AbdonMarinho - O SUPREMO E A QUEDA DO MURO DE BERLIM.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O SUPREMO E A QUEDA DO MURO DE BERLIM.


O SUPREMO E A QUEDA DO MURO DE BERLIM.

Por Abdon Marinho.

NÃO GOSTARIA – e não dev­e­ria –, a falar sobre o jul­ga­mento do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF e os seus des­do­bra­men­tos, ainda mais de fazê-​lo em tão curto espaço de tempo entre este texto e o que já escrevi ded­i­cado ao tema.

Esper­ava ter esgo­tado o assunto ou, então, só pre­cisar falar lá na frente, quando já con­hecêsse­mos os fru­tos da decisão.

Como nem sem­pre somos sem­pre somos sen­hores dos nos­sos quer­eres ou donos das nos­sas von­tades, eis-​nos aqui novamente.

O jul­ga­mento per­manece um assunto “vivo”. Por onde pas­samos somos ques­tion­a­dos sobre ele. Difer­ente de out­ros jul­ga­men­tos que pas­sa­dos a fila anda – e a fila de proces­sos é imensa –, este per­manece a vagar e a des­per­tar con­tro­ver­tidas paixões.

Os favoráveis já fes­te­jaram – e con­tin­uam a fes­te­jar –, a soltura de seus crim­i­nosos de esti­mação, poten­ta­dos que difi­cil­mente voltarão a con­hecer as dependên­cias inter­nas dos cárceres – pelo menos enquanto pos­suírem din­heiro, obti­dos ou não de forma lícita.

Os con­trários preparam suas “armas” chamando man­i­fes­tações públi­cas, pro­pondo medi­das no Con­gresso Nacional para mudar a lei e, até mesmo, a Con­sti­tu­ição da República.

Como assen­tado em texto ante­rior, uma decisão em que bas­tou uma “virada de toga” para o que era água transformar-​se em vinho, e, que em 31 anos de existên­cia, só em curto período se enten­deu de forma dis­tinta ao entendi­mento recen­te­mente ado­tado, não clama por uma mudança con­sti­tu­cional e, sim, por uma mudança no entendi­mento dos jul­gadores, o que será con­seguido com o pas­sar do tempo – que é inclemente e igual para todos –, ou com o clamor das ruas, que põe abaixo, inclu­sive, coisas bem mais sólidas.

A mudança de entendi­mento do Supremo sobre a con­sti­tu­cional­i­dade do cumpri­mento ante­ci­pado de pena (con­strução que acho imprópria, uma vez que alguém con­de­nado por duas instân­cias, três ou qua­tro, entendo não ser cabível dizer que está “ante­ci­pando” o cumpri­mento da pena) numa daque­las infe­lizes coin­cidên­cias, “casou” com o noti­ciário sobre a comem­o­ração do trigésimo aniver­sário da queda do Muro de Berlim – que pôs fim ao que ficou con­hecido como “guerra fria”, a divisão mate­r­ial do mundo entre cap­i­tal­is­tas ou oci­den­tais e social­is­tas ou ori­en­tais.

Durante quase trinta anos o muro que dividiu a antiga cap­i­tal da Ale­manha, sep­a­rou um mesmo povo, suas famílias, seus ami­gos e pelo qual muitos pere­ce­ram na ten­ta­tiva cruzá-​lo, de repente caiu. Ou, já vinha caindo aos poucos, e naquele 09 de novem­bro de 1989, ape­nas teve seu des­do­bra­mento final.

Lem­bro de haver acom­pan­hado aque­les fatos que se desen­rolavam no “outro lado do mundo” quase que ao vivo, pela cober­tura da tele­visão, do rádio e dos jor­nais – mas ainda muito dis­tante da instan­ta­nei­dade dos dias atuais.

O jul­ga­mento do STF teve seu des­fe­cho ape­nas dois dias antes do trin­tenário da queda do muro. O noti­ciário se dividiu entre as duas cober­turas rev­e­lando detal­hes do jul­ga­mento, posi­ciona­mento dos min­istros em jul­ga­men­tos ante­ri­ores, situ­ações em que foram con­tra ou a favor e as histórias das pes­soas das duas Berlim, seus sofri­men­tos, seus dra­mas, como foram suas vidas do lado lá e de cá da “cortina de ferro”.

Como, em 1989, acom­pan­hei a “história acon­te­cer” me pus a recor­dar daque­les dias.

A queda do Muro de Berlim, deu-​se poucos dias antes do segundo turno das eleições pres­i­den­ci­ais, a primeira ocor­rida depois de vinte e cinco anos, os 21 anos da ditadura e os cinco do gov­erno civil de Sar­ney.

A dis­puta se dava entre Fer­nando Col­lor, rep­re­sen­tante da dire­ita e Luís Iná­cio Lula da Silva, rep­re­sen­tante da esquerda. Ambos foram pres­i­dentes da República, naquela eleição Col­lor levou a mel­hor. A queda do muro influ­en­ciou o resul­tado? É pos­sível que sim, o assunto foi explo­rado à exaustão.

Nos meus vagares pas­sei a encon­trar simil­i­tudes entre os dois acon­tec­i­men­tos: a queda do Muro de Berlim e o Jul­ga­mento do Supremo.

Para começar, os dois can­didatos que estavam em trincheiras opostas naquela dis­puta de trinta anos atrás, agora são ben­efi­ciários dire­tos do jul­ga­mento do STF. E mesmo Sar­ney alvo dos dois naquele pleito não deixou de somar na con­vergên­cia de inter­esses.

O Lula, preso e respon­dendo a quase uma dezena de proces­sos, já foi solto e não corre mais o risco de voltar ao cárcere nesta encar­nação.

Já o Col­lor igual­mente respon­dendo a uma “penca” de proces­sos mas “escon­dido” no bio­mbo do mandato par­la­men­tar, nunca viu e, agora, mesmo nunca terá o diss­a­bor de con­hecer, como hós­pede, as dependên­cias inter­nas da repar­tição pública já habitada por Lula.

Ambos respon­dendo por crimes graves, mas até nisso o antigo “mauricinho” levou a melhor.

Como lem­brá­va­mos – e agora nos fiz­eram recor­dar a exaustão –, a queda do Muro de Berlim foi pre­cip­i­tada por uma infor­mação equiv­o­cada. Nos dias e sem­anas que pre­ced­eram a queda do muro, protestos em diver­sas cidades da Ale­manha Ori­en­tal cla­mavam por mais liber­dade, ape­sar de viverem em um bru­tal atraso cul­tural no lado ori­en­tal, rece­biam influên­cia direta do outro lado muro através dos sinais clan­des­ti­nos das emis­so­ras de rádio e tele­visão.

Os buro­cratas do estado alemão ori­en­tal reuniram-​se e, para diminuir a pressão, decidi­ram que iriam per­mi­tir vis­i­tas super­vi­sion­adas e reen­con­tro entre os famil­iares sep­a­ra­dos que não se viam há anos.

Na hora de trans­mi­tir essa infor­mação, o porta-​voz, que não estivera pre­sente à reunião, não trans­mi­tiu da mel­hor forma a decisão tomada e, a uma per­gunta de um jor­nal­ista sobre quando começariam a per­mi­tir a visita dos cidadãos ori­en­tais ao lado oci­den­tal da cidade, respon­deu: — imediatamente!

Foi o que bas­tou para que os cidadãos cor­ressem para os pos­tos de pas­sagem da fron­teira sem que os guardas pudessem fazer nada. Já na mesma noite cidadãos comuns, com marte­los e picare­tas, começaram a der­rubar o muro da ver­gonha.

No dia seguinte aquela que foram a fron­teira mais segura e vigiada do mundo apresentava-​se com vários pon­tos aber­tos e livres para o trân­sito, os guardas já não tin­ham razão para ocu­par seus postos.

A exem­plo dos buro­cratas do Par­tido Comu­nista Alemão, a maio­ria dos min­istros do STF tam­bém pas­saram uma men­sagem à pat­uleia. Suas excelên­cias decidi­ram que “ninguém” pode ser preso enquanto não sobre­vier o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória, con­forme esta­b­elece o inciso LVII, do artigo 5º, da Carta Con­sti­tu­cional.

Con­forme apren­demos no primário, nas aulas da pro­fes­sora Mar­garida, o pronome indefinido “ninguém” destina-​se a qual­quer pes­soa. Logo quando dize­mos “ninguém” será sujeito a isso esta­mos dizendo que nen­huma pes­soa se sujeitará a tal coisa.

Mas, tal qual os buro­cratas do Par­tido Comu­nista Alemão, ao assen­tirem ser incon­sti­tu­cional a prisão antes de se esgotarem todos os infini­tos recur­sos na der­radeira instân­cia da justiça, suas excelên­cias não dese­jam que tal “bene­fí­cio” se aplique a todos, neste caso, o “ninguém” con­tido na mesma Carta Con­sti­tu­cional “ganha” sig­nifi­cado rel­a­tivo, ou seja, ninguém, difer­ente do que apren­demos nas aulas do primário, não se aplica a quais­quer pessoas.

Neste caso, para que a estraté­gia dos min­istros dê certo, os guardas da fron­teira, digo, os juízes das instân­cias ini­ci­ais, terão que segu­rar a turba. Vale dizer, emb­ora ninguém possa ser preso até que ocorra o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória, os mag­istra­dos das instân­cias ini­ci­ais terão que dec­re­tar prisões pre­ven­ti­vas, sob pena de se insta­lar portas-​giratórias nos presí­dios.

O Supremo Tri­bunal Fed­eral criou a esdrúx­ula situ­ação em que o cumpri­mento de pena após con­de­nação antes do trân­sito em jul­gado é incon­sti­tu­cional mas que é con­sti­tu­cional a prisão pre­ven­tiva dec­re­tada pelo juiz de primeiro grau antes de qual­quer con­de­nação, e, depois, após a con­clusão da instrução proces­sual.

Ora, os juízes têm o dever de se man­i­fes­tar sobre a neces­si­dade de manutenção da prisão pre­ven­tiva em diver­sos momen­tos quando a mesma é cabível, agora, diante da decisão do Supremo, em nome da paz social terão que decretá-​la até quando não seja cabível, sob pena de levarem o país ao caos, com a soltura de todos que come­terem deli­tos. Sem con­tar que o próprio STF já decidiu que não se pode levar em con­sid­er­ação na dec­re­tação a gravi­dade do delito.

Noutras palavras, cri­aram as condições para o “rabo bal­ançar o cachorro”.

Não me parece razoável que se diga ser incon­sti­tu­cional que alguém passé a cumprir a pena após con­de­nação em duas instân­cias, pelo menos, mas se ache legal a manutenção ou dec­re­tação de prisão pre­ven­tiva quando o réu já foi con­de­nado e não rep­re­senta mais qual­quer risco a instrução proces­sual ou à paz social.

Como no caso do muro de Berlim não podemos pre­cisar quanto tempo esse tipo de novi­dade resi­s­tirá.

Con­forme dis­se­mos – bem lá atrás –, o Brasil vive sob a égide de um “pacto das elites” envol­vendo os líderes dos três poderes da República e do Min­istério Público, tanto assim que mesmo diante dos maiores absur­dos todos fin­gem que nada acon­tece e tra­bal­ham em con­junto para colo­carem no “gueto” as vozes dis­so­nantes.

Agora mesmo, tan­tos os ali­a­dos do pres­i­dente Bol­sonaro quanto os ali­a­dos do ex-​presidente Lula, tra­bal­ham jun­tos para silen­ciar as ruas con­tra o pacto de impunidade que cel­e­braram com a con­veniên­cia dos demais sig­natários.

O Brasil pre­cisa “der­rubar” esse muro se quiser con­quis­tar a democ­ra­cia.

Abdon Mar­inho é advo­gado.