AbdonMarinho - Um presidente inimputável.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Um pres­i­dente inimputável.

UM PRES­I­DENTE INIM­PUTÁVEL.

Por Abdon Mar­inho.

ESTE texto foi pen­sado nas primeiras horas do dia 10/​11, logo após saber de uma troca de uma postagem do pres­i­dente da República em resposta a um dos seus mil­hares de seguidores, na qual “comem­o­rava” – a palavra cor­reta é essa –, a deter­mi­nação de sus­pen­são, pela Anvisa, dos testes/​estudos da vacina Coro­n­avac, que é uma pare­ce­ria entre uma far­ma­cêu­tica chi­nesa Sino­vac e o Insti­tuto Butantã.

Ainda não sabia maiores detal­hes do ocor­rido, mas pen­sei, que tipo de pes­soa é capaz de vibrar com a sus­pen­são, inter­rupção de estu­dos de uma vacina que tornou-​se hoje a maior meta da humanidade diante de uma pan­demia que já ceifou mais de 1,300 mil vidas em todo mundo e, só no Brasil, mais de 160 mil vidas?

Aí veio-​me a ideia do texto e do primeiro título: “Um pres­i­dente na con­tramão da decên­cia”. Me pare­ceu ade­quado, pois quem é capaz de colo­car um inter­esse pes­soal – no caso a quizila con­tra o gov­er­nador de São Paulo –, à frente dos inter­esse da humanidade só pode “se lixar” para a decên­cia.

Ainda naquele dia, em ato solene em pleno Palá­cio do Planalto voltou à carga para dizer que o “Brasil não seria um país de ‘mar­i­cas’”, numa alusão às medi­das de dis­tan­ci­a­mento social e iso­la­mento para pre­venir a dis­sem­i­nação do novo coro­n­avírus.

Seriam “mar­i­cas” as mil­hares de víti­mas que sucumbi­ram à doença?

Foi nesta mesma fala que o pres­i­dente do Brasil, referindo-​se ao pres­i­dente eleito dos EUA, Joe Biden – a quem chamou de can­didato por não recon­hecer o resul­tado das eleições amer­i­canas, pois é fã de Don­ald Trump e sua fidel­i­dade a ele é supe­rior aos inter­esses do país –, “declarou guerra aos Esta­dos Unidos”, na céle­bre frase do cuspe e da pólvora: “se a diplo­ma­cia não resolver tem que ir para pólvora”, algo do tipo.

O palavrório desconec­tado da real­i­dade, além de não ser lev­ado a sério por ninguém – exceto por uma legião de bol­so­min­ios, tão alu­a­dos quanto o líder –, desmor­al­iza a posição do Brasil no cenário político inter­na­cional, o Brasil virou uma piada plan­etária.

Veja que no mesmo dia, o pres­i­dente da República enquanto vai ao ban­heiro e fica tro­cando impressões com seus teóri­cos da con­spir­ação, que o seguem nas redes soci­ais, ofende a China que é o maior par­ceiro com­er­cial do Brasil e encerra o dia sendo escárnio global ao “declarar guerra” aos Esta­dos Unidos, jus­ta­mente o nosso segundo par­ceiro com­er­cial.

Enquanto isso escarneceu e vibrou com o “fake” insucesso da vacina, indifer­ente à morte de um cidadão – que mor­reu pelo come­ti­mento do ato extremo, sem qual­quer relação com o imu­nizante –, para, no mesmo dia chamar de “mar­i­cas” as mais de 160 mil víti­mas da COVID-​19, no nosso país, tam­bém, indifer­ente a dor das mil­hares de famílias e ami­gos das víti­mas.

Diante disso, pas­sei a achar que o pres­i­dente da República, não ape­nas é indifer­ente aos con­ceitos bási­cos de decên­cia, na ver­dade, como uma cri­ança de 5 anos que faz de tudo para chamar a atenção dos adul­tos de uma sala para si, o pres­i­dente faz o mesmo, pois enquanto isso se dis­trai do que de fato interessa.

Noutra palavras o pres­i­dente age, ante a semi falên­cia insti­tu­cional, como um ser inim­putável.

Depois de todas essas enormi­dades em ape­nas um dia, o pres­i­dente pas­sou a se ocu­par de ques­tionar o sis­tema eleitoral brasileiro, tal qual o seu ídolo do norte-​americano.

Já no dia da eleição tanto o pres­i­dente da República, a quem com­pete o zelo pela ordem insti­tu­cional, jun­ta­mente com legião de seguidores que vivem do ócio, pas­saram a sus­ci­tar dúvi­das sobre a segu­rança do voto eletrônico brasileiro.

A urna eletrônica, que existe no Brasil desde 1996, sem qual­quer ques­tion­a­mento, que vá além da a incon­for­mação pela falta de votos, é o novo “cav­alo de batalha” do pres­i­dente e sua troupe.

Esque­cem que todo o processo de votação do Brasil pode ser audi­tado.

No iní­cio da votação se emite um relatório ate­s­tando o que tem na urna eletrônica e ao final um bole­tim de urna com o resul­tado: o número de votantes, número de votos em branco ou nulos e os votos nom­i­nais ou em leg­en­das; urnas aleatórias são sorteadas para audi­to­rias.

Em 24 anos, repito, exceto pelo incon­formismo de alguns der­ro­ta­dos, nunca tive­mos notí­cias de fraudes nas urnas eletrôni­cas.

Agora, por obra e graça do pres­i­dente da República, repito, a quem caberia o zelo pela reg­u­lar­i­dade insti­tu­cional, passou-​se a ques­tionar o resul­tado do pleito e a se pre­gar o retorno do voto impresso.

O pres­i­dente e seus seguidores dizem que fazem esses ques­tion­a­men­tos para tornar o sis­tema de votação “mais seguro”. Seria muito bom se fosse essa a intenção – ainda que neste quarto de século, com a urna eletrônica sendo sub­metida a todo tipo de teste de segu­rança, nada tenha colo­cado em dúvida a lisura dos pleitos –, mas sabe­mos que não é essa a razão.

O que move o pres­i­dente – e os seus alu­a­dos seguidores, teóri­cos da con­spir­ação –, é desle­git­i­mar a democ­ra­cia brasileira e as suas insti­tu­ições.

Não me sur­preen­de­ria se ao cabo das inves­ti­gações se desco­bris­sem envolvi­mento de inter­esses políti­cos no ataque de hack­ers ao Tri­bunal Supe­rior Eleitoral – TSE, ocor­rido no dia das eleições.

Caso não seja aten­dido na sua von­tade, quer chegar em 2022 e dizer que não sai do poder, caso perca a eleição, como agora tenta fazer o seu ídolo dos Esta­dos Unidos.

O pres­i­dente revela-​se sem freio e sem qual­quer apreço ou respeito pelo que seja democ­ra­cia, sep­a­ração de poderes con­sti­tuí­dos.

Agora mesmo, con­vi­dou para uma audiên­cia, em palá­cio, o cor­rege­dor do Tri­bunal de Justiça do Rio de Janeiro, por coin­cidên­cia – e nada além disso –, um dos encar­rega­dos de jul­gar o rece­bi­mento ou não da denún­cia ofer­tada pelo Min­istério Público Estad­ual con­tra seu filho e out­ros por envolvi­mento no escân­dalo das “rachad­in­has” na Assem­bleia Leg­isla­tiva daquele estado, quando o dito cujo, hoje senador da República, era dep­utado estadual.

A audiên­cia, a pedido da Presidên­cia, durou duas horas.

Imag­ino que o pres­i­dente, tão cioso da lisura e pal­adino da hon­esti­dade, solic­i­tou tal audiên­cia para tratar de assun­tos que pas­sam ao largo dos inter­esses proces­suais do filho, muito emb­ora, seja difí­cil divisar que assunto teria o pres­i­dente para tratar com o corregedor.

Será que alguém acha “nor­mal” esse tipo de audiên­cia? Cer­ta­mente que não.

Logo saber­e­mos o obje­tivo da audiên­cia. É só acom­pan­har o jul­ga­mento do rece­bi­mento da denún­cia con­tra o senador/​filho do pres­i­dente e ver­i­ficar depois quem mudará de tri­bunal.

Não me recordo de fato tão grave assim em tem­pos recentes.

Cer­ta­mente, para o pres­i­dente e seus ali­a­dos, isso nada tem demais, berrarão: “e cor­rupção do PT”?

Como se os peca­dos dos que os ante­ced­eram no poder expi­assem os seus próprios peca­dos.

Ora, por tudo que diz e faz, tem-​se que pres­i­dente é inim­putável, sem noção do alcance de suas palavras ou atos. Ou alguém acha nor­mal esse tipo de coisa?

A falta de con­hec­i­mento e aptidão faz com que busquem pau­tas para­le­las para desviar a atenção para prob­le­mas reais, como a destru­ição do meio ambi­ente, o aque­c­i­mento global, o desem­prego cres­cente, a estag­nação econômica, pan­demia, os prob­le­mas estru­tu­rais do país e tan­tos out­ros.

Essas pau­tas não impor­tam. Para o pres­i­dente o impor­tante é gerar polêmica. Agora mesmo, por conta de um assas­si­nato bru­tal den­tro de um super­me­r­cado, na pan­cada, como se fosse a coisa mais nor­mal do mundo, o pres­i­dente, além de não se sol­i­darizar com os famil­iares da vítima (e por exten­são a todos os negros víti­mas diárias de pre­con­ceitos) – o que não é novi­dade, já que nunca se sol­i­dari­zou com as 170 mil famílias que perderam seus entes para a COVID, nas suas palavras, coisa de “mar­i­cas” –, abriu nova polêmica ao dizer que no Brasil não existe racismo.

Como este é um assunto a exi­gir um texto especí­fico, basta dizer que o cidadão assas­si­nado na “por­rada” não o teria sido se fosse um cidadão branco, bem vestido, etc., ainda que tivesse cau­sado con­fusão no empreendi­mento.

São coisas ditas, acred­ito, por ignorân­cia, pois basta um raciocínio lógico para desmisti­ficar a falá­cia.

E aí, para jus­ti­ficar a tolice, ficam as falanges bol­sonar­is­tas ten­tando desqual­i­ficar a vítima, como se qual­quer delito que, por­ven­tura, tenha cometido no pas­sado ou mesmo no pre­sente, jus­ti­fi­casse o fato de tê-​lo o assas­si­nato a pan­cadas den­tro de um super­me­r­cado.

A estes, dev­eríamos lem­brar que o dire­ito brasileiro não com­ina pena de morte nem para os piores crim­i­nosos, nem mesmo para os mata­dores em série.

O pres­i­dente, infe­liz­mente, não con­segue fazer as dis­tinções necessárias e acaba por embar­car nestes argu­men­tos tacan­hos, além dele próprio, ser a fonte primária de inúmeras out­ras ignomínias.

A expli­cação para isso, não existe, é ape­nas a inim­putabil­i­dade.

Abdon Mar­inho é advo­gado.