AbdonMarinho - A distância entre as boas intenções e a realidade.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A dis­tân­cia entre as boas intenções e a realidade.

A DIS­TÂN­CIA ENTRE AS BOAS INTENÇÕES E A REAL­I­DADE.

Por Abdon Marinho.

CON­FIR­MANDO o que disse aqui há alguns dias (acho que duas sem­anas), o Tri­bunal de Con­tas do Estado — TCE/​MA, aten­dendo a uma “provo­cação” da Rede de Con­t­role, uma espé­cie de “força tarefa” com­posta pelo próprio Tri­bunal de Con­tas do Estado, Min­istério Público Estad­ual e Ordem dos Advo­ga­dos, abriu uma con­sulta pública a respeito de uma instrução nor­ma­tiva visando obri­gar os órgãos sob sua juris­dição a con­tratar somente através de pregão eletrônico.

A con­sulta pública, parece-​me que vai até o próx­imo dia 6 de abril, e, pelo que vi, em alguma rede social o MPMA encontra-​se em plena “cam­panha” a favor da men­cionada instrução normativa.

Con­forme assen­tei no texto ante­rior, não duvido que os autores da ideia, este­jam “calça­dos” nas mel­hores das intenções, entre­tanto, a men­cionada proposição choca-​se lit­eral­mente com as nor­mas legais e padece de vício de ini­cia­tiva.

Isso quer dizer, primeiro, que uma instrução nor­ma­tiva não pode se sobre­por a lei, inclu­sive a nova Lei de Lic­i­tações san­cionada na sem­ana pas­sada; e ninguém pode ser obri­gado a fazer ou deixar de fazer algo senão em vir­tude de lei, é o que ensina o inciso II, do artigo 5º, da Con­sti­tu­ição Fed­eral.

Segundo, não cabe o TCEMA “leg­is­lar” sobre tal matéria.

Aliás, difer­ente do que vem fazendo ao longo dos anos, não lhe cabe “leg­is­lar” sobre assunto nen­hum, ainda que use o argu­mento de que ape­nas está reg­u­la­men­tando matéria de sua esfera de competência.

Acred­ito que a Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil, Sec­cional do Maran­hão — OAB/​MA, assim como out­ros inter­es­sa­dos, irão se man­i­fes­tar con­trários à Instrução Nor­ma­tiva do TCEMA e, caso aprovada, irão “bater” às por­tas do Poder Judi­ciário arguindo sua incon­sti­tu­cional­i­dade e/​ou legalidade.

Essa é a minha opinião, caso me consultem.

O obje­tivo desse texto, entre­tanto, como o foi o ante­rior é chamar a atenção da sociedade para o quanto os órgãos de con­t­role, que por sua con­sti­tu­ição, são for­ma­dos pela “elite” da sociedade, estão “desconec­ta­dos” da real­i­dade do país e do nosso estado, em par­tic­u­lar.

O Insti­tuto Brasileiro de Geografia e Estatís­tica — IBGE divul­gou recen­te­mente os dados da pop­u­lação em situ­ação de pobreza, enten­di­dos assim, aque­las que pos­suem renda per capita men­sal de até R$ 420,00 (qua­tro­cen­tos e vinte reais). Dos esta­dos do norte/​nordeste o mel­hor situ­ado é o Estado do Tocan­tins, com 32% (trinta e dois por cento) da pop­u­lação em condição de pobreza.

A taxa nacional de pes­soas em condições de pobreza é de 26,5% (vinte e seis e meio por cento) da população.

Não é só. O Maran­hão, dos 26 esta­dos do Brasil e o Dis­trito Fed­eral, é o que apre­senta a pior situ­ação, com 54% (cinquenta e qua­tro por cento) da pop­u­lação em situ­ação de pobreza. Ape­nas para reg­istro, o Piauí, que é o estado que mais se aprox­ima do Maran­hão neste que­sito, encontra-​se nove pon­tos per­centu­ais abaixo do nosso estado, com 45% (quarenta e cinco por cento) da pop­u­lação em condições de pobreza.

A pobreza do Maran­hão é tão tris­te­mente avas­sal­adora que exige um texto especí­fico para tratar de tal assunto.

Merece relevo infor­mar que os dados divul­ga­dos pelo IBGE se ref­erem à situ­ação no ano de 2019, ou seja, são ante­ri­ores a essa ter­rível pan­demia, ao esface­la­mento da econo­mia mundial, e da brasileira, em par­tic­u­lar; ao aumento cres­cente da inflação; e a rev­e­lação do pro­fundo des­gov­erno que esta­mos vivendo.

Isso para dizer que ao final de tudo, con­forme já esta­mos teste­munhando na prática, o empo­brec­i­mento da pop­u­lação brasileira e, prin­ci­pal­mente, a pop­u­lação do Maran­hão, que já era, em 2019, a mais pobre, será ainda maior.

Há doze anos que escrevo, há doze anos que digo que só saire­mos desta situ­ação de pobreza com aporte de recur­sos (muitos recur­sos) exter­nos.

A econo­mia do Maran­hão, assim como out­ras, do norte/​nordeste não serão capazes, por si, de debe­larem as pro­fun­das desigual­dades soci­ais exis­tentes nestes estados.

O caso do Maran­hão é a prova cabal do que venho dizendo estes anos todos.

O Maran­hão vem empo­bre­cendo cada vez mais e estará indizivel­mente mais pobre ao tér­mino desta pandemia.

Sabedor das difi­cul­dades do estado desde bem antes desta pan­demia, saudei com muito entu­si­asmo a ideia do Zona de Expor­tação do Maran­hão; a pos­si­bil­i­dade do uso com­er­cial da Cen­tro de Lança­mento de Alcân­tara; a ampli­ação do Porto do Itaqui; a con­clusão da fer­rovia norte-​sul, etc.

São estes inves­ti­men­tos e tan­tos out­ros que poderão impul­sionar o desen­volvi­mento do estado e mino­rar as condições de pobreza do nosso povo.

O Estado/​nação deve ser o prin­ci­pal indu­tor do desen­volvi­mento do país. E quando falo “país”, estou falando, dos esta­dos e prin­ci­pal­mente, dos municí­pios.

Desde quando come­cei a advogar para os municí­pios do Maran­hão, há mais de vinte anos, que afirmo que o Estado, entenda-​se por Estado, o con­junto de esta­dos e municí­pios, não existe para “dá lucro”, o seu obje­tivo é a pro­moção do desen­volvi­mento; a redução das desigual­dades soci­ais.

E isso, nada mais é do que esta­b­elece a Con­sti­tu­ição Fed­eral, ao afir­mar:

Art. 3º Con­stituem obje­tivos fun­da­men­tais da República Fed­er­a­tiva do Brasil:

I — con­struir uma sociedade livre, justa e solidária;

II — garan­tir o desen­volvi­mento nacional;

III — erradicar a pobreza e a mar­gin­al­iza­ção e reduzir as desigual­dades soci­ais e regionais;

IV — pro­mover o bem de todos, sem pre­con­ceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quais­quer out­ras for­mas de discriminação.

Ora, como vamos erradicar a pobreza e a mar­gin­al­iza­ção e reduzir as desigual­dades soci­ais e region­ais se a invés de bus­car­mos mais recur­sos e inves­ti­men­tos para os paupér­ri­mos municí­pios maran­henses, esta­mos é, ao con­trário, incen­ti­vando que os poucos recur­sos públi­cos que aqui chegam, ao invés de gerar emprego e renda para os maran­henses, gerem noutros esta­dos, sobre­tudo, nos mais desen­volvi­dos?

Dizia Rui Bar­bosa que uma das for­mas de se per­pet­uar as desigual­dades era tratar de modo igual os desiguais.

Com todo respeito ao TCE, a Rede Con­t­role, ao Min­istério Público, e tan­tos out­ros que “inven­taram” essa ideia de obri­garem os municí­pios maran­henses a só con­tratarem medi­ante a modal­i­dade de pregão eletrônico aberto nacional­mente, estão bus­cando trata­mento igual aos desiguais.

Como as empre­sas dos municí­pios do Maran­hão terão condições de com­pe­tir, em condições de igual­dade, com empre­sas do sul do país, se a grande maio­ria dos municí­pios não tem nem inter­net que preste? Se as empre­sas não estão preparadas para uti­liza­ção destas tec­nolo­gias? Se o atraso social, edu­ca­cional e econômico é abissal?

Vou além, ainda a existên­cia de lei neste sen­tido, favorece ao des­cumpri­mento do que sejam os obje­tivos fun­da­men­tais da República Fed­er­a­tiva do Brasil.

E dirão, mais sem o pregão eletrônico os gestores “vão roubar” os recur­sos públi­cos.

É bem pos­sível. Como já dizia famoso crim­i­nal­ista “o crime persegue o homem como a sua própria som­bra”.

Para evi­tar que os gestores des­on­estos roubem o din­heiro público “mar­quem colado”, fiscalizem.

O que não acho certo é que em nome da como­di­dade, do menor tra­balho, criem condições de per­pet­u­ação da pobreza.

Repito o que venho dizendo há anos: pre­cisamos de leis que obriguem os gestores a gastarem os recur­sos públi­cos den­tro dos seus municí­pios, den­tro das suas regiões, quando muito, den­tro dos estados.

Estes recur­sos públi­cos são essen­ci­ais para o desen­volvi­mento dos municí­pios, para ger­ação de empre­gos e renda e devem ficar nos municí­pios e no estado.

Essa é a forma de reti­rar­mos o Maran­hão da vex­atória situ­ação de pobreza em que se encon­tra sua pop­u­lação.

Agora mesmo, por conta da pan­demia, o pres­i­dente norte-​americano Joe Biden, nego­cia um pacote finan­ceiro (só um pacote) no valor de US$ 2,25 tril­hões de dólares para incen­ti­var a econo­mia amer­i­cana.

Ape­nas para se ter uma ideia, esse pacote é mais de duas vezes o valor de todo o orça­mento do Brasil para o ano de 2021.

São recur­sos que serão uti­liza­dos em obras públi­cas, incen­tivos e diver­sas out­ras políti­cas ten­dentes a faz­erem a roda da econo­mia girar e gerar empre­gos e renda para os amer­i­canos.

Como disse ante­ri­or­mente, esse é o papel do Estado: ser indu­tor do desen­volvi­mento.

Em situ­ações de crises, os gov­er­nos têm a obri­gação de bus­car alter­na­ti­vas para mino­rar o sofri­mento dos cidadãos.

O mundo enfrenta a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial, as expec­ta­ti­vas mais otimis­tas, apon­tam que os efeitos do que esta­mos vivendo hoje, durem anos.

Se para as nações ricas já será tra­bal­hoso superar tal crise, imag­inemos como será difí­cil para os países pobres. Basta dizer na última década o Brasil já desceu seis posições no rank­ing das econo­mias globais, da sexta para décima segunda posição. A tendên­cia é que ainda caia mais com a desval­oriza­ção da moeda, a volta da inflação e as difi­cul­dades com a crise san­itária que as autori­dades “batem cabeça” para resolver.

Os efeitos de tudo isso para o Maran­hão, que já pos­sui a maior pop­u­lação em condições de pobreza, serão extrema­mente graves.

Daí a neces­si­dade das autori­dades locais se “conectarem” à real­i­dade e bus­carem recur­sos para o estado ao invés quer­erem inven­tar “moda”, como já dizia meu saudoso pai com a sabedo­ria dos anal­fa­betos.

Abdon Mar­inho é advo­gado.