AbdonMarinho - Na defesa das Forças Armadas.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Na defesa das Forças Armadas.


NA DEFESA DAS FORÇAS ARMADAS

Por Abdon Marinho.

DEZ ANOS, aprox­i­mada­mente, em São Luís, Maran­hão, ocor­reu uma con­fusão em um dos quar­téis. Se não me falha a memória, o coman­dante da guarnição, em um fim de tarde, “inven­tou” de ir jogar bola com a tropa e um dos sub­or­di­na­dos ou “come­tera falta grave” ou fal­tara com o respeito com o coman­dante. O certo é que a con­fusão estava feita.

Quando, ainda no calor dos acon­tec­i­men­tos, um amigo, que tam­bém é mil­i­tar, per­gun­tou minha opinião, se dev­e­riam ou não punir o sub­or­di­nado, respondi-​lhe de forma categórica:

— Olha, inde­pen­dente do que tenha acon­te­cido, o cul­pado é o coman­dante. Ele que dev­e­ria ter a respon­s­abil­i­dade de não se “mis­tu­rar” com sol­da­dos e se alguém é mere­ce­dor de punição é o coman­dante e não o sol­dado.

Con­clui citando dois ensi­na­men­tos, um do meu pai, que dizia: “a gente se junta mas não se mis­tura”; e outro de um grande amigo e mil­i­tar das anti­gas, Mar­i­ano Serejo, que vez por outra cos­tuma dizer: “Abdon, sol­dado é o retrato do cão”.

Ora, o coman­dante de tropa que vai se enfurnar numa pelada e tro­car suor com os coman­da­dos, ele pode exi­gir tudo, menos que o tratem com respeito. Respeito na pelada? Com os boleiros?

Pas­sa­dos tan­tos anos, nunca pro­curei saber o que acon­te­ceu com os envolvi­dos na polêmica nar­rada acima e se a trago nova­mente à baila é para tratar de um assunto muito mais sério, envol­vendo a que­bra de dis­ci­plina e da hier­ar­quia nas Forças Armadas e o risco que isso sig­nifica para a democ­ra­cia brasileira.

Qual­quer pes­soa com um mín­imo de bom senso e com­pro­metido com a democ­ra­cia e os des­ti­nos da nação – qual­quer nação –, sabe os riscos que ambos cor­rem quando, por alguma maneira, os quar­téis são poli­ti­za­dos ou se vul­nera os princí­pios da hier­ar­quia e da disciplina.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral, no título que trata da Defesa do Estado e das Insti­tu­ições Democráti­cas, dis­pensa um capí­tulo especí­fico, para tratar das Forças Armadas, esta­b­ele­cendo: “Art. 142. As Forças Armadas, con­sti­tuí­das pela Mar­inha, pelo Exército e pela Aeronáu­tica, são insti­tu­ições nacionais per­ma­nentes e reg­u­lares, orga­ni­zadas com base na hier­ar­quia e na dis­ci­plina, sob a autori­dade suprema do Pres­i­dente da República, e destinam-​se à defesa da Pátria, à garan­tia dos poderes con­sti­tu­cionais e, por ini­cia­tiva de qual­quer destes, da lei e da ordem. … § 2º Não caberá «habeas-​corpus» em relação a punições dis­ci­pli­nares militares”.

Como podemos perce­ber as Forças Armadas destinam-​se à defesa da Pátria, à garan­tia dos poderes con­sti­tu­cionais e, por ini­cia­tiva de qual­quer destes, da lei e da ordem. Esse é o seu papel reser­vado pela Con­sti­tu­ição da República, qual­quer outra atribuição que fuja de tal des­ti­nação será vio­lar a razão de sua própria existên­cia.

Tam­bém por deter­mi­nação con­sti­tu­cional as Forças Armadas são insti­tu­ições per­ma­nentes reg­u­lares orga­ni­zadas com base na hier­ar­quia e na disciplina.

Observem que o que­sito “dis­ci­plina” é tão impor­tante do ponto de vista da orga­ni­za­ção das Forças Armadas que leg­is­lador con­sti­tu­inte excluiu até mesmo o cabi­mento do “habeas cor­pus” no caso das punições dis­ci­pli­nares mil­itares.

A despeito de ser a autori­dade suprema das Forças Armadas, e de, por­tanto, ter o dever de preservá-​las como insti­tu­ições per­ma­nentes da nação, o pres­i­dente da República age em sen­tido con­trário ao que dev­e­ria, levando intran­quil­i­dade e descon­forto não ape­nas em relação a estas forças, mas, tam­bém, em relação as forças de segu­rança aux­il­iares.

Desde que assumiu, em janeiro de 2019, que tem sido assim.

Em que pese o dis­curso tor­tu­oso no qual – por ter origem mil­i­tar e de onde saiu em condições pouco elo­giosas –, tenta fazer pare­cer falar em nome das Forças Armadas ou con­tar com seu apoio para intim­i­dar a nação, o pres­i­dente da República, o que faz, na ver­dade, é cor­roer o prestí­gio da insti­tu­ição per­ante a sociedade e cor­romper os princí­pios nas quais se fun­dam.

A primeira coisa que que fez ao assumir foi levar inúmeros mil­itares da ativa ou recém-​saídos da ativa para inte­grarem o gov­erno, criando uma clara dis­tinção entre os que servem no palá­cio e min­istérios para aque­les que servem nos quar­téis; depois, pro­movendo e/​ou incen­ti­vando incon­táveis man­i­fes­tações inclu­sive nas por­tas dos coman­dos mil­itares con­tra os poderes con­sti­tu­cionais – que as Forças Armadas têm o dever de garan­tir; e, por fim, fomen­tando a que­bra de hier­ar­quia e dis­ci­plina como assis­ti­mos no episó­dio envol­vendo o gen­eral Pazuello.

Qual­quer cidadão, desde que pos­sua dois neurônios, é sabedor que essa ence­nação toda e até mesmo esse hábito de sem­pre vis­i­tar quar­téis – que muitos jul­gam com um gesto de desprendi­mento –, nada mais é do que uma estraté­gia para fomen­tar a que­bra de hier­ar­quia nos quar­téis e por exten­são nas forças aux­il­iares.

Pegue­mos como exem­plo a situ­ação envol­vendo o gen­eral Pazuello.

O gen­eral Pazuello foi chamado, como gen­eral da ativa – que con­tinua até hoje –, para ser secretário-​executivo do Min­istério da Saúde, a jus­ti­fica­tiva foi que ele seria um “espe­cial­ista” em logís­tica – na ver­dade era para vigiar o min­istro.

Tal fato, já cau­sou des­gaste entre os gen­erais dos quar­téis con­scientes de suas respon­s­abil­i­dades con­sti­tu­cionais.

Com a “queda” do min­istro tit­u­lar o gen­eral acabou “virando” min­istro e o respon­sável pela con­dução da pasta no momento mais agudo da crise san­itária.

Como o texto não é para tratar da pan­demia deixarei de dizer que o “sucesso” da gestão pode ser aferida no número de mor­tos que foram con­tabi­liza­dos no período, para dizer que mar­cou sua gestão foi a emblemática declar­ação em relação ao pres­i­dente quando ten­tou com­prar vaci­nas e foi desautor­izado por ele: “é sim­ples assim, um manda e o outro obe­dece”.

Tal colo­cação, talvez, fosse até cabível se pro­ferida por min­istro civil e ape­gado ao cargo. Vindo de gen­eral da ativa pareceu-​me desmor­al­izante. Ainda mais, se con­sid­er­ar­mos que o “espe­cial­ista em logís­tica” ten­tava fazer a coisa certa.

Mas o episó­dio Pazuello estava longe de acabar – e ainda não acabou.

Impo­tente e sem plano para com­bater a pan­demia o gen­eral Pazuello acabou saindo do Min­istério.

Não podemos dizer se pediu para sair ou se foi exon­er­ado porque o pres­i­dente, no comí­cio que fez recen­te­mente, com o ex-​ministro, mas gen­eral da ativa a tira­colo, fez pare­cer que ele saiu por “excesso” de competência.

E cheg­amos ao ponto em que o pres­i­dente lança a car­tada mais visível na estraté­gia de desmor­al­iza­ção das Forças Armadas.

Provando que falava sério ao dizer que um man­dava e o outro obe­de­cia, lá estava o gen­eral Pazuello em um comí­cio, um ato público de cunho político em apoio ao presidente.

Qual­quer um, até mesmo o sen­hor Bol­sonaro, é sabedor que mil­i­tar não pode par­tic­i­par daquele tipo de ato. Ou seja, tanto um quanto o outro, sabiam que estava em curso a que­bra da hier­ar­quia e da dis­ci­plina mil­i­tar, mas ainda assim, não se deram por achados.

Sem alter­na­tiva diante da clareza do ato de insub­or­di­nação, o coman­dante do Exército abriu o com­pe­tente inquérito para apu­rar e punir o gen­eral, con­cluindo por não puni-​lo a fim de evi­tar o agrava­mento da crise.

Aca­tou a ordem do pres­i­dente que segundo a imprensa em um per­noite após uma suposta inau­gu­ração de ponte de madeira de cerca de vinte met­ros nos con­fins da flo­resta amazônica, teria dito, sug­erido ou admoes­tado o coman­dante do exército brasileiro que não gostaria que o gen­eral Pazuello fosse punido pela clara que­bra de hier­ar­quia e disciplina?

Terá sido a última con­cessão à que­bra de hier­ar­quia e dis­ci­plina ou daqui para frente será comum gen­erais da ativa subirem em palanque e até faz­erem política?

A decisão do Comando do Exército de não punir o gen­eral Pazuello, acatando os par­cos argu­men­tos de que mesmo não pode­ria recusar o con­vite pres­i­den­cial para subir no palanque jun­ta­mente com decisão do pres­i­dente de nomear o gen­eral para outro cargo pala­ciano com­prova, mais uma vez, o cerco político con­tra as Forças Armadas.

Não tenho qual­quer dúvida que o pres­i­dente da República pre­tende a aniquilação das Forças Armadas quando estas mostraram que não seriam “alu­gadas” como milí­cia pri­vada pelo chefe da nação e por isso fica a todo momento espez­in­hando os gen­erais que respeitam a Constituição.

A inusi­tada situ­ação em o coman­dante supremo das Forças Armadas, con­forme dicção do artigo 142 da Con­sti­tu­ição Fed­eral, é o seu prin­ci­pal inimigo e tra­balha, incansavel­mente, para a sua destru­ição, reclama dos demais poderes con­sti­tuí­dos, notada­mente do Con­gresso Nacional, que adotem medi­das urgentes no sen­tido de protegê-​las, sob pena de ocor­rer no Brasil o que ocor­reu na Venezuela no período chav­ista.

Ora, a con­clusão do Comando do Exército de não punir o gen­eral Pazuello é a prova cabal da inca­paci­dade das Forças Armadas rea­girem soz­in­has ao cerco que faz seu coman­dante con­tra seu papel insti­tu­cional e man­terem seus pilares.

O Con­gresso Nacional dev­e­ria ficar atento não ape­nas a esta, mas as diver­sas out­ras demon­strações de indis­ci­plinas que vêm ocor­rendo nas Forças Armadas e nas forças aux­il­iares. Existe um movi­mento orquestrado por trás disso que pre­tende aten­tar con­tra a democ­ra­cia brasileira muito mais cedo do que muitos imag­i­nam.

O Brasil pre­cisa que as Forças Armadas cumpram o seu papel insti­tu­cional.

Abdon Mar­inho é advo­gado.