A AGONIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS.
Em meio ao turbilhão que conflagrou a política nacional, passou desapercebido uma reunião entre a presidente Dilma Rousseff e diversos governadores de estado para tratar da dívida impagável destes entes federados. Segundo fui informado existe a ideia de abater de suas dívidas cerca de 40% (quarenta por cento). Ao se confirmar as tratativas trata-se de um grande alento para os estados.
Se é certo que os estados estão em dificuldades – e eles possuem muito mais capacidade de arrecadação –, a situação dos municípios, principalmente os dos nordestes é de insolvência.
Acompanho, presto assessoria e consultoria aos municípios maranhenses há mais de vinte anos, confesso que nunca vi situação tão difícil. Os números são aterradores e eles não mentem.
Não há mistério nenhum. Nos últimos anos os municípios veem perdendo, anualmente, cerca de 30% (trinta por cento) com a deterioração do Fundo de Participação dos Municípios - FPM, quem lida com a administração pública no dia a dia, sustenta que essa redução é bem maior.
Ainda que sejam apenas trinta por cento, a Confederação Nacional dos Municípios - CNM, tem um estudo sobre todos os municípios brasileiros, apenas para ficar nos mais próximos, municípios como, São Luís tem perdido por ano quase 150 milhões de reais; Caxias quase 30 milhões; perdas idênticas sofrem Timon e Imperatriz. Para estes, que são grandes – embora com problemas também grandes –, o impacto pode até ser minorado devido a capacidade de obtenção receitas próprias.
Bem pior é a situação dos municípios médios e pequenos, que dependem unicamente das receitas do FPM. O impacto destas perdas é catastrófico. Embora signifique pouco para Açailândia perder 10 ou 11 milhões de reais por ano, Axixá perder 3 milhões, Morros perder 4,5 milhões ou Belágua perder 2 milhões por ano, desequilibra, por completo, suas finanças e é isso que tem acontecido.
Embora o problema das perdas já tenha um efeito devastador para as finanças públicas municipais, a situação ainda é muito mais grave.
Além das perdas, a inflação de janeiro de 2012 a fevereiro de 2016, chegou a 30,46%. Tal inflação tornou os serviços e obras públicas muito mais caras. Qualquer um é capaz de aferir o impacto no bolso do aumento da gasolina ou do óleo diesel nos últimos anos. O mesmo acontece com os municípios, se vai fazer uma obra ela se tornou mais cara, se vai fazer um transporte escolar, de pacientes, etc, não consegue fazer ao custo que fazia antes.
Os impactos não ficam apenas nisso.
O salário mínimo que tem um grande impacto na folha de pessoal saltou de R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais), em 2012 para R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais) em 2016. Tem mais, o piso nacional dos professores mais que dobrou nos últimos anos saltando de R$ 1.024 (hum mil e vinte quatro reais) em 2010 para R$ 2.135 (dois mil cento e trinta e cinco reais) em 2016. Embora se diga, no caso dos professores, que também houve um incremento nos valores repassados pelo FUNDEB, o impacto nas finanças públicas permanece pois a maioria dos municípios só elevam com justeza os salários dos professores, mas há anos não conseguem dar nada de aumento as outras categorias, muitas mal conseguem ganhar o mínimo.
O resultado é que, como as receitas públicas não evoluíram na mesmo padrão das despesas, muito pelo contrario, quase noventa por cento dos municípios brasileiros, ultrapassaram os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF para os gastos com pessoal. Estão todos na faixa emergencial, muitos com gastos de 60, 70 e até 80% de gastos apenas com pessoal. Um ligeiro estudo mostra que os municípios estão em situação de insolvência sem conseguirem honrar compromissos importantes e urgentes.
Como é possível um município que já ultrapassou em muito os 51,30% com gastos com pessoal, consiga arcar com mais 1/12 avos de ferias, 13º salário e ainda 22% (vinte e dois por cento) de encargos providenciarias (INSS)?
A conta não fecha.
Como disse Jesus Cristo, dêem a César o que é de César. Parte da responsabilidade instalada nas finanças públicas teve a participação dos órgãos de controle, tanto do TCE’s quanto do ministério público, os estaduais e o federal.
Explico: a partir de meados dos anos noventa, com as melhores das intenções, certamente, cerraram fileiras para que os municípios não tivessem um servidor contratado. Todos deveriam ser concursados, inclusive aqueles, que trabalhariam nos programas criados e impostos pelo governo federal aos municípios.
Assim, os prefeitos foram convocados a assinarem ajustamento de conduta, comprometendo-se a encerrar todos os contratos e a fazer concurso público, inclusive para os programas. Lembro que numa destas audiências questionei o representante do ministério público se não estaria havendo demasiado açodamento uma vez que se os programas acabassem os municípios não teriam como arcar com as despesas. Como resposta me disseram que isto seria impossível. Uma fez criado um programa ele não poderia acabar, por conta de um princípio lá qualquer.
A realidade econômica parece ignorar tais princípios e a boa vontade destes órgãos de controle: o governo federal já acabou com alguns, demora a fazer os repasses de outros e os municípios é que têm que arcar com tais despesas. Os servidores, quando tem o dinheiro do governo federal, querem ganhar como servidores da União, quando esta atrasa, dizem sem nenhum [pudor, porém com acero: somos servidores do município.
Caso emblemático é dos Agentes Comunitários de Saúde. Estes servidores – importantíssimos por sinal – ingressaram no serviço público numa exceção constitucional. Hoje, querem receber todas as benesses dos repasses e ainda os quinquênios, anuênios e demais penduricalhos do serviço público. Não discuto se têm ou não razão, é até capaz que tenham. Acontece, que o governo federal criou situações e as passou para os municípios administrar sem que estes recebessem recursos para tal.
A situação dos municípios e seus gestores é calamitosa. Muitos não terão como fechar as contas, criando problemas de ordem pessoal para si e suas equipes, levando a todos a sérios problemas no futuro próximo.
O malfeitor quer apenas uma desculpa, não se quer aqui, de forma alguma, fingir desconhecer a malandragem ou a má-fé de muitos. Estes, inclusive, até se aproveitam das dificuldades para tirar vantagens indevidas.
Mas, por outro lado, não podemos desconhecer a realidade apresentada pelos números. Eles estão postos.
As autoridades, deputados estaduais, federais, senadores, precisam se debruçar a este problema com urgência. A maioria dos atuais gestores correm o sério risco de sairem dos seus mandatos com problemas judicias decorrentes destas situações, descumprimento da s metas da LRF, inconsistência nos repasses previdenciários, etc. Embora muitos tenham parcela de culpa, os demais não têm, são apenas vítimas do achatamento brutal de suas receitas e o aumento das despesas,
Urge que os órgãos de controle – ao invés de só buscarem os malfeitos nas gestões –, deveriam convocar, com urgência, uma audiência pública para discutir e buscar soluções para a calamitosa situação dos municípios.
Em finanças públicas não existem milagres. Não é possível resolver despesas sem receitas.
Outro dia o Ministério Público Estadual divulgou, como se tivesse feito uma grande coisa, que solicitara ao Tribunal de Justiça a relação de gestores públicos condenados em segunda instância.
A ideia do órgão ministerial é pedir o imediato cumprimento das penas. Embora, pessoalmente, seja contra a decisão do Supremo em relação a questão, o que me chamou a atenção na iniciativa do MPMA é o fato dele ter solicitado a relação de ex-gestores públicos, muitos representantes do povo, antes de haver solicitado a relação dos latrocidas, homicidas, estupradores, etc.
Não é que não deva fazer isso. A questão posta é o grau de prioridade. O valente ministério público colocou os ex-gestores à frente da turma toda acima referida.
O Ministério Público, parte do Judiciário e dos demais órgãos de controle, preconceberam a ideia de que todo gestor público é bandido. Tomam tal conceito como verdade sem conhecerem a real situação em que foi mergulhada a administração pública à revelia dos gestores.
Claro que, como existe em toda categoria, como advogados, membros do ministério público, do judiciário, da polícia, dos médicos, também deve haver bandidos, entre os gestores públicos, o que não podemos é tomar tal situação como regra. Sob pena de tornarmos o serviço público um antro de marginais a ponto das pessoas sérias não pretenderem mais disputar a representação política.
O que seria a pior solução, pois aí sim entregaríamos o serviço público apenas aos mal intencionados.
Diante de tudo isso alguém aí se habilita a ser prefeito?
Abdon Marinho é advogado.