AbdonMarinho - Maranhão e Sudão: A desgraça vai além da rima.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Maran­hão e Sudão: A des­graça vai além da rima.

MARAN­HÃO E SUDÃO: A DES­GRAÇA VAI ALÉM DA RIMA.

Por Abdon Marinho.

UMA NOTÍ­CIA chamou-​me a atenção estes dias. Li que na Assem­bleia Leg­isla­tiva do Estado o número de dep­uta­dos estad­u­ais qual­i­fi­ca­dos como sendo “de oposição” ao gov­erno eram insu­fi­cientes para a for­mação de um bloco para­men­tar.

Pelo que pesqui­sei a con­sti­tu­ição de um bloco par­la­men­tar – de oposição, por exem­plo –, só é admi­tida se os par­tidos que o dese­jarem con­sti­tuir pos­suir pelo menos um décimo dos inte­grantes do par­la­mento, no caso do Maran­hão, qua­tro dep­uta­dos, do uni­verso de quarenta e dois parlamentares.

Ainda, pelo que li, com uma ressalva aqui outra ali, sobraram três auto­de­nom­i­na­dos opos­i­tores do gov­erno. Sem o bloco poderão se man­i­fes­tar uma vez ou outra e não terão dire­ito a diver­sas van­ta­gens deferi­das aos blo­cos.

Diante do ocaso da oposição vi os con­tu­mazes adu­ladores de gov­erno – qual­quer gov­erno –, “cor­rerem” para exercerem o papel que fazem com maes­tria: adu­lar o gov­er­nante, esten­dendo a adu­lação ao pres­i­dente da Assem­bleia, elogiando-​os, fal­sa­mente, por faz­erem “tão mag­ní­fi­cas gestões” a ponto de não terem oposição. Um ou outro, mais xerim­babo, cun­hando que a oposição caberia numa moto.

Como todos os elo­gios moti­va­dos por paixões ou inter­esses tor­pes, as pre­mis­sas em que se baseiam ou são, em parte, ou inteira­mente, falsas.

Uma breve leitura ou con­hec­i­mento da história nos prova que tanto no pas­sado quanto no pre­sente as nações mais avançadas foram for­jadas e se man­tém como democ­ra­cias con­sol­i­dadas pos­suem oposição forte e par­tidos con­sis­tentes.

Vejam os EUA; o Reino Unido; a Dina­marca; a França; a Ale­manha ou mesmo a Sué­cia.

Já as ditaduras vio­len­tas e mis­eráveis flo­resce­ram e se man­tém sem oposição. O dita­dor do Iraque, Sad­dam Hus­sein, numa de suas últi­mas eleições, foi eleito com mais de 98% dos votos; o mesmo acon­te­ceu com o dita­dor da Líbia, Muam­mar Kad­hafi; na Cor­eia do Norte nem eleição há; em Cuba vig­ora a eleição de par­tido único; na Venezuela, os arreme­dos de democ­ra­cia aniquila­ram as insti­tu­ições, a oposição e o povo.

No Sudão que faz rima com Maran­hão, um régime total­itário que domi­nou o país por quase trinta anos levando fome e mis­éria ao povo foi sub­sti­tuído há dois anos por uma outra ditadura, desta vez uma junta mil­i­tar.

Mesmo quem não entende de estatís­tica ou de números é capaz de enten­der que os indi­cadores econômi­cos e soci­ais do Maran­hão não nos aprox­ima das nações civ­i­lizadas do primeiro mundo, onde existe desen­volvi­mento econômico e social e conta com oposições pujantes, mas, sim, nos aprox­ima de ditaduras sub­de­sen­volvi­das da África, da Ásia e mesmo das Améri­cas, onde impera a mis­éria e o povo, já aniquilado pela própria des­graça, acha nor­mal o que passa e tem nos seus algo­zes os sal­vadores da pátria.

É o que acon­tece no Maran­hão.

Quando li que no estado a oposição, com ressal­vas, se limita a três par­la­mentares, insu­fi­cientes até para forma um bloco de oposição, pas­sei a enten­der que todos os trinta e nove restantes, acham que esta­mos muito bem, obrigado.

Devem igno­rar que a situ­ação de mis­éria do povo, que já era dramática, aumen­tou sig­ni­fica­ti­va­mente nos últi­mos anos; que o número de mis­eráveis do estado alcança mais de 50% da pop­u­lação; que con­tin­u­amos na “rabeira” nos indi­cadores do IDH; que a edu­cação encontra-​se entre as piores do mundo; que os cidadãos con­tin­uam mor­rendo pela ausên­cia de sanea­mento básico e por doenças que já deviam ter sido con­tro­ladas e até de fome.

Ora, se está tudo muito bem, qual a razão para ter­mos rep­re­sen­tantes do povo cobrando, fis­cal­izando ou instando os gov­er­nantes a exercerem o seu papel com eficá­cia e com­petên­cia?

O Maran­hão que já era pobre, empo­brece mais a cada dia, enquanto a classe política e as demais autori­dades do estado acham que tudo vai muito bem.

Bem, talvez esteja tudo muito bem para eles.

Talvez os seus inter­esses pes­soais e dos seus famil­iares e dos seus negó­cios este­jam sendo aten­di­dos, mas, e o povo?

Será que igno­ram que, enquanto aumen­tam seus patrimônios, estão levando mais maran­henses e o próprio estado para a mis­éria abso­luta, tal qual acon­tece nas piores ditaduras?

Uma das piores tragé­dias da humanidade oca­sion­ada pela pan­demia – como se fosse pos­sível encon­trar um efeito colat­eral pior que a pan­demia em si, que já ceifou quase 240 mil vidas de brasileiros numa cres­cente que não para de aumen­tar –, é o que está acon­te­cendo com os cri­anças maran­henses, já há quase um ano sem escola, se dis­tan­ciando do con­hec­i­mento e ficando para trás em relação a out­ras crianças.

As cri­anças, os ver­dadeiros “fil­hos do povo”, a maio­ria da nossa pop­u­lação, sim­ples­mente “perderam” o ano esco­lar.

Enquanto out­ras cri­anças, com posses, tiveram algum tipo de edu­cação através de vídeo, ou platafor­mas disponi­bi­lizadas por suas esco­las pri­vadas, aque­las da rede pública não tiveram nada. Nem mesmo na cap­i­tal con­seguiram chegar perto de acom­pan­har as aulas pois lhes fal­tou – e lhes fal­tam –, com­puta­dores, inter­net ou mesmo qual­quer estru­tura e, as vezes, até o que comer.

A pan­demia, para estas cri­anças, está tirando, tam­bém, a chance de futuro.

Esse é só um exem­plo, mas serve para provar o quanto os “rep­re­sen­tantes do povo” estão dis­so­ci­a­dos da real­i­dade dos rep­re­sen­ta­dos.

Quan­tos foram ao menos uma vez à tri­buna cobrar algo em favor da edu­cação destas cri­anças? Ou mesmo foram à tri­buna das redes soci­ais cobrar pub­li­ca­mente do gov­er­nador ou do secretário uma solução para esta situação?

Se fiz­eram alguma gestão deve ter sido de forma sec­reta, até porque o gov­erno estad­ual é “tão per­feito” que não pre­cisa de dep­uta­dos cobrando soluções para a fome ou para edu­cação do povo.

Per­doem o sarcasmo.

Uma outra situ­ação que me chamou a atenção nos últi­mos dias, tam­bém divul­gada pela mídia e rela­cionada com a Assem­bleia Leg­isla­tiva, colo­cando o estado numa situ­ação de “mundo para­lelo” de uma ditadura africana, foi o des­file de autori­dades na aber­tura dos tra­bal­hos leg­isla­tivos e (re)posse da nova mesa diretora.

Pois bem, como sabe­mos, o atual pres­i­dente após “her­dar” à presidên­cia com o pas­sa­mento do pres­i­dente ante­rior, na leg­is­latura pas­sada, elegeu-​se para o mesmo cargo na leg­is­latura seguinte e poucos dias depois, acho que pouco mais de um mês, as excelên­cias já mudaram as regras históri­cas e o reelegeram para o segundo biênio no comando da casa.

A situ­ação inusi­tada e exdrúx­ula foi denun­ci­ada soli­tari­a­mente por mim em um texto. Pro­curem no nosso site.

Ques­tion­ava, além do fato da intem­pes­tiva ante­ci­pação da eleição – dois anos antes –, a própria con­sti­tu­cional­i­dade do ato. Cobrei dos órgãos de fis­cal­iza­ção e con­t­role atenção para o que estava acon­te­cendo.

Como nada sou, ninguém ligou para min­has palavras.

Acon­tece que no final do ano pas­sado o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF con­fir­mou o que disse há dois anos, ou seja, que não é pos­sível a reeleição dos mem­bros da mesa do par­la­mento den­tro da mesma leg­is­latura.

O STF não fez nada além de dizer que vale aquilo que resta expresso na Con­sti­tu­ição Fed­eral.

A piada mais inter­es­sante sobre a suprema decisão foi aquela que disse: “os min­istros do Supremo decidi­ram que sabem ler”.

O mesmo tri­bunal, por um dos seus min­istros, vetou a reeleição em situ­ação idên­tica no Estado de Rondô­nia, já agora no iní­cio de 2021.

Qual não foi minha sur­presa ao assi­s­tir pela tele­visão que quase todas as autori­dades do estado, incluindo aque­las que dev­e­riam fis­calizar e cobrar o cumpri­mento das leis, estavam pres­ti­giando a posse de alguém que não pode­ria ser eleito. E, pior, aplaudindo como se tudo estivesse cor­reto.

Nen­hum dep­utado, pres­i­dente de par­tido, mem­bro do Poder Judi­ciário, Exec­u­tivo ou mesmo do Min­istério Público Estad­ual disse ou fez nada em relação a uma situ­ação fla­grante­mente ile­gal e ainda foram aplaudir.

Ressalvo que se fiz­eram não deram o dev­ido con­hec­i­mento aos pagadores de impos­tos, à pat­uleia ignara.

Vive­mos em um mundo para­lelo onde a Con­sti­tu­ição Fed­eral não se aplica aqui? Sim, pois a regra já estava na Carta desde 1988, o STF não “criou” ou “inven­tou” nada, só disse que aquilo que está escrito é o que, lit­eral­mente, vale.

Outra coisa, não existe “dire­ito adquirido” con­trário à Con­sti­tu­ição Fed­eral ao argu­mento de que o STF só decidiu que o dis­pos­i­tivo inserto lá tem eficá­cia.

A vedação já estava lá desde a sua pro­mul­gação há ais de trinta anos.

Pois é, lá estavam todas as autori­dades que um dia juraram respeitar a Con­sti­tu­ição, solen­e­mente, a igno­rando.

Era como se nada estivesse acon­te­cendo ou como se muitos ali não tivessem qual­quer pudor ou con­strang­i­mento.

É o Maran­hão cada vez mais próx­imo da real­i­dade do Sudão, e, infe­liz­mente, não é ape­nas na rima.

A única coisa que faz com que a atual quadra política no Estado do Maran­hão seja pos­i­tiva é a triste certeza de o legado dos gov­er­nantes de hoje para o futuro é bem pior que a real­i­dade dos dias atu­ais.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

P.S. Pen­sava sobre isso quando acordei as cinco da manhã para escr­ever este texto.