqui guardadas”.

Fazia o “dever de casa” como bom jor­nal­ista: apu­rava a infor­mação, ouvia as partes, for­mava seu juízo e escrevia o seu artigo, fazia sua denúncia.

Dizia com razão que o maior patrimônio do jor­nal­ista era a sua cred­i­bil­i­dade per­ante a sociedade, o respeito per­ante suas fontes e a cor­reção da infor­mação. Isso não sig­nifi­cava que ele ou qual­quer outro fosse “proibido” de ter lado. Aliás, quando lançou o Col­unão apartado do JP, fez questão de pon­tuar os princí­pios de sua linha edi­to­r­ial – tenho essa edição nos meus arquivos –, onde esclare­cia sobre o “seu lado” e as ideias que defendia.

Ape­sar de todos saberem disso, de ser público seu ideário como jor­nal­ista, seus arti­gos e denún­cias não eram cor­roí­das pelo descrédito, pelo con­trário, era como se tivesse ainda mais credibilidade.

Um bom jor­nal­ista não pre­cisa escr­ever sobre tudo, mas em vinte anos de amizade nunca tive qual­quer sus­peita que ele ocul­tou uma infor­mação por inter­esse sub­al­terno ou que rece­beu para escon­der a ver­dade e muito menos para “criar” ver­dades inex­is­tentes.

Observo o estado atual do jor­nal­ismo, onde supos­tos jor­nal­is­tas incom­pe­tentes se envolvem em práti­cas antiéti­cas, como trair suas fontes, fazer print de con­ver­sas pri­vadas, divul­gar infor­mações fal­sas e enga­nar seus leitores. Ao com­parar isso com o jor­nal­ismo de 15 anos atrás, percebo que não era ape­nas uma época difer­ente, mas um mundo com­ple­ta­mente diferente.

No entanto, este não é o foco da minha discussão.

A par­tida de Wal­ter Rodrigues em 2010 deixou um vazio no jor­nal­ismo brasileiro que per­manece até hoje, e temo que nunca seja preenchido.

O mundo parece pros­perar em um mar de desin­for­mação, inter­esses ocul­tos e polar­iza­ção política.

A ver­dade deixou de ser um con­ceito obje­tivo e se tornou a ver­dade abso­luta e indi­vid­ual de cada um.

Cada indi­ví­duo, movido por suas próprias con­veniên­cias e inter­esses pes­soais, agora tem sua própria ver­são da ver­dade, que nada mais é do que um dis­farce para men­ti­ras, enganos e enganações.

Os 15 anos de ausên­cia de Wal­ter Rodrigues, que provavel­mente pas­sarão des­perce­bidos, tam­bém servem como um momento para refle­tir sobre essa situação.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.