AbdonMarinho - Quem tem medo do povo?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Quem tem medo do povo?


QUEM TEM MEDO DO POVO?

Por Abdon Marinho.

A CON­STI­TU­IÇÃO fed­eral, no seu artigo 1º., pará­grafo único, esta­b­elece: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de rep­re­sen­tantes eleitos ou dire­ta­mente, nos ter­mos desta Constituição”.

Dito isso, torna-​se desnecessário assen­tar a suprema­cia que exerce o con­junto dos cidadãos, o povo, sobre os seus rep­re­sen­tantes eleitos ou indi­ca­dos e, até mesmo, sobre os poderes constituídos.

O povo é des­ti­natário der­radeiro e primeiro sen­hor dos des­ti­nos da nação.

Nos últi­mos dias temos assis­tido a uma ver­dadeira cam­panha con­tra uma man­i­fes­tação em defesa do gov­erno pro­gra­mada para o dia 15 de março.

Daí a neces­si­dade de pon­tuar tais asserti­vas diante de sur­tos autoritários de cer­tos apren­dizes de dita­dor que teimam em querer proibir livres e ordeiras man­i­fes­tações públi­cas de crítica e/​ou reivin­di­cações aos poderes da República e aos seus rep­re­sen­tantes.

O com­por­ta­mento destas autori­dades, con­trárias à livre man­i­fes­tação de pen­sa­mento e expressão, per­mi­ti­das nos ter­mos da con­sti­tu­ição, artigo 5º., “XVI — todos podem reunir-​se paci­fi­ca­mente, sem armas, em locais aber­tos ao público, inde­pen­den­te­mente de autor­iza­ção, desde que não frus­trem outra reunião ante­ri­or­mente con­vo­cada para o mesmo local, sendo ape­nas exigido prévio aviso à autori­dade com­pe­tente;”, rep­re­senta, sim, uma grave vio­lação às liber­dades e garan­tias individuais.

Emb­ora não ache recomendável que um pres­i­dente da República faça con­vo­cações por man­i­fes­tações públi­cas – soa como se duvi­dasse da própria legit­im­i­dade –, mas há prece­dentes, Col­lor fez isso, ante­ri­or­mente João Goulart, tam­bém fez, tal fato não é grave, menos ainda, “gravís­simo” como a afe­tação de alguns apre­goa.

Fato, efe­ti­va­mente grave, é ten­tar impedir a livre man­i­fes­tação da sociedade.

Esse dire­ito – de con­vo­car e se man­i­fes­tar de forma paci­fica em qual­quer praça do pais –, é asse­gu­rado e inques­tionável desde a pro­mul­gação da Con­sti­tu­ição de 1988, e até mesmo antes, ainda na vigên­cia da carta ante­rior, em pleno período dita­to­r­ial, os cidadãos foram às ruas protes­tar con­tra o régime mil­i­tar, por eleições dire­tas, por con­sti­tu­inte, por tudo.

Mesmo os mil­itares – emb­ora dese­jassem, nos exter­tores do régime –, nunca foram dizer sobre o que a pop­u­lação tinha o dire­ito de protes­tar ou não; ou impor as faixas que os man­i­fes­tantes iriam lev­an­tar nas praças.

A sociedade brasileira lutou muito para ter esse dire­ito. Durante toda a história, durante os hiatos democráti­cos – e algu­mas vezes, mesmo nos perío­dos de exceção –, esse foi um dire­ito inquestionável.

Desde 1985 o Brasil vive um período de democ­ra­cia plena.

Nestes anos, mil­hares de vezes o povo foi às ruas lutar por dire­itos, protes­tar con­tra o que acham errado.

Não tenho notí­cias de ninguém ten­tando impedir suas man­i­fes­tações ou impondo pautas.

Por isso mesmo que acho grave que uma autori­dade pública se “assanhe” para dizer que esse protesto pode, esse não pode; ou que se “vista” de cen­sor das livres man­i­fes­tações das ruas.

Nunca é demais repe­tir: o povo é a autori­dade der­radeira da nação e, por­tanto, livre para se man­i­fes­tar sobre o que quiser, sem que ninguém, muito menos supostas autori­dades ven­ham cen­surar ou impor pautas.

Reparem que são os mes­mos ilu­mi­na­dos que falam haver uma escal­ada autoritária no país que criti­cam e querem impedir livres a pací­fi­cas man­i­fes­tações pop­u­lares.

Quem é autoritário?

Dê-​se a César o que é de César. O “autoritário” pres­i­dente da República, desde que assumiu que é crit­i­cado, sofre ques­tion­a­men­tos de toda ordem – legí­ti­mos ou não –, em nen­hum momento se teve notí­cias de alguma pro­posta ou sug­estão de se “proibir” protestos.

Agora mesmo, ape­sar do fra­casso das man­i­fes­tações, houve protestos con­tra ele em quase todas as cap­i­tais por ocasião do dia inter­na­cional da mul­her.

Agora mesmo, movi­men­tos de tra­bal­hadores rurais, com vio­lên­cia, invadi­ram e depredaram pré­dios públicos.

Houve repressão? Houve alguma con­tenção, mesmo com uso mod­er­ado da força? Não. Todos protes­taram da forma que quis­eram, mesmo inde­v­i­da­mente – já que Con­sti­tu­ição asse­gura as man­i­fes­tações pací­fi­cas.

Já pelo lado dos “democ­ratas”, em plena democ­ra­cia, falam em vetar e criti­cam uma garan­tia con­sti­tu­cional e, até, pas­mem, querem impor pau­tas.

Mas autoritários são os inte­grantes do gov­erno fed­eral, os chama­dos “bol­so­min­ios”. E, sim, deve ter muitas pes­soas autoritárias fazendo parte do gov­erno; muitos com ideias e pau­tas hor­ro­rosas.

O próprio pres­i­dente é um desas­tre ambu­lante, uma usina de crises.

Mas, pelo menos, até aqui, todos têm se man­i­fes­tado livremente.

Situ­ação diversa é a que vive­mos no Maran­hão, estado gov­er­nado por um dos mais áci­dos críti­cos do gov­erno e que, desde a posse do mesmo, tem movido céu e terra para se fazer notar como seu opos­i­tor.

Por aqui, desde que os comu­nistas chegaram ao poder, ninguém con­segue chegar perto palá­cio do gov­erno para protes­tar. Não con­segue, nem subir as ladeiras da beira-​mar rumo aos Leões, são impe­di­dos por bar­ri­cadas e cordões de iso­la­mento.

Quando, excep­cional­mente, con­seguem, são escor­raça­dos de forma vio­lenta, como foi a comu­nidade do Cajueiro, tem­pos atrás. Expul­sos de suas casas de forma vio­lenta durante o dia, a noite, enquanto protes­tavam foram dis­per­sa­dos, às vis­tas do gov­er­nador, com excesso de força, em oper­ação coman­dada pes­soal­mente pelo secretário de segu­rança.

Este não foi um caso iso­lado. O mesmo acon­te­ceu com os dezenas de aspi­rantes a poli­ci­ais, que foram tira­dos de seus empre­gos para faz­erem curso de for­mação e depois disso o gov­erno não os nomeou, causando-​lhes diver­sos pre­juí­zos.

Quem tem medo do povo? Quem nunca o reprimiu ou quem não quer nem ouvir seus protestos?

Nas ruas os que não querem o povo prote­s­tando, talvez pre­fi­ram mon­u­men­tais e core­ografa­dos des­files mil­itares, como aque­les que nos ofer­e­cem a Cor­eia do Norte, a China e, no pas­sado, extinta União Soviética.

Pois é, ficamos sabendo, que o gov­er­nador do estado apren­deu o respeito à tol­erân­cia, à diver­si­dade e ao pen­sa­mento diver­gente direto na Bíblia, tanto assim que outro dia, numa inter­pre­tação bem par­tic­u­lar do livro Sagrado e/​ou uti­lizando seus ensi­na­men­tos em sen­tido diverso, acen­tuou: “Quem não está comigo, está con­tra mim”.

A respeito do protesto pro­gra­mado para o dia 15 de março, como já disse em um texto ante­rior, pou­cas vezes tiver­mos uma pauta tão justa.

O Con­gresso Nacional é um dos mais caros do mundo (se não o mais caro) e dos menos produtivos.

Seus inte­grantes levam uma vida nababesca às cus­tas dos con­tribuintes e, quando chama­dos a cumprirem seu papel, só o fazem em troca de benesses pes­soais – com pou­cas e raras excessões.

Foi assim na reforma da pre­v­idên­cia. Todos sabiam e estavam de acordo da neces­si­dade de fazê-​la mas só a con­cluíram após o gov­erno lib­erar infini­tos recur­sos do orça­mento para suas bases eleitorais. Recur­sos esses, que na grande parte das vezes voltam para os bol­sos das excelên­cias. Isso já não é seg­redo, fazem as escân­caras.

Não sat­is­feitos com este mod­elo de chan­tagem – esse é o nome cor­reto para o que fazem –, as excelên­cias resolveram acabar com o sec­u­lar con­ceito da sep­a­ração de poderes, e querem, a par­tir de então “exe­cu­tar” o orça­mento da união. Que­riam 30 bil­hões. O gov­erno, equiv­o­cada­mente, cedeu 15 bil­hões.

Está tudo errado. A Con­sti­tu­ição da República não alberga esse tipo com­petên­cia que o Con­gresso Nacional resolveu se atribuir.

Os arti­gos 48 e 49 da con­sti­tu­ição, que tratam das atribuições e com­petên­cias do Con­gresso Nacional, não traz, em nen­hum momento, a autor­iza­ção para faz­erem o que pre­ten­dem.

Cabe ao con­gresso, entre out­ras coisas: “IX — jul­gar anual­mente as con­tas prestadas pelo Pres­i­dente da República e apre­ciar os relatórios sobre a exe­cução dos planos de gov­erno; X — fis­calizar e con­tro­lar, dire­ta­mente, ou por qual­quer de suas Casas, os atos do Poder Exec­u­tivo, incluí­dos os da admin­is­tração indireta;”.

Ora, se o Con­gresso Nacional vai exe­cu­tar o orça­mento, ele próprio vai apre­ciar suas contas?

Trata-​se, por­tanto, de uma ingerên­cia inde­v­ida nas atribuições de outro poder.

As excelên­cias decidi­ram criar um “par­la­men­tarismo irre­spon­sável”, dis­põem do recur­sos públi­cos e prestam con­tas a si mesmo.

O que os líderes do Con­gresso Nacional pre­ten­dem é algo tão escan­daloso que mesmo alguns adver­sários do gov­erno, se colo­caram (e se colo­cam) pub­li­ca­mente contra.

Os mais lúci­dos sabem que uma expres­siva quan­ti­dade de par­la­mentares não querem “exe­cu­tar” orça­mento coisa nen­huma, querem, na ver­dade, “roubar” os recur­sos públi­cos que dev­e­riam ir para saúde, edu­cação, assistên­cia, infraestru­tura, cul­tura, etc. – o nome cor­reto é esse: querem roubar os recur­sos públicos.

Os que se colo­cam con­tra o fato da pop­u­lação protes­tar con­tra um con­gresso que quer fazer tal coisa, não ape­nas está indo con­tra uma expressa dis­posição con­sti­tu­cional, está sendo cúm­plice de um assalto aos cofres públicos.

Os cidadãos não ape­nas têm o direto de irem às ruas protestarem. No caso pre­sente, os bons cidadãos – eleitores ou não do atual pres­i­dente –, têm o dever de fazê-​lo.

Os cidadãos devem protes­tar não ape­nas con­tra o Con­gresso Nacional, devem protes­tar, tam­bém, con­tra o Supremo Tri­bunal Fed­eral, que se man­tém omisso ou cúm­plice, pelo silên­cio, diante de tamanho absurdo.

Como já dizia o poeta baiano Cas­tro Alves há 150 anos: “A praça é povo como o céu é do condor”.

Vamos à elas!

Abdon Mar­inho é advo­gado.