AbdonMarinho - SUPREMO BAIXA SEU AI Nº. 5 E AÇULA OS CENSORES.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

SUPREMO BAIXA SEU AI Nº. 5 E AÇULA OS CENSORES.

Por Abdon Marinho.

QUAL­QUER pes­soa com um mín­imo de con­hec­i­mento de história sabe o real sig­nifi­cado da edição do Ato Insti­tu­cional nº. 5, de 13 de dezem­bro de 1968, para o endurec­i­mento do régime mil­i­tar implan­tado em 1964. Alguns his­to­ri­adores até atribuem a esse fato o iní­cio da ditadura.

Não sem razão, através daquele ato o pres­i­dente da República, ficava autor­izado a dec­re­tar recesso no Con­gresso Nacional, nas Assem­bléias Leg­isla­ti­vas e nas Câmaras de Vereadores, só voltando a fun­cionar quando con­vo­ca­dos pelo pres­i­dente; pode­ria dec­re­tar inter­venção nos Esta­dos e Municí­pios, sem as lim­i­tações pre­vis­tas na Con­sti­tu­ição de 1967; pode­ria sus­pender os dire­itos políti­cos de quais­quer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cas­sar os man­da­dos ele­tivos; sus­pender as garan­tias con­sti­tu­cionais ou legais de: vital­i­ciedade, inamovi­bil­i­dade e esta­bil­i­dade, bem como a de exer­cí­cio em funções por prazo certo; pode­ria dec­re­tar estado do sitio ou prorrogá-​lo; dec­re­tar con­fisco de bens, entre outras.

O ato insti­tu­cional sus­pendia, ainda, a garan­tia do habeas cor­pus, nos casos de crimes políti­cos, con­tra a segu­rança nacional, a ordem econômica e a econo­mia pop­u­lar.

Foi Con­fú­cio, o sábio chinês, que disse que uma cam­in­hada de mil léguas se ini­cia com um primeiro passo.

Por estes dias o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, “baixou” seu Ato Insti­tu­cional nº. 5, e deu o primeiro passo rumo a um futuro incerto, para ele próprio, e para a democ­ra­cia brasileira.

Primeiro, seu pres­i­dente, inter­pre­tando de forma “bem par­tic­u­lar” uma norma reg­i­men­tal, decidiu que era hora do STF, virar inves­ti­gador, denun­ci­ador e jul­gador de supostas ofen­sas per­pe­trada con­tra min­istros da corte, não sat­is­feito, igno­rando todo e qual­quer princí­pio, resolveu “nomear” a autori­dade respon­sável pela con­dução do feito.

Segundo, como achou pouco as medi­das de “estranha excep­cional­i­dade” já ado­tadas, o pres­i­dente da corte, citado em matérias jor­nalís­ti­cas, em causa própria, decidiu requerer, ao min­istro que “nomeara” para con­dução daquele feito, a cen­sura de uma matéria especí­fica e das notí­cias rela­cionadas, o que con­seguiu de plano, tendo o pres­i­dente do feito, ainda, deter­mi­nado, não ape­nas a cen­sura dos tex­tos jor­nalís­ti­cos, como a inquir­ição dos dos seus autores, inves­ti­gação sobre o vaza­mento da infor­mação e a busca e apreen­são de equipa­men­tos nas residên­cias e/​ou escritórios de quem, por­ven­tura, tivesse emi­tido alguma opinião des­fa­vorável à corte ou aos seus inte­grantes.

A ati­tude tres­lou­cada dos dois min­istros, além de terem chamado ainda mais a atenção para as matérias jor­nalís­ti­cas e os doc­u­men­tos que as embasaram, “virou” a ver­dadeira notí­cia.

Em todos lugares, mesmo nas mesas de bares, nos happy hour dos ami­gos, nos ban­cos das praças, enquanto os mais vel­hos jogam car­tas ou dom­inó, o assunto incon­tornável tem sido a cen­sura imposta pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral à revista e ao site que divul­garam a matéria onde citava o ministro-​presidente da corte, como “amigo do amigo do meu pai. Onde o amigo do amigo seria o ministro-​presidente do STF, o amigo, o ex-​presidente Lula, preso e con­de­nado por cor­rupção e lavagem de din­heiro a quase um quarto de século de cadeia, o pai seria o empresário Emílio Ode­brecht, e o filho, o empresário Marcelo Bahia Ode­brecht, que deu a declaração.

Isso sem falar nos debates nas redes soci­ais ou nos vários gru­pos de aplica­tivos.

Há muito tempo não se ouvia – ou dis­cu­tia –, tanto sobre a liber­dade de expressão e de pen­sa­mento.

A cen­sura, emb­ora ainda pre­sente em algu­mas situ­ações, era algo excep­cional de algum “afoito” incon­for­mado com os dire­itos con­sagra­dos na Con­sti­tu­ição Federal.

Com efeito, já no título segundo da Carta Magna, que trata dos dire­itos e garan­tias fun­da­men­tais, no seu capí­tulo primeiro, que trata dos dire­itos e deveres indi­vid­u­ais e cole­tivos, restam con­sagra­dos que: “é livre a man­i­fes­tação do pen­sa­mento, sendo vedado o anon­i­mato”; “é asse­gu­rado o dire­ito de resposta, pro­por­cional ao agravo, além da ind­eniza­ção por dano mate­r­ial, moral ou à imagem”; “é livre o exer­cí­cio de qual­quer tra­balho, ofí­cio ou profis­são, aten­di­das as qual­i­fi­cações profis­sion­ais que a lei esta­b­ele­cer”; “é asse­gu­rado a todos o acesso à infor­mação e res­guardado o sig­ilo da fonte, quando necessário ao exer­cí­cio profis­sional”. (Art. 5º, incisos IV, V, XIII e XIV).

Nestes mes­mos título e capit­ulo, a Con­sti­tu­ição esta­b­elece: “são invi­o­láveis a intim­i­dade, a vida pri­vada, a honra e a imagem das pes­soas, asse­gu­rado o dire­ito a ind­eniza­ção pelo dano mate­r­ial ou moral decor­rente de sua vio­lação”. (Art. 5º, X).

Vejam, que emb­ora a Carta garan­ti­ndo a invi­o­la­bil­i­dade a intim­i­dade, a vida pri­vada, a honra e a ima­gens das pes­soas, para estas vio­lações diz ser asse­gu­rado o dire­ito à ind­eniza­ção pelo dano mate­r­ial ou moral.

Quer dizer, ainda que haja excesso numa pub­li­cação ou man­i­fes­tação de pen­sa­mento, ela não pode sofrer restrição, para ela sendo asse­gu­rado o dire­ito à ind­eniza­ção por danos mate­ri­ais ou morais ao suposto ofen­dido.

Não bas­tassem tais regras esposadas logo no título ref­er­ente aos dire­tos e garan­tias fun­da­men­tais, no título oitavo, que trata da ordem social, capí­tulo cinco, que trata da comu­ni­cação, resta expresso no artigo 220: “A man­i­fes­tação do pen­sa­mento, a cri­ação, a expressão e a infor­mação, sob qual­quer forma, processo ou veículo não sofr­erão qual­quer restrição, obser­vado o dis­posto nesta Constituição”.

E, vai além nos seus pará­grafos: “Nen­huma lei con­terá dis­pos­i­tivo que possa con­sti­tuir embaraço à plena liber­dade de infor­mação jor­nalís­tica em qual­quer veículo de comu­ni­cação social, obser­vado o dis­posto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” e “É vedada toda e qual­quer cen­sura de natureza política, ide­ológ­ica e artística”.

Ora, ao Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição, com­pete “pre­cipua­mente, a guarda da Con­sti­tu­ição” (art. 102), logo há de se inda­gar qual parte dos dis­pos­i­tivos acima referi­dos seus “ministros-​censores” não con­hecem ou mesmo se, como guardiões da Carta Magna, se colo­cam acima dela, se per­mitindo inter­pre­tar de forma diversa do seu con­teúdo literal.

Os fatos dos últi­mos dias, com min­istros do Supremo, deixando a toga de guardião da Con­sti­tu­ição, para se vestirem de cen­sores de pub­li­cações jor­nalís­ti­cas, abre séria fis­sura no orde­na­mento jurídico pátrio.

Onde já se viu min­istros da mais ele­vada Corte descon­hecer ou, pior que isso, afrontar de forma incon­teste a Con­sti­tu­ição que dev­e­riam guardar?

Na ver­dade, não é de hoje que muitos dos min­istros dos nos­sos tri­bunais ado­tam com­por­ta­men­tos incom­patíveis com a dig­nidade dos car­gos que ocu­pam.

Meu pai que, como sabem, era anal­fa­beto por parte de pai, mãe e parteira, tinha uma regra infalível, dizia ele: “— meu filho, quer respeito, se dê respeito”.

As críti­cas dis­pen­sadas por parte da sociedade a alguns dos min­istros da nossa Suprema Corte – por enquanto, ainda não à sua total­i­dade –, é fruto de uma série de decisões e com­por­ta­men­tos ques­tionáveis ou dados ao sabor das con­veniên­cias, que levaram o país a uma inse­gu­rança jurídica jamais exper­i­men­tada em qual­quer tempo da história.

Mesmo nos diver­sos perío­dos de exceção, as pes­soas tin­ham seus dire­itos vio­la­dos pelos dita­dores de plan­tão ou seus pre­pos­tos, mas não pelo mem­bros do Poder Judi­ciário, a quem tin­ham como trincheira der­radeira da cidada­nia. Ainda que uma decisão fosse con­trária, havia o sen­ti­mento de respeito, pois se acred­i­tava na justeza de vere­dicto judi­cial e não se tin­ham notí­cias de decisões sob medida ao atendi­mento de inter­esses pes­soais.

Daí terem o respeito e a con­sid­er­ação da sociedade brasileira. Não é mais o que vemos nos dias atu­ais, quando, por não se darem ao respeito, per­dem o respeito da sociedade.

Outro dia, com estu­pe­fação, tomei con­hec­i­mento de um ato de “desagravo” pro­movido pelo STF em sua defesa. E viu-​se uma pro­cis­são de enti­dades pre­stando “sol­i­dariedade” e “desagra­vando” o tribunal.

Meu Deus, como cheg­amos ao ponto da mais ele­vada Corte de Justiça cla­mar por sol­i­dariedade e desagravo? Implo­rar por respeito?

O respeito, a sol­i­dariedade não são coisas a serem pedi­das ou implo­radas, são coisas con­quis­tas.

Ao pro­moverem aquele ato no salão nobre dos jul­ga­men­tos plenários, senti pro­funda tristeza.

Tangido por aquilo que se chama de “ver­gonha alheia”, mudei de canal para não assi­s­tir a tamanha degradação. Ali pen­sei ser o pior momento do tri­bunal. Pior, até mesmo, que os histéri­cos e afron­tosos bate-​bocas entre as excelências.

O episó­dio da cen­sura, moti­vada por inter­esse de cunho pes­soal, rev­ela que ainda podiam cavar um pouco mais no fosso da dete­ri­o­ração moral.

A ressur­reição da cen­sura, violando a Con­sti­tu­ição Fed­eral, e tendo por base a dis­pos­i­tivos da Lei de Segu­rança Nacional, der­radeiro entulho do régime mil­i­tar, só encon­tra a defesa daque­les que, emb­ora jurem defender a democ­ra­cia brasileira, nada mais são que ado­radores de ditaduras.

Ape­sar dos pesares, como se dizia antiga­mente, nem tudo está per­dido. Ao meu sen­tir, não foi o tri­bunal que perdeu o respeito ou a legit­im­i­dade per­ante a sociedade – ainda não, repito –, quem perdeu a ambos, foram alguns dos seus min­istros e isso é pos­sível cor­ri­gir se a grande maio­ria ou o Senado da República, não se omi­tirem e tiverem a cor­agem de faz­erem aquilo que a Con­sti­tu­ição impõe que se faça.

Tudo isso, entre­tanto, se super­ada essa longa noite, deve servir de reflexão para escolha de futuros min­istros. Deve­mos ter em mente que não os cre­den­ciam o fato de serem ami­gos do poderoso de plan­tão, ser advo­gado dos poderosos, asses­sor do par­tido do poder e out­ros atrib­u­tos não pre­vis­tos na con­sti­tu­ição, e, prin­ci­pal­mente, que não deve­mos aqui­escer ou fechar os olhos, nunca mais, às ten­ta­ti­vas crim­i­nosas de apar­el­hamento do Estado.

Agora é torcer para esse texto não ser cen­surado.

Abdon Mar­inho é advo­gado.