AbdonMarinho - A insurreição e o suicídio de Bolsonaro.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A insur­reição e o suicí­dio de Bolsonaro.

A insur­reição e o suicí­dio de Bolsonaro.

Por Abdon Marinho.

CHAMADO a manifestar-​se sobre os fatos que ocor­riam nos Esta­dos Unidos há uma sem­ana, além de achar jus­ti­fica­tiva para defender seu ídolo, Don­ald Trump – acred­ito que dos países que mere­cem refer­ên­cia, o único a fazê-​lo –, dizendo haver supostas notí­cias fraudes nas eleições pres­i­den­ci­ais amer­i­canas, fato cir­cun­scrito ao próprio der­ro­tado e a um pequeno cír­culo de seguidores devo­tos de teo­rias con­spir­atórias, já rechaçado por todas autori­dades amer­i­canas, incluindo as judi­ciárias, que ates­taram a legit­im­i­dade do processo, o pres­i­dente do Brasil, sen­hor Bol­sonaro, fez uma declar­ação para o público interno de sin­gu­lar gravidade.

Sua excelên­cia disse naquele seu estilo trun­cado próprio de quem não tem muita famil­iari­dade com a lín­gua pátria que por aqui, em 2022, acon­te­cerá coisas bem piores, caso não seja aprovado e colo­cado em prática o voto impresso.

A cada colo­cação fora de hora e de tom do pres­i­dente, apare­cem min­istros, asses­sores e até o vice-​presidente para “traduzir” o que ele disse e/​ou colo­car “panos quentes” ou apon­tar “erros” de inter­pre­tação, geral­mente atribuí­das a imprensa.

Como para essa declar­ação ainda não sur­gi­ram os tradu­tores, deve­mos imag­i­nar que o pres­i­dente, inspi­rado por seu ídolo amer­i­cano, pre­tende fazer o mesmo no Brasil em 2022, caso o resul­tado das eleições não lhe seja favorável: insu­flar uma insur­reição ou golpe.

Deve­mos imag­i­nar isso não ape­nas por suas palavras, mas, sobre­tudo, porque desde o iní­cio do seu mandato, e por quase dois anos, ele e seus ali­a­dos foram os prin­ci­pais incen­ti­vadores de man­i­fes­tações pedindo o fechamento do Con­gresso Nacional, do Supremo Tri­bunal Fed­eral e do retorno de uma ditadura com o pres­i­dente no comando, uma espé­cie de auto golpe.

Além disso, o pres­i­dente e seus ali­a­dos são os prin­ci­pais incen­ti­vadores a uma política de armar a pop­u­lação civil – acred­i­tando que entre seus seguidores mais rad­i­cais estarão os maiores ben­efi­ciários de tais políti­cas –, e, sabe­mos agora, é um grande defen­sor da fed­er­al­iza­ção das polí­cias estad­u­ais, outro segui­mento onde suas ideias são mais apoiadas.

Vejam, pelo menos em tese, não sou con­tra mais um mecan­ismo que for­t­aleça a segu­rança do voto eletrônico; não sou con­tra ao dire­ito do cidadão pos­suir armas para a defesa pes­soal; e não me recuso a dis­cu­tir pro­je­tos de lei que garan­tam autono­mia para as polí­cias.

Noutra, quadra, entre­tanto, quando soma os even­tos prece­dentes, os dis­cur­sos e man­i­fes­tações com estas políti­cas e pro­je­tos, basta saber somar para enten­der que o atual pres­i­dente tra­balha com a per­spec­tiva de con­struir as condições para um golpe na democ­ra­cia, amparado por mil­itares das forças armadas, das polí­cias mil­itares estad­u­ais e por milí­cias civis, uti­lizando como des­culpa a mesma nar­ra­tiva de que o sis­tema eleitoral brasileiro é fraud­u­lento.

Tal qual fez o seu ídolo americano.

Se nos Esta­dos Unidos as insti­tu­ições repub­li­canas sec­u­lares segu­raram o “tranco”, aqui não tenho certeza se ocor­rerá o mesmo, sobre­tudo, por que esta­mos assistindo com inco­mum pas­sivi­dade das autori­dades e da classe política essa “preparação” de golpe.

Desde que foi eleito pres­i­dente o sen­hor Bol­sonaro diz que o sis­tema de votação eletrônico brasileiro é propí­cio a fraudes, emb­ora tenha sido eleito dep­utado fed­eral diver­sas vezes sem nunca recla­mar e nunca tenha apon­tado qual­quer ele­mento capaz de com­pro­var ou apon­tar qual­quer indí­cio de que houve alguma fraude desde a implan­tação da votação eletrônica há mais de 20 anos.

O pres­i­dente da República é o chefe da Polí­cia Fed­eral, da Agên­cia Brasileira de Inteligên­cia — Abin, por que não deter­mina que apurem as suas sus­peitas de que as eleições no Brasil estão sendo frau­dadas esses anos todos? Por que não aproveita que está no comando e pede para tirarem essa sua sus­peita a limpo?

Talvez porque não lhe inter­esse fazer isso.

Acom­panho eleições no Brasil há mais trinta anos, antes e depois do sis­tema eletrônico de votação.

Antes do sis­tema eletrônico a história reg­is­tra infini­tas fraudes. Depois do sis­tema eletrônico não tive­mos mais notí­cias de fraudes.

É certo que a cada eleição sem­pre aparece um ou outro dizendo que seus votos sumi­ram.

Esta última eleição, inclu­sive, está cheia de história deste tipo, sobre­tudo, dev­ido a pul­ver­iza­ção de múlti­plas can­di­dat­uras dev­ido à proibição de col­i­gações par­tidárias nas eleições pro­por­cionais.

De todas as infor­mações de fraudes que recebi, não apare­ceu um único episó­dio de divergên­cia entre o bole­tim de urna e o resul­tado da total­iza­ção.

O sis­tema eleitoral brasileiro é auditável e trans­par­ente. Cada seção eleitoral tem um número X de eleitores; no iní­cio da votação é emi­tido um extrato da urna com­pro­vando ela se encon­tra “zer­ada”, sem qual­quer voto; ao final é emi­tido o bole­tim da urna, infor­mando quan­tos eleitores votaram, quais can­didatos obtiveram votos, quais par­tidos, quan­tos anu­laram os votos e quan­tos votaram em branco.

Antes, durante e depois do pleito os par­tidos e/​ou can­didatos podem fis­calizar o processo, aliás, podem fis­calizar desde a qual­i­fi­cação dos eleitores.

Em mais de vinte anos, nunca ninguém me apre­sen­tou um ele­mento com­pro­batório de que houve alguma fraude.

Mas o sen­hor Bol­sonaro, sem qual­quer prova, diz que há fraude que pro­moverá uma insur­reição caso as urnas de 2022 não lhe sejam favoráveis.

Pois bem, as palavras do pres­i­dente – e mais muitas de suas ati­tudes –, estão no lim­iar, se é que não ultra­pas­saram, do que sejam crimes de respon­s­abil­i­dade, pre­vis­tos no artigo 85 da Con­sti­tu­ição Fed­eral, pois, ao menos em tese, aten­tam con­tra a existên­cia da União e Segu­rança interna do país, incisos I e IV, pois resta claro que pre­tende a sub­l­e­vação de mil­itares e civis, caso o resul­tado das eleições pres­i­den­ci­ais não seja o que deseja.

Se alguém acha ques­tionável o enquadra­mento nos crimes de respon­s­abil­i­dade estatuí­dos na Carta repub­li­cana, dúvi­das não restarão de que o com­por­ta­mento, palavras e ati­tudes da autori­dade máx­ima do país vio­lam diver­sos arti­gos da Lei de Crimes con­tra a Segu­rança Nacional, Lei nº 7.170÷1983.

Basta exam­i­nar as palavras, as ati­tudes, as ações para fazer o enquadra­mento.

Infe­liz­mente, o pres­i­dente se blindou con­tra isso ao nomear um Procurador-​Geral da República que lhe é fã e que, além de não procu­rar coisa alguma, teima em não enx­er­gar o que lhe está à vis­tas.

Estran­hamente ninguém parece enx­er­gar o com­por­ta­mento insur­reto do pres­i­dente con­tra a democ­ra­cia brasileira, con­struída a duras penas, ou não se abala com o desserviço que presta à nação em plena pan­demia, que já ceifou a vida de mais de 200 mil brasileiros.

Isso não parece escan­dalizar ninguém ou são cíni­cos demais para perceber.

O que escan­dal­i­zou diver­sos segui­men­tos da sociedade brasileira foi a sug­estão de um jor­nal­ista e repro­duzida por outro, de que o pres­i­dente Bol­sonaro pode­ria imi­tar o ídolo Don­ald Trump caso aquele resolvesse come­ter o ato extremo de tirar a própria vida.

Vi diver­sos protestos e recla­mações de que jamais se pode­ria dar esse tipo de sug­estão para o pres­i­dente da República.

Até parece que alguém dizer ou sug­erir tal coisa iria fazê-​lo acatar a sugestão.

O min­istro da Justiça, por descon­hecer con­ceitos mín­i­mos de dire­ito ou no afã de adu­lar o chefe, infor­mou que deter­mi­nara a Polí­cia Fed­eral que inves­ti­gasse o pos­sível come­ti­mento de crime pre­visto do artigo 122 do Código Penal Brasileiro (Art. 122. Induzir ou insti­gar alguém a suicidar-​se ou a praticar auto­mu­ti­lação ou prestar-​lhe auxílio mate­r­ial para que o faça;).

Emb­ora ache de mau gosto e até con­trário ao sen­ti­mento de piedade cristã esse tipo de colo­cação con­siderando as mil­hares de víti­mas que anual­mente cedem à fraqueza e come­tem o gesto extremo, o assunto não dev­e­ria ser tratado fora de tais limites.

Qual­quer calouro de fac­ul­dade de dire­ito, ainda a mais vagabunda, sabe que os jor­nal­is­tas – o que escreveu e o que repro­duziu o texto –, não podem ser enquadrado neste tipo penal.

Dizer que fulano ou sicrano pode­ria pode­ria seguir o exem­plo de alguém caso essa pes­soa resolvesse come­ter o gesto extremo não tem nada a ver com tipo penal inserto não Código Penal Brasileiro.

Essa “babaquice”, esse afã adu­lador do min­istro só serve para com­pro­var o quanto lhe falta de con­teúdo e con­hec­i­mento para o exer­cí­cio do cargo ou acred­ita que a Polí­cia Fed­eral não tem nada mais impor­tante para fazer.

Quer dizer que se alguém man­dar uma peça de corda para o palá­cio como pre­sente ao pres­i­dente pode­ria ser enquadrado no mesmo artigo por prestar auxílio material?

O mesmo se aplica aos demais adu­ladores que se revoltaram con­tra os jor­nal­is­tas.

Parem de idi­o­tice!

Parem com essa patética adulação?

O pres­i­dente da República jamais come­te­ria o gesto extremo – mesmo que fosse para seguir o Trump.

Em que pese não sen­tir ou demon­strar qual­quer empa­tia pela vida humana – e já cansamos de assi­s­tir a falta de sol­i­dariedade às famílias das mil­hares de víti­mas da tragé­dia da pan­demia, mais de 200 mil –, ele demon­stra muito gostar da “sua” própria vida.

Abdon Mar­inho é advogado.