AbdonMarinho - As excelências buscam uma licença delinquirem?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

As excelên­cias bus­cam uma licença delinquirem?

AS EXCELÊN­CIAS BUS­CAM UMA LICENÇA PARA DELINQUIREM?

Por Abdon Marinho*

AO ESTI­MADO leitor que tanto abuso com lon­gas elocubrações, peço des­cul­pas e, tam­bém, um favor: pesquise por quais­quer meios – ou que ape­nas reflita –, se em algum lugar do mundo existe uma elite política recebendo do sac­ri­fi­cado con­tribuinte tan­tas benesses e priv­ilé­gios quanto a brasileira.

Se fosse dado a apos­tas, apos­taria, sem medo de perder, que não encon­tramos no mundo uma elite – ou seria casta –, tão priv­i­le­giada.

Talvez até encon­tre alguma coisa semel­hante em alguma ditadura per­dida nos con­fins da África ou em alguma republi­queta de bananas do Caribe.

Nas democ­ra­cias civ­i­lizadas ter­mos políti­cos recebendo salário polpu­dos, mora­dia, gorda verba para con­tratar asses­sores e custear despe­sas, até mesmo pes­soais, soa como escân­dalo.

Ouvi um comen­tário de um jor­nal­ista que tra­balha na cap­i­tal há muitos anos que a primeira aler­gia (acho que usou esta palavra ou ojer­iza) que acomete o cidadão investido em um mandato quando chega a Brasília é a maçaneta.

Pode ser triv­ial mas diz muito sobre a classe diri­gente do país.

Ao se tornar par­la­men­tar ou alto exec­u­tivo, às cus­tas do des­gra­mado do con­tribuinte, o cidadão não con­segue abrir a porta do escritório ou gabi­nete; aper­tar o botão do ele­vador; car­regar a própria pasta ou mesmo abrir a porta do carro no qual se desloca com o nosso com­bustível – faço um cál­culo dirigi-​lo –, tem sem­pre alguém ali no ponto para prestar-​lhe esse obséquio, essa adu­lação.

O xerim­babo que faz isso não o faz “de graça”, é, tam­bém, alguém “ban­cado” pelo con­tribuinte.

Não bas­tasse todas as mor­do­mias para o desem­penho do mandato – agora falo especi­fi­ca­mente de dep­uta­dos fed­erais e senadores –, lá atrás decidi­ram que parte do orça­mento da União seria gasta por suas excelên­cias, através de emen­das par­la­mentares, indi­vid­u­ais ou de bancada.

Claro que a par­tir de então – e ape­nas por coin­cidên­cia –, começamos a ter notí­cias de par­la­mentares que “do nada” ficaram ricos; aumen­taram as posses sen­sivel­mente.

O cidadão chegava a Brasília puxando uma cachor­rinha (out­ros nem cachor­rinha tin­ham) e de lá voltavam como ver­dadeiros mag­natas.

Pes­soas que con­hece­mos sem pos­suir recur­sos para com­prar uma antena de tele­visão, dessas no estilo “espinha de peixe”, no curso dos mandatos se tornaram donas de emis­so­ras de tele­visão, con­glom­er­a­dos de comu­ni­cação; fazen­das, aviões, man­sões, etc.

É bem ver­dade que alguns até ale­garam que a for­tuna ameal­hada foi fruto de suces­si­vas vitórias nas lote­rias ofi­ci­ais.

Já out­ros, sem terem ganho nas lote­rias, her­dado for­tuna ou “bam­bur­rado” nos garim­pos, ou terem alguma ativi­dade econômica para­lela, atribuem o próprio sucesso finan­ceiro à econo­mia que fiz­eram ao longo dos anos.

Out­ros sabem que qual­quer ten­ta­tiva de explicar não cola e silen­ciam como se a pat­uleia fosse com­ple­ta­mente ignorante.

Mas só as emen­das ou nacos de poder na estru­tura exec­u­tiva não pare­cia sufi­ciente aos bons propósi­tos de suas excelên­cias.

Muitas vezes o Poder Exec­u­tivo, dev­ido ao din­heiro pouco ou mesmo por “vendeta” pes­soal não “soltava” a verba, pri­vando as excelên­cias de aten­derem às suas bases.

Toma­dos pela pre­ocu­pação em aten­der as bases e o povo mais sofrido, as excelên­cias encon­tram uma solução insus­peita: a chamada emenda impos­i­tiva.

A par­tir de então, chovesse ou fizesse sol a verba das excelên­cias através de suas emen­das impos­i­ti­vas estavam asse­gu­radas e garan­ti­das para obras ou inves­ti­men­tos de seus inter­esses. Claro que tudo den­tro da com­pleta lisura e escrutínio dos órgãos de con­t­role, jamais pas­sando pela cabeça das excelên­cias quais­quer out­ros motivos que não o do inter­esse público.

Dizem – mas nunca se apre­sen­tou quais­quer provas e eu, par­tic­u­lar­mente, não acred­ito –, que muitas excelên­cias, com a certeza dos recur­sos asse­gu­ra­dos no orça­mento, pas­savam ou pas­sam suas emen­das a out­ros cole­gas, recebendo destes cole­gas o valor da emenda com um certo desá­gio.

Como disse, não acred­ito em tais insin­u­ações e, cer­ta­mente, se alguma emenda de par­la­men­tar do sul do país veio parar no Maran­hão ou vice versa ou se alguma emenda foi des­ti­nada a municí­pios onde o par­la­men­tar nunca foi votado ou teve atu­ação política, deve ter sido por conta, uni­ca­mente, do inter­esse público.

Ape­sar das emen­das impos­i­ti­vas garan­ti­ndo aos par­la­mentares a exe­cução de nacos do orça­mento, até bem pouco tempo, os municí­pios para onde tais ver­bas estavam sendo des­ti­nadas pre­cisavam apre­sen­tar e cumprir deter­mi­nadas for­mal­i­dades, tais como apre­sen­tar pro­je­tos bási­cos, etc.

Pre­ocu­pa­dos em fazer os recur­sos públi­cos chegarem nas “bases” as excelên­cias aprovaram não faz muito tempo uma alter­ação na leg­is­lação dis­pen­sando de tais for­mal­i­dades. Ou seja, a verba pública pode­ria ser repas­sada aos municí­pios para exe­cução das obras ou pro­grama sem apre­sen­tação das for­mal­i­dades prévias.

A ini­cia­tiva de tal alter­ação leg­isla­tiva foi da então senadora Gleisi Hoff­mann, pres­i­dente do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT e con­tou com o apoio da maio­ria dos par­la­mentares nas duas casas do Con­gresso Nacional.

Uma outra medida que tam­bém cam­in­hou no mesmo sen­tido: garan­tir celeri­dade nos repasses de tais ver­bas aos des­ti­natários, e que con­sta deste mesmo pacote de bon­dades foi que tais ver­bas pas­saram, a par­tir do repasse, a inte­grar o patrimônio dos municí­pios, ficando a fis­cal­iza­ção e con­t­role de tais recur­sos ao encar­gos dos TCE’s e não mais do Tri­bunal de Con­tas da União — TCU ou da Con­tro­lado­ria Geral da União — CGU.

Na mesma esteira de bon­dade das excelên­cias aos municí­pios estabelece-​se a pos­si­bil­i­dade de repasses de emen­das par­la­mentares como recur­sos fundo a fundo.

O Brasil, prati­ca­mente, fez ressur­gir aquele instru­mento que muito ouvi­mos falar mas que nunca teste­munhamos do chamado “recurso a fundo perdido”.

Ape­sar de todas as mor­do­mias, benesses e até a pos­si­bil­i­dade de dis­porem das ver­bas do orça­mento da União, chega-​nos rotineira­mente notí­cias de que a cada votação impor­tante nas casas do Par­la­mento, o Poder Exec­u­tivo tem que abrir as torneiras do orça­mento público para des­ti­nar emen­das as bases dos par­la­mentares.

Agora mesmo, por ocasião da eleição para as mesas da Câmara dos Dep­uta­dos e do Senado da República, foi noti­ci­ado – e jamais negado pelos envolvi­dos –, que a União foi sangrada em três bil­hões de reais em emen­das para as excelên­cias.

Isso em plena pan­demia, quando nos falta vaci­nas, insumos, UTI’s e quando mil­hares de brasileiros já perderam a vida.

O gov­erno fed­eral, com a des­culpa da “gov­ern­abil­i­dade” achou ser dev­ido ao invés de nego­ciar com­pra de vaci­nas ou mesmo de produzi-​las, despender essa for­tuna em emen­das para aten­der as bases das excelên­cias que aceitaram sufra­gar seus votos nos can­didatos do Planalto.

Claro que não deve­mos gen­er­alizar, assim como exis­tem muitas pes­soas puras nas zonas de meretrí­cio, na mesma pro­porção deve haver de gente hon­esta e de bons propósi­tos par­tic­i­pando deste tipo de artic­u­lação.

Assim como não deve ser con­sid­er­ado como cor­rupto os gov­er­nos que coon­es­tam com tais “ajustes”.

Depois de tudo isso que vos narro, chegou-​me a notí­cia de que o Con­gresso Nacional “tra­balha” com inco­mum celeri­dade numa Pro­posta de Emenda Con­sti­tu­cional que, na prática, deixa as excelên­cias fora do alcance da lei na even­tu­al­i­dade de virem a praticar algum delito.

Vou esmi­uçar ponto por ponto da PEC em tex­tos pos­te­ri­ores, mas em lin­has gerais, mesmo que uma excelên­cia mate alguém em praça pública ele estaria fora do alcance da lei. Pois só poderá ser preso em fla­grante por decisão do STF. Caso essa decisão viesse a ser tomada, mesmo assim, a excelên­cia ficaria sob a guarda da sua casa par­la­men­tar em dependên­cia própria ou mesmo na sua casa em prisão domi­cil­iar.

Essa é só uma degus­tação gros­seira do que querem “inven­tar” suas excelên­cias em nome do que chamam “imu­nidade par­la­men­tar”.

Acho que foi CESARE BONE­SANA, o mar­quês de Bec­ca­ria (Milão no ano de 17381794), que disse, talvez com out­ras palavras mas com este sen­tido que “o crime persegue o homem como a sua própria som­bra”.

Quando tomei con­hec­i­mento do con­teúdo da PEC “tra­mada” pelas excelên­cias, não acred­itei. Pen­sei: por que suas excelên­cias pre­cisam de pro­teção con­sti­tu­cional para colocá-​los a salvo de algum delito? Pre­ten­dem eles come­ter algum crime ou querem ficar fora do alcance da lei por crimes que já come­teram? Por qual motivo pre­cisam as excelên­cias de um “salvo-​conduto” para exercerem o mandato?

Quando menino, não em Bar­ba­cena, mas em Gonçalves Dias/​Governador Archer, imag­i­nava que os rep­re­sen­tantes do povo brasileiro eram pes­soas que por suas qual­i­dades eram escol­hi­das para representá-​los.

Esta­mos vendo que a real­i­dade não é bem essa. Os “rep­re­sen­tantes do povo” não rep­re­sen­tam o povo pois querem se colo­car acima dele.

A imu­nidade par­la­men­tar, como instru­mento de pro­teção ao exer­cí­cio do mandato – e que já dev­e­ria ter sido colo­cada em desuso –, não pode servir para acober­tar deli­tos cometi­dos por quem quer que seja, muito menos por par­la­mentares que dev­e­riam ser o maior exem­plo de retidão e caráter.

Noutro giro, em princí­pio, vis­lum­bro que a PEC viola a cláusula pétrea da Con­sti­tu­ição da República, inserta no artigo 5°, que esta­b­elece: “Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes:”.

Ora, a per­si­s­tir a ideia PEC poderíamos ree­scr­ever o artigo acima para dizer que todos são iguais, mas que os par­la­mentares são “mais iguais que os demais cidadãos”. O que me parece inviável.

Como disse, tratare­mos de todos os pon­tos da PEC em um texto especí­fico, porém é opor­tuno que a sociedade fique atenta a esse tipo de abuso.

Na defesa dos próprios inter­esses, as excelên­cias não des­cansam, que­riam aprovar a tal emenda de “afo­gadilho” e con­tin­uarão ten­tando – e acabarão por consegui-​lo.

O que querem é uma “licença” para come­teram deli­tos e ficarem a salvo do escrutínio da lei.

E, final­mente, como certa vez disse um par­la­men­tar: “Está no par­la­mento do Brasil é mel­hor do ir para céu pois para ir para o céu você pre­cisa mor­rer antes”.

Enquanto tratam do “seu” céu tor­nam nossa vida um inferno.

Fique­mos aten­tos.

Abdon Mar­inho é advo­gado.