AbdonMarinho - Basta não roubar?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Basta não roubar?

BASTA NÃO ROUBAR?

Por Abdon Marinho.

TENHO refletido nos últi­mos dias, pós quar­entena, nos males cau­sa­dos pelas admin­is­trações do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT – e seus ali­a­dos –, ao Brasil. Não falo ape­nas dos atos prat­i­ca­dos no exer­cí­cio dos encar­gos. Destes, podemos, com boa von­tade, até apu­rar coisas pos­i­ti­vas e diver­sos avanços.

O que, efe­ti­va­mente, me pre­ocupa são os efeitos para a posteridade.

Recen­te­mente, em um debate com os can­didatos à prefeitura de São Paulo, um dos assun­tos que domi­nou os par­tic­i­pantes foi a “ameaça” de um retorno dos petis­tas ao comando da cidade.

O receio parece ser tanto que o rep­re­sen­tante do par­tido encontra-​se, nas pesquisas de opinião, atrás, até mesmo, de rad­i­cais, como o can­didato do Par­tido Social­ista e Liber­dade — PSOL, rep­re­sen­tado pelo notório Guil­herme Bou­los, que, ao menos em tese, estaria à esquerda do PT.

O que assis­ti­mos em São Paulo é o que acon­tece no macro cenário da política nacional.

Estim­u­la­dos por ambos os lados, como se hou­vessem ape­nas dois, os brasileiros, somos com­peli­dos ou empurra­dos para o seguinte dilema: se criti­camos o gov­erno Bol­sonaro, somos logo colo­ca­dos no grupo dos “esquerdis­tas, comu­nistas, saudo­sis­tas” da roubal­heira dos gov­er­nos petis­tas.

Se, por outro lado, criti­camos a roubal­heira, os equívo­cos, a ban­dalha que foram os gov­er­nos petis­tas, logo somos chama­dos bol­sonar­is­tas, infames, intol­er­antes, racis­tas, geno­ci­das, e tudo mais.

Nos debates extrema­dos que tomaram de conta da política nacional, os gov­er­nos tidos por sociais-​democratas, que na curta exper­iên­cia após a ditadura, se fazem rep­re­sen­tar pelos dois gov­er­nos do Par­tido da Social Democ­ra­cia Brasileira — PSDB, são colo­ca­dos, na conta dos petis­tas como “de dire­ita” e, por isso mesmo, com­bat­i­dos; e, pelos bol­sonar­is­tas, como comu­nistas, de esquerda, cúm­plices da cor­rupção, ali­a­dos e a encar­nação do mal, devendo ser com­bat­i­dos por isso.

É assim, entre dois pólos que lutam pelo poder e/​ou para a manutenção de suas ideias a qual­quer custo, que a maior parte da sociedade brasileira vê-​se com­pel­ida, emb­ora sem lado, a escol­her um dos dois que mais “berram”.

O debate do “nós con­tra eles” teve iní­cio com primeiro gov­erno Lula, que a despeito de ter rece­bido o gov­erno numa tran­sição pací­fica – como nunca tín­hamos visto entre par­tidos de oposição –, logo que assumiu tra­tou de satanizar o gov­erno ante­rior.

Isso foi feito, não com o propósito de “fazer difer­ente” ou evoluir no propósito de gov­ernar para o bem comum, mas sim, para aniquilar aquela que era a prin­ci­pal força de oposição em um pro­jeto hegemônico de poder.

Em lin­has gerais, o petismo vem exper­i­men­tando o mesmo método de descon­strução que uti­li­zou con­tra os seus ante­ces­sores.

Assumi­ram com uma ban­deira de “puros” e no gov­erno revelara-​se aos olhos da nação capazes de coon­estarem e par­tic­i­parem de esque­mas de cor­rupção inimag­ináveis aos cidadãos brasileiros, até então.

É esse con­traponto que o bol­sonar­ismo vem fazendo de forma efi­ciente – tam­bém num pro­jeto hegemônico de poder –, impingindo a todos os seus críti­cos a pecha de cúm­plices ou par­ticipes dos esque­mas petis­tas de cor­rupção, mesmo que estes nunca ten­ham pas­sado por perto de qual­quer dos gov­er­nos petis­tas ou auferido quais­quer van­ta­gens de seus gov­er­nos.

O título do texto é uma provocação.

Aprendi desde muito cedo, aliás, desde sem­pre, que a hon­esti­dade não é favor, mérito ou fac­ul­dade, mas sim um dever, uma obri­gação do cidadão.

Outra coisa, ninguém que se pre­tende hon­esto deve sê-​lo para impres­sionar ou para os out­ros. Deve­mos ser hon­estos para nós mes­mos.

E isso não “van­tagem” nenhuma.

O ex-​presidente Lula da Silva, no seu dis­curso de posse, no já longíquo janeiro de 2003, fez uma solene promessa à nação brasileira: não ape­nas não roubar, mas impedir que out­ros roubassem no seu governo.

O tempo que é o sen­hor da razão e as dezenas de proces­sos civis e crim­i­nais con­tra o ex-​presidente e sua troupe provam que não fez nen­huma coisa nem outra.

Os mais vari­a­dos esque­mas já rev­e­la­dos – e acred­i­ta­mos que de muitos jamais saber­e­mos –, sub­traíram dos cofres da nação bil­hões de dólares e as penas aos impli­ca­dos se conta em mil­hares de anos.

As mal­tas fiéis do lulopetismo negam as evidên­cias – e provas da ban­dalha –, como elas nunca tivessem exis­tido e tudo que assis­ti­mos nos últi­mos anos fos­sem uma “armação” da dire­ita con­ser­vadora, escrav­ocrata e ressen­tida que nunca superou a chegada de “operário” (que nunca tra­bal­hou) ao poder.

Esse nega­cionismo à luz de todas as evidên­cias é o prin­ci­pal com­bustível para o bol­sonar­ismo se fir­mar e se for­t­ale­cer no poder.

As hostes bol­sonar­is­tas – e já ouvi de diver­sos defen­sores deste novo credo –, repetem como se fosse um mantra: o homem não está roubando; até agora, com toda vig­ilân­cia, ninguém nunca apon­tou qual­quer ato de cor­rupção e out­ras coisas na mesma linha.

Enquanto isso, a “boiada” vai pas­sando, como bem assi­nalou o min­istro anti-​meio ambi­ente do atual governo.

Para os defen­sores do credo bol­sonar­ista a “for­mação de família” que aliv­iou ou cofres públi­cos em mil­hões de reais através do famoso esquema de “rachad­inha” não é nada.

— Ora, todo mundo faz: vereadores, dep­uta­dos, senadores, mem­bros do poder judi­ciário e até do Min­istério Público, que dev­e­ria fis­calizar a lei. Por que com os Bol­sonaro seria diferente?

Dizem para jus­ti­ficar o injustificável.

O que sig­nifi­cam os depósi­tos sem origem na conta da primeira-​dama de pouco menos de cem mil diante dos mil­hões rou­ba­dos pelos petis­tas?

É claro que numa escala de grandeza não se tem como com­parar, mas é cor­rupção do mesmo jeito.

Enquanto o mundo inteiro assiste com estu­por as queimadas recordes na Amazô­nia e no Pantanal.

Para os defen­sores do credo bol­sonar­ista isso sem­pre exis­tiu, é coisa de ONG’s estrangeiras inter­es­sadas em ques­tionar a sobera­nia do país sobre assun­tos inter­nos, é coisa de índios e de cabo­c­los que usam esse método para limpeza do solo, é coisa do Leonardo di Caprio.

Órgãos de mon­i­tora­mento via satélite do Brasil e do mundo inte­rior estão erra­dos.

As ima­gens estão erradas, são infil­tra­dos esquerdis­tas que querem deses­ta­bi­lizar o governo.

E a boiada vai passando.

Numa reunião con­vo­cada numa sexta-​feira para acon­te­cer na segunda, o Con­selho Nacional de Meio Ambi­ente – Conama, que foi “desidratado” pelo atual gov­erno, para excluir a par­tic­i­pação da sociedade, revo­gou diver­sas nor­mas de pro­teção ambi­en­tal, seja a pro­teção dos manguezais, das restin­gas, do cer­rado, da explo­ração dos rios, lagos e da pro­teção as áreas de reservatórios.

O que tem? É o desen­volvi­mento.

O mer­cado e a espec­u­lação imo­bil­iária em geral, agradece.

E é assim em toda a pauta ambi­en­tal, explo­ração des­or­de­nada de garim­pos em reser­vas e áreas indí­ge­nas, incen­tivos à gri­lagem de ter­ras públi­cas nas bor­das da Amazô­nia e do Pan­tanal e por aí vai.

Vejam que mesmo o “gan­cho” que usam para se con­tra­por aos gov­er­nos petis­tas se tornou contraditório.

Como falar em com­bate à cor­rupção quando o gov­erno é “sus­ten­tado” politi­ca­mente pelos mes­mos par­la­mentares – com pou­cas exceções –, envolvi­dos em onze de cada dez escân­da­los de cor­rupção dos gov­er­nos petistas.

— Mas o “homem” pre­cisa gov­ernar. Vai gov­ernar com quem?

Dizem as mal­tas do bol­sonar­ismo uti­lizando, prati­ca­mente, o mesmo argu­mento do ex-​ministro Zé Dirceu, em 2003, ao lotear o gov­erno e mon­tar o esquema que ficou con­hecido como “men­salão” e depois “petrolão”.

O que tem de difer­ente é que a cor­rupção encontra-​se “insti­tu­cional­izada” através de out­ros mecan­is­mos, não mais total­mente den­tro do gov­erno fed­eral.

Agora usam a prin­ci­pal moeda da República: as emen­das, dis­tribuí­das a granel e sem con­t­role, inclu­sive, legal, para garan­tir a sus­ten­tação do governo.

Quan­tos bil­hões o gov­erno não lançou mão nos últi­mos tem­pos para “agradar” a base ali­ada?

Como nos gov­er­nos ante­ri­ores ninguém liga para as bur­ras da viúva – ou ligam em dema­sia, tanto que as querem para si.

E o gov­erno fed­eral, pres­i­dente à frente, faz de tudo para sat­is­fazer a gula e ficar de bem com o eleitorado.

Pois, mais do que colo­car o país no rumo do desen­volvi­mento e do pro­gresso, o que está em jogo já é a dis­puta eleitoral de 2022.

Outro dia, os par­la­mentares aprovaram um “mimo” de isenção de quase um bil­hão para as igre­jas, o pres­i­dente por recomen­dação da ile­gal­i­dade pela equipe econômica, mas já dizendo aos seus ali­a­dos do Con­gresso que der­rubem o próprio veto.

A mesma coisa é a “guerra” que trava para criar um pro­grama assis­ten­cial mais robusto que o cri­ado pelo petismo, que por sua vez era uma junção dos pro­gra­mas cri­a­dos pelo PSDB.

Tudo com um propósito: com­prar votos explo­rando a mis­éria do povo – ainda que o país tenha que pagar as con­se­quên­cias.

Noutra frente, e com igual importân­cia, tra­bal­ham com inco­mum afinco para – e jun­tos –, para acabar com todos os avanços na área de con­t­role e com­bate insti­tu­cional à cor­rupção.

Não foi sem motivos que o pres­i­dente nomeou um procurador-​geral de fora da lista trí­plice for­mu­lada pelos inte­grantes do MPF.

Os resul­ta­dos estão aí, a forças tare­fas de com­bate à cor­rupção nos esta­dos – as várias “lava jato” estão sendo desmo­bi­lizadas.

Alguém se lem­bra que o ex-​juiz Moro deixou a mag­i­s­tratura porque acred­i­tou na promessa que no gov­erno não iria “pescar” cor­rup­tos com vara de pesca, mas com redes?

Desde o seu primeiro dia que assis­tiu a “promessa” esvair.

Viu o pro­jeto de com­bate à cor­rupção ser aniquilado; as ações de com­bate à cor­rupção serem redi­re­cionadas.

Viu as ten­ta­ti­vas de apar­el­hamento da Polí­cia Fed­eral.

E, por fim, teve que pedir demissão.

Agora, assiste aque­les mes­mos cor­rup­tos que dev­e­riam ser inves­ti­ga­dos, jul­ga­dos e con­de­na­dos “estancarem a san­gria” –como bem que­ria o notório ex-​senador Romero Jucá –, e revert­erem com o silên­cio e com­placên­cia de todos, os avanços no com­bate à cor­rupção que ele – e tan­tos juízes –, o Min­istério Público, a Polí­cia Fed­eral, travaram.

Assiste, tam­bém, o pres­i­dente da República a escol­her min­istro do STF, em comum acordo com o cen­trão, em con­vescote com Gilmar Mendes e Dias Tóf­foli, as prin­ci­pais reser­vas morais do nosso Supremo.

Sobra a impressão que o Brasil faz um triste retorno a um triste pas­sado.

Abdon Mar­inho é advo­gado.