AbdonMarinho - NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM – UM PACTO DAS ELITES CONTRA O BRASIL
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉMUM PACTO DAS ELITES CON­TRA O BRASIL

NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉMUM PACTO DAS ELITES CON­TRA O BRASIL.

Por Abdon Marinho.

NADA nos dias atu­ais tem sido mais desafi­ador do que iden­ti­fi­car­mos a ver­dade. Parece-​me que cada um diz ou “vende” aquilo que lhe é con­ve­niente à sua própria “guerra”. Ninguém mais parece preocupar-​se com o que seja ver­dade ou o que seja ape­nas peça de pro­pa­ganda eleitoral, par­tidária, ide­ológ­ica ou de con­veniên­cia pes­soal.

Em meio a toda essa neb­u­losa cortina de fumaça – e devo pedir des­cul­pas pelo irre­sistível tro­cadilho infame –, uma coisa parece-​me bas­tante clara e para ela ped­i­mos muita atenção aos homens e mul­heres lúci­dos que restaram: um pacto das elites con­tra o Brasil.

Durante sécu­los, desde o iní­cio da nossa história como nação sem­pre tive­mos uma certeza: a desigual­dade.

Os “grandes”, felizes habi­tantes do “andar de cima”, além de usarem todos os recur­sos da nação em bene­fí­cio próprio, jamais, em hipótese alguma, seriam alcança­dos pelo braço da lei.

Igual­mente, durante os sécu­los, a luta da humanidade tem sido essa busca pela igual­dade.

A Declar­ação Uni­ver­sal dos Dire­itos Humanos, de 1948, inserta tal ideal logo no seu artigo primeiro: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dig­nidade e em dire­itos. Dota­dos de razão e de con­sciên­cia, devem agir uns para com os out­ros em espírito de fraternidade”.

Firme em tal propósito, quarenta anos depois, a Con­sti­tu­ição Fed­eral, de 1988, con­sagrou o mesmo princí­pio logo no seu artigo quinto: “Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes:”.

Ape­sar de garan­tias tão fortes, sabíamos que a igual­dade propal­ada, sem­pre esteve dis­tante de ser uma real­i­dade. Exceto para pou­cas democ­ra­cia solid­i­fi­cadas, o Brasil seguia a onda do restante do mundo, onde, ape­sar da igual­dade for­mal, sem­pre soube­mos que uns “eram mais iguais do que outros”.

Ape­nas a par­tir de 2005, com o surg­i­mento do escân­dalo do “men­salão” e, pos­te­ri­or­mente, com o proces­sa­mento, jul­ga­mento e con­de­nação dos impli­ca­dos – que depois foram lev­a­dos a cumprir suas penas –, pas­samos a sen­tir uma certa mudança: a igual­dade começou a se fazer pre­sente e o braço da lei já era longo o sufi­ciente para alcançar “os felizes habi­tantes do andar de cima”.

O sen­ti­mento de que a mudança de par­a­digma era mesmo para valer gan­hou impulso com a defla­gração da Oper­ação Lava Jato, com suas dezenas de des­do­bra­men­tos, oper­ações, prisões, bus­cas e apreen­sões, recu­per­ação de bil­hões de dólares rou­ba­dos, jul­ga­men­tos e con­de­nações a duras penas dos impli­ca­dos, diver­sas autori­dades, políti­cos, como ex-​deputados, ex-​governadores, empresários das maiores empre­sas do Brasil e, até mesmo, um ex-​presidente da República, coin­ci­den­te­mente, o mais pop­u­lar da história recente do país.

Aqui, ressalte-​se, não se trata de júbilo pelo infortúnio pes­soal de quem quer que seja, mas, ape­nas o reg­istro da mudança ocor­rida no país. Quem há pou­cas décadas iria imag­i­nar um grande empresário, um político de primeira grandeza como hós­pede do Estado?

Longe de quere­las e sen­ti­men­tos de cunho ide­ológico, o que se louva, por­tanto, é o reg­u­lar fun­ciona­mento das insti­tu­ições, para quem todos os cidadãos devem rece­ber igual trata­mento per­ante a lei.

Mas, como diz o ditado pop­u­lar “ale­gria de pobre dura pouco”, de uns tem­pos para cá temos teste­munhado diver­sas ini­cia­ti­vas e situ­ações visando levar o país ao retro­cesso insti­tu­cional, aos tem­pos de “casa grande e sen­zala”, com os habi­tantes do “andar de cima”, mais uma vez, inim­putáveis e inal­cançáveis pelo braço lei.

E vão além, querem punir os ousarem desafiar tal “sta­tus quo”.

Trata-​se do novo “pacto das elites”, escrito ou não, for­mal­mente com­bi­nado ou não, mas que todos pare­cem saber o seu papel e o desem­penha com abne­gação.

Nas altas cúpu­las da República “ninguém solta a mão de ninguém”, num ver­gonhoso esquema de pro­teção mútua a desafiar a con­quista da igual­dade entre os cidadãos.

A ban­dalha tem iní­cio com a par­tic­i­pação do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, que, por imposição legal/​constitucional é o guardião da Con­sti­tu­ição, con­forme esta­b­elece o artigo 102: “Com­pete ao Supremo Tri­bunal Fed­eral, pre­cipua­mente, a guarda da Con­sti­tu­ição, cabendo-​lhe:”.

Ape­sar da relevân­cia do cargo – e do papel que desem­pen­ham –, os min­istros da mais ele­vada corte do país são os primeiros a não se “darem o respeito” e agirem de forma indeco­rosa, pois sabem que estão acima da lei.

Como reles mar­gin­ais, são capazes dos maiores absurdos.

Não faz muito tempo uma pub­li­cação trouxe ao con­hec­i­mento da pat­uleia que a Usina de Itaipu ban­cava (ou con­tinua ban­cando) via­gens dos min­istros e de suas famílias pelos “qua­tro can­tos do mundo”. Não se ouviu uma expli­cação, um esclarecimento.E, talvez seja o de menos.

Os últi­mos tem­pos tem sido prodi­giosos na rev­e­lação dos malfeitos das excelên­cias.

Para fugir às críti­cas, imag­inem, a mais ele­vada Corte do país abriu um inquérito sig­iloso sob o argu­mento que iria apu­rar fakes news assacadas con­tras as excelên­cias. Antes já tin­ham deter­mi­nado a cen­sura prévia à revista eletrônica Cru­soe e ao site O Antag­o­nista.

Mas quem pre­cisa se valer de fake news quando a real­i­dade, à vista de todos, é ainda mais assus­ta­dora?

Quem não sabe que tem min­istro que atua mais como empresário do que como juiz da corte?

Quem ignora que os escritórios das suas famílias, mesmo das esposas, remu­neram algu­mas excelên­cias? Isso não é fake news.

Mas os min­istros se jul­gam acima da lei e por isso mesmo deter­mi­nam a sus­pen­são de inves­ti­gações que pos­sam chegar a eles, como bem recen­te­mente fiz­eram com “finado” COAF e com a Receita Fed­eral, impondo a esta última a sus­pen­são admin­is­tra­tiva dos seus fis­cais.

O que faziam os fis­cais? Fis­cal­izavam movi­men­tação sus­peitas de uma cen­tena de CPF’s.

Qual a razão das con­tas dos min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral, Supe­rior Tri­bunal de Justiça ou de qual­quer outro tri­bunal do país não poderem ser devas­sadas? O que teriam a escon­der da pop­u­lação que paga as suas contas.

Na ver­dade o Poder Judi­ciário dev­e­ria agir como a Mul­her de César, além de ser hon­esto, dev­e­ria pare­cer hon­esto e dar exem­plo.

Seus inte­grantes dev­e­riam ser os primeiros a não recearem quais­quer devas­sas em suas contas.

Aliás, dev­e­ria ser de lei a proibição a qual­quer sig­ilo quanto aos seus rendi­men­tos pois dev­e­riam viver só com aquilo que recebem dos cofres públi­cos legal­mente, o que seria mais que o sufi­ciente posto que gan­ham o teto do fun­cional­ismo.

Se querem ser ricos aban­donem as togas e virem empresários de fato é de direito.

Mas como dito no iní­cio deste texto, as excelên­cias, todas elas, pre­cisam se “defend­erem”, ninguém larga a mão de ninguém. Faz parte do roteiro.

O princí­pio da igual­dade per­ante a lei pas­sou foi longe das autori­dades brasileiras que não se con­strangem com quais­quer absurdo que venha acon­te­cer e estão dis­pos­tos a ir às últi­mas con­se­quên­cias para que o império da impunidade volte a reinar.

Agora mesmo têm como obje­tivo encon­trar uma solução para o pri­sioneiro número um país, o ex-​presidente Lula.

O Lula espirra e lá está um min­istro pronto a jul­gar qual­quer réclame.

Outro dia, para o espanto da nação, assis­ti­mos ao Supremo Tri­bunal Fed­eral, a mais ele­vada Corte do país fun­cio­nando como juízo de exe­cução penal.

Segundo alguns cál­cu­los o ex-​presidente já inten­tou cerca de duas cen­te­nas de recur­sos para sair da cadeia, anu­lar seus proces­sos e ficar impune, até agora nen­hum sur­tiu o efeito necessário. E não foi por falta de inter­esse dos seus jul­gadores da Praça dos Três Poderes. É mesmo por falta de sus­ten­tação jurídica.

Se depen­desse da von­tade de cer­tos min­istros faz tempo que o ex-​presidente estaria em casa con­tando loro­tas aos incautos.

Vimos do que são capazes. Em questão de horas um decisão de juiz de primeira instân­cia foi des­feita pelo órgão máx­imo da justiça do país, com dire­ito a inter­rupção da sessão onde dezenas de out­ros feitos estavam sendo jul­ga­dos para rece­ber os par­tidários do ex-​presidente.

O agachamento dos min­istros ao sen­hor Lula já levou alguns arti­c­ulis­tas a apel­i­darem o STF (Supremo Tri­bunal Fed­eral) de STL (Supremo Tri­bunal do Lula).

É o que acon­tece quando se dá o respeito.

Mas, como dito, o que acon­tece no Supremo não é um fato iso­lado. Tudo faz parte do “pacto das elites” em curso.

Não deve­mos estran­har se muito em breve o Supremo jul­gar proce­dente uma ação pro­posta pelo Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB, que visa proibir a prisão antes do trân­sito em jul­gado. Aquele “saidão” que o min­istro Marco Aurélio Melo ten­tou no final do ano pas­sado, no último dia de expe­di­ente e que não vin­gou.

O PCdoB pre­tende a soltura de cerca de 180 mil del­i­quentes de todos os naipes para soltar junto com eles o ex-​presidente Lula.

O Con­gresso Nacional nos brindou com a Lei do Abuso de Autori­dades.

Claro que nen­huma pes­soa de bom senso é con­trário à uma lei que com­bata o abuso de autori­dade. Como cansa­dos de saber – e como demon­strado acima –, uma lei que vise coibir abu­sos é mais que necessária.

Quem não quer que todos os cidadãos, oper­adores do dire­itos sejam trata­dos com respeito e urban­idade?

Uma lei que com­bata abu­sos é boa para todos, inclu­sive para os bons juizes, os bons pro­mo­tores, os bons del­e­ga­dos, os bons poli­ci­ais, os bons cidadãos.

Acon­tece que a lei recém-​aprovada, em que pese tenha alguns pon­tos volta­dos a isso, na ver­dade o que ela pre­tende é aniquilar os instru­men­tos de inves­ti­gações sobre os poderosos, sobre os vel­hos “habi­tantes do anda de cima”, como sem­pre foi. Uma maçã enve­ne­nada.

A grande parte do Con­gresso Nacional está pre­ocu­pada com o abuso ou a igual­dade entre os cidadãos, eles já se sen­tem supe­ri­ores a isso. O propósito de tais ini­cia­ti­vas é a “auto-​preservação”, estão leg­is­lando, ver­dadeira­mente, em causa própria.

Nesta mesma linha foi a ini­cia­tiva que vetou a incor­po­ração do COAF no Min­istério da Justiça e “desidrata” sem­pre que tem a opor­tu­nidade o “Pacote Anti­crime” pro­posto pelo min­istro Sér­gio Moro.

Se demon­strado que segui­men­tos dos poderes judi­ciário leg­isla­tivos estão com­pro­meti­dos com o “pacto das elites”, existe a clara con­statação que o Poder Exec­u­tivo tam­bém a ele se encon­tra com­pro­metido.

Os três poderes estão de mãos dadas na con­quista da impunidade.

As provas mate­ri­ais do que digo estão aí para qual­quer um ver. O dis­curso do pres­i­dente deu um giro de 180 graus, indo do “dei carta branca ao min­istro Sér­gio Moro” a “quem manda sou eu”. Pior que o dis­curso são as várias desautor­iza­ções ao min­istro, as inter­venções na Receita Fed­eral, na Polí­cia Fed­eral e tan­tos out­ros órgãos, sem con­tar que nunca moveu uma “palha” para que pacote anti­crime do min­istro fosse aprovado, pelo con­trário, muitos dos seus par­tidários fazem é tra­bal­har contra.

A aposta é que ainda não demi­tiu o min­istro, que largou uma car­reira sól­ida na mag­i­s­tratura para aten­der ao seu chamado de com­bater a cor­rupção com uma rede e não com uma vara de pesca, por covar­dia. As humil­hações que impõe ao min­istro é um recado para que ele saia por livre e espon­tânea von­tade.

Resta saber quanto tempo Moro vai resistir.

O pres­i­dente age, infe­liz­mente, como aquele menino pobre que sem­pre foi mal­tratado e agora foi admi­tido no time dos dos “bem-​nascidos”, no clube dos ricos, na frater­nidade da elite.

Assisto a tudo isso com aquela velha sen­sação de que a a vida copia a arte.

O que assis­ti­mos é a real­i­dade de O Império Con­tra Ataca, com a liq­uidação de quase todas as forças da Resistên­cia.

No Brasil de hoje, a “Resistên­cia” às forças do “Império” está cada vez menor. Os homens de bem resistiremos?

Abdon Mar­inho é advo­gado.