AbdonMarinho - Qualificação, mestrado e doutorado.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Qual­i­fi­cação, mestrado e doutorado.


QUAL­I­FI­CAÇÃO, MESTRADO E DOUTORADO.

Por Abdon C. Marinho*.

LEIO e tam­bém assisto nos infind­áveis com­er­ci­ais que o gov­erno estad­ual vai “requal­i­ficar” a MA-​203, a nossa Estada da Raposa, ou Avenida do Araçagy, como queiram.

A notí­cia da “requal­i­fi­cação” trouxe muita ale­gria, líderes soltaram fogos de artifí­cios, as mídias dig­i­tais já têm dias tratando do assunto.

Fiquei pen­sando no que disse outro dia numa con­versa com umas lid­er­anças políti­cas e comu­nitárias: nós, a sociedade, como um todo, perdemos a nossa con­sciên­cia crítica e nada ilus­tra tão bem isso quanto o ‘fes­te­jar” uma requal­i­fi­cação de obra pública.

A nossa famosa MA 203 é a prova mais elo­quente do que digo.

Amante das palavras, sei que, grosso modo, requal­i­ficar, na sua acepção mais comum, sig­nifica qual­i­ficar nova­mente.

Ora, o vestibu­lar para “qual­i­fi­cação” da men­cionada obra deu-​se ainda pelo iní­cio do ano de 2010 – ou antes –, com gor­das ver­bas des­ti­nadas pelo Min­istério do Tur­ismo, quando ainda min­istro o ex-​deputado Gastão Vieira.

Depois de idas e vin­das e muitos mil­hões acresci­dos depois, se não me falha a memória, a “for­matura” da obra deu-​se no ano pas­sado, doze anos depois do iní­cio da “qual­i­fi­cação” – que, pelo visto, não foi tão qual­i­fi­cada assim – deve ter sido como um “curso de verão” que durou mais de uma década.

O tempo que levaram para “qual­i­ficar” a obra – do vestibu­lar à for­matura ou inau­gu­ração –, daria para fazer uma boa grad­u­ação, um ou mais mestra­dos e até doutorado. Em ter­mos bíbli­cos, é quase o mesmo tempo que Jacó levou para gan­har, de Labão, o dire­ito de casar-​se com Raquel (14 anos, 7 + 7 anos). Lia a Bíblia e lembrei-​me dessa pas­sagem ao escr­ever o texto.

Vejam, não esta­mos falando de uma “transamazônica” da vida, esta­mos falando de uma via que, saindo do retorno do Olho d’Água até o ele­vado Neiva Mor­eira, na con­fluên­cia com a MA-​204, não alcança a dis­tân­cia de 7 km.

Parece uma história de “tran­coso”, como se dizia antiga­mente, ou um mito, como o suplí­cio de Sisifo, con­de­nado a car­regar pela eternidade uma pedra a até o cume da mon­tanha e ela cair e ele começar tudo de nova­mente, con­forme ensina a mitolo­gia grega, dizer que pas­saram mais de uma década – e muitos mil­hões depois –, para “qual­i­ficar” um pedaço de via de menos de 7 km e, pouco mais de um ano depois – se tanto –, já man­darem “requal­i­ficar” tal obra.

E os cidadãos aceita­mos tal situ­ação e até mesmo fes­te­jamos como se fosse per­feita­mente nor­mal ou como se o poder público estivesse nos fazendo um favor.

Há mais de vinte anos morando em um sítio na Estrada de Riba­mar, fiz das MA’s 201, 204 e 203 meu roteiro diário de “viagem” entre minha casa e o tra­balho. Durante todo período de “qual­i­fi­cação” da via em dis­cussão, meu aux­il­iar, sen­hor Afrânio, quase que como um mantra repetia, na ida e na volta, “que a obra não daria certo”, “que não prestava”, “que era din­heiro jogado fora”, etcetera e tal. Eu, cré­dulo, ou tolo, só dizia: — que é isso, meu filho, como é que uma obra feita por umas das maiores empre­sas do estado ou do país, com grandes engen­heiros envolvi­dos, com “din­heiro no balde”, com o estado acom­pan­hando, em plena cap­i­tal, não dará certo?

Ao anun­cia­rem, “com fes­te­jos” que a obra depois de mais de uma década, como pouco mais de um ano de inau­gu­rada, pas­sará por uma “requal­i­fi­cação”, deram total razão ao que meu aux­il­iar repetia durante toda “qual­i­fi­cação” da obra e que eu estava abso­lu­ta­mente errado ao acred­i­tar no poder público.

O sen­hor Afrânio, que não é engen­heiro civil, não é arquiteto, não é empre­it­eiro e que só con­hecia a via por tran­si­tar por ela duas vezes ao dia, sabia mais sobre os “prob­le­mas” da obra que as pes­soas con­tratadas para exe­cu­tar e/​ou fis­calizar os serviços que estavam sendo exe­cu­ta­dos.

O que me choca é que ao anun­cia­rem e fes­te­jarem que irão “requal­i­ficar”, depois de tão pouco tempo depois de inau­gu­rada, a obra pública, não tenha apare­cido ninguém, uma viva alma, para se per­gun­tar ou para ques­tionar as autori­dades a razão para “requal­i­ficar” a obra.

— Parou! Parou! Foi erro de pro­jeto? Foi erro de exe­cução? Quem errou (se errou)? Vai haver ressarci­mento ao mis­erável do contribuinte?

Será que ape­nas eu con­siga achar que isso não está certo? Ou, como na obra o Alienista, de Machado de Assis, todos os out­ros estão cer­tos e eu que estou louco?

Se estiver errado que per­doem e aceitem min­has escusas, mas não tomei con­hec­i­mento de que algum dep­utado estad­ual ou fed­eral ou senador da República, pediu qual­quer esclarec­i­mento ou comis­são par­la­men­tar de inquérito para inves­ti­gar o que “deu errado” com obra ou mesmo tenha feito um dis­curso no “pequeno expe­di­ente” das Casas Leg­isla­ti­vas; não tomei con­hec­i­mento de que algum pro­mo­tor de justiça ou procu­rador tenha aberto algum pro­ced­i­mento; ou mesmo que o Tri­bunal de Con­tas do Estado — TCE tenha se ques­tion­ado ou feito ques­tion­a­men­tos aos respon­sáveis.

Observo o mesmo clima de “nor­mal­i­dade” já obser­vado durante a “qual­i­fi­cação” que se arras­tava ao longo dos anos, atrasando a vida de motoris­tas e transe­untes e con­sumindo incon­táveis mil­hões dos cofres públi­cos.

Arrisco dizer que as inter­venções feitas nos 7km da MA-​103, desde o “vestibu­lar” para ini­ciar a “qual­i­fi­cação”, há mais de uma década, até a “for­matura”, no ano pas­sado, ten­ham con­sum­ido bem mais de 100 mil­hões de reais, e, já se anun­cia, com festa, registre-​se, mais despe­sas com a mesma obra para “requal­i­ficar”.

O que me espanta, repito, é o clima de nor­mal­i­dade com que isso é tratado.

Mesmo a sociedade civil (des)organizada finge que tudo está bem, que é assim mesmo – quando não é.

Imag­ino (só imag­ino) se os recur­sos e o tempo despendi­dos nos sete quilômet­ros da MA-​103, não dariam para fazer, tam­bém, a dupli­cação da MA-​104 – que reclama uma dupli­cação com urgên­cia –, e/​ou, mesmo, a dupli­cação da MA-​101 (Estrada de Riba­mar), outra via per­i­cli­tante que não atende a demanda diária de trân­sito.

Vejam são inda­gações e ques­tion­a­men­tos que, a não ser que esteja habi­tando um mundo para­lelo –, julgo per­ti­nentes.

Mas, como já disse, pode ser que eu esteja abso­lu­ta­mente errado, não é? Paciên­cia.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.