AbdonMarinho - A POLÍCIA POLÍTICA E O SILÊNCIO OBSEQUIOSO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A POLÍ­CIA POLÍTICA E O SILÊN­CIO OBSEQUIOSO.

A POLÍ­CIA POLÍTICA E O SILÊN­CIO OBSEQUIOSO.

Por Abdon Marinho.

A POLÊMICA do momento no Brasil é a deter­mi­nação do pres­i­dente da República para que os quar­téis comem­o­rem a golpe mil­i­tar de 1964. Enti­dades e famil­iares das víti­mas do régime mil­i­tar entraram na justiça e o min­istério público fed­eral fez recomen­dações para que isso não ocorra.

A ditadura foi o mais triste período da história recente do país, encer­rado ofi­cial­mente em março de 1985, com eleição de Tan­credo Neves, pelo Colé­gio Eleitoral e, defin­i­ti­va­mente sepul­tado, com a pro­mul­gação da Carta Con­sti­tu­cional de 1988, opor­tu­nidade em que o pres­i­dente da Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte, Ulysses Guimarães, externou, em nome do povo brasileiro, a repulsa aos regimes de exceções.

Pas­sa­dos tan­tos anos, no Maran­hão, exper­i­men­ta­mos um clima de retro­cesso democrático que jamais imag­iná­va­mos que fosse ocor­rer.

Pior que isso, sem que as insti­tu­ições e as autori­dades se dêem conta da gravi­dade dos fatos.

Há dias cir­cu­lam nos veícu­los de comu­ni­cação notí­cias de que um del­e­gado de polí­cia – registre-​se, apan­hando em “malfeitos” diver­sos –, declarou, em juízo, ter sido ori­en­tado pelo secretário de segu­rança para inves­ti­gar qua­tro desem­bar­gadores do estado.

Poder-​se-​ia dizer – e a acred­ito que as autori­dades usarão tal argu­mento –, que se trata de alguém que, apan­hado nos seus próprios deli­tos, como vin­gança e para enlamear e enfraque­cer as inves­ti­gações, tenta desviar o foco para out­ros assun­tos. Pode ser.

O argu­mento, entre­tanto, falece de sus­ten­tação quando lem­bramos não ser a primeira vez que noti­cias deste tipo cir­cu­lam.

Ano pas­sado tive­mos notí­cias de um expe­di­ente encam­in­hado a mil­itares lota­dos no inte­rior, alertando-​os a faz­erem lev­an­ta­men­tos sobre lid­er­anças políti­cas para “fins eleitorais”.

Naquela opor­tu­nidade o gov­erno disse tratar-​se de um equiv­oco, que jamais coon­es­taria com tais práti­cas, prom­e­teu inves­ti­gação, proces­sos, etc. Até hoje, pelo menos eu, não tomei con­hec­i­mento de qual­quer punição aos envolvi­dos e se de fato isso ocor­reu.

Além deste fato, sem­pre foi voz cor­rente nos meios políti­cos, notí­cias sobre supos­tos “lev­an­ta­men­tos”, bis­bil­ho­tices sobre os cidadãos maran­henses, políti­cos, empresários, lid­er­anças, jor­nal­is­tas e qual­quer um que rep­re­sente alguma importân­cia para os atu­ais donatários do poder.

Ainda na leg­is­latura pas­sada, uma par­la­men­tar chegou a me con­fi­den­ciar que deter­mi­nada pes­soa que já havia lhe declar­ado apoio, foi chamada “em palá­cio”, onde usaram argu­men­tos “fortes” para obrigá-​la a repen­sar a decisão – o que, de fato, acon­te­ceu.

A imprensa já noti­ciou diver­sas vezes a avalanche de proces­sos que sofr­eram, ou estão sofrendo, jor­nal­is­tas no estado, por criti­carem o gov­erno, inclu­sive, na esfera criminal.

Assim, a con­fis­são de alguém que até bem pouco tempo ocu­pava cargo de tanto relevo na estru­tura estad­ual, chegando a ser con­dec­o­rado “por bons serviços” pelo atual gov­erno – ainda que se façam ressal­vas –, não pode ser igno­rada.

Caso ver­dade, todas essas práti­cas são incom­patíveis com a democ­ra­cia e a liber­dade dos cidadãos.

A manutenção de uma “polí­cia política” é uma prática crim­i­nosa a afrontar o Estado Democrático de Dire­ito.

Diante de tudo isso, causa-​me estu­pe­fação que mesmo diante da infor­mação de que desem­bar­gadores (e sabe-​se lá mais quem) foram, ile­gal e crim­i­nosa­mente, inves­ti­ga­dos pela “poli­cia polit­ica do estado”, tal fato não tenha, até agora, des­per­tado indig­nação das autori­dades e dos setores orga­ni­za­dos da sociedade.

Não sei se estou ficando louco, mas acred­ito que não é todo dia que se divulga infor­mações dando conta que desem­bar­gares estão sofrendo inves­ti­gação clan­des­tina com o propósito de intimida-​los ou “prendê-​los”.

Ape­sar da gravi­dade da infor­mação, estam­pada em blogues e jor­nais, do depoi­mento do del­e­gado, em vídeo, rela­tando tais fatos, o sitio do gov­erno estad­ual – e mesmo da Sec­re­taria de Segu­rança –, não con­sta uma nota de esclarec­i­mento, um des­men­tido.

Agem como se nada estivesse ocor­rendo. Com­preen­sível. Devem pen­sar: se não falar­mos sobre o assunto, ele não existe. Trata-​se, por óbvio, de uma lóg­ica “torta”, mas com­preen­sível.

Incom­preen­sível é o Tri­bunal de Justiça, até agora, repito, não ter feito uma man­i­fes­tação, cobrado um esclarec­i­mento do gov­erno estad­ual, emi­tido um protesto, solic­i­tado uma providên­cia aos tri­bunais supe­ri­ores diante da gravi­dade da noti­cia.

No sitio do tri­bunal, não con­sta sequer uma nota de sol­i­dariedade aos desem­bar­gadores suposta­mente inves­ti­ga­dos.

O tri­bunal pode­ria dizer que a palavra do del­e­gado – que foi apan­hado em “malfeitos” –, não merece qual­quer crédito. Ou, que aceitam a “não resposta” do gov­erno estad­ual como argu­men­tação sufi­ciente de sua inocên­cia à imputação feita.

O silên­cio diante da infor­mação de um crime cometido con­tra o tri­bunal passa à sociedade a impressão que ninguém no estado está seguro.

Se têm a ousa­dia de inves­ti­garem de forma clan­des­tina e ile­gal os desem­bar­gadores do estado, o que será de nós, pobres mortais?

Se o silên­cio do Tri­bunal de Justiça diante de tão graves notí­cias – envol­vendo seus próprios mem­bros –, já causa pre­ocu­pação, o que dizer do mutismo do Min­istério Público Estad­ual do mesmo fato?

O Min­istério Público, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição Fed­eral, artigo 127, “é insti­tu­ição per­ma­nente, essen­cial à função juris­di­cional do Estado, incumbindo-​lhe a defesa da ordem jurídica, do régime democrático e dos inter­esses soci­ais e indi­vid­u­ais indisponíveis”.

Além disso, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição, cumpre-​lhe “exercer o con­t­role externo da ativi­dade poli­cial”.

Ape­nas uma leitura de tais dis­posições já é o sufi­ciente para saber que o MPE tem o dever de bus­car a ver­dade, apu­rar tais fatos, cobrar expli­cações e esclare­cer a sociedade se os mes­mos são ver­dadeiros ou não, bem como, perseguir a respon­s­abi­liza­ção dos cul­pa­dos, se exi­s­tirem.

Em todo caso, não pode se omi­tir, não pode deixar de prestar con­tas à sociedade.

Ape­sar disso, com os vídeos cir­cu­lando nos blogues, notí­cias em jor­nais, rela­tando fatos tão graves – e out­ras mais graves ainda, como manip­u­lação de inves­ti­gações crim­i­nais –, até agora, pelo menos no sitio do Min­istério Público Estad­ual, não con­sta qual­quer infor­mação sobre as providên­cias que estão sendo ou que serão ado­tadas em relação aos mes­mos.

O MPMA vai aceitar o silên­cio das autori­dades do gov­erno estad­ual como expli­cação sufi­ciente? Ou será que, per­di­dos em suas quere­las inter­nas, ninguém se deu ao tra­balho de ver­i­ficar as noti­cias que cir­cu­lam nos meios de comunicação?

Outra insti­tu­ição que, tam­bém, guarda obse­quioso silên­cio é a Assem­bleia Leg­isla­tiva, nen­hum dos dep­uta­dos fez um protesto for­mal ou cobrou uma providên­cia – pelo menos não con­sta no seu sitio na inter­net –, nem a ala gov­ernista (ainda para defender o gov­erno, óbvio) ou da oposição, em sen­tido con­trário. Mas isso era de se esperar.

Não faz muito tempo, um dos seus inte­grantes, detido após abuso de bebida alcoólica e out­ras sub­stân­cias, e por agressão a um can­tor e ameaças a poli­ci­ais, em um estado viz­inho, tendo declar­ado naquela opor­tu­nidade, den­tre out­ras coisas: “a gente mata gente”, até a pre­sente data, nen­huma das excelên­cias com assento na Casa de Manuel Bequimão, disse qual­quer coisa sobre o assunto ou tomou alguma iniciativa.

Aliás, o mesmo com­por­ta­mento das demais insti­tu­ições, inclu­sive do Min­istério Público, a quem reputo, teria a respon­s­abil­i­dade de apu­rar se de fato o dep­utado e seus famil­iares, como ele próprio declarou “mata gente”, “manda matar gente”.

A impressão que fica é que existe um vazio insti­tu­cional no estado, com as autori­dades – pelo menos do ponto de vista de se pro­nun­cia­rem pub­li­ca­mente –, se omitindo diante de fatos graves; fatos gravís­si­mos, frise-​se.

São fatos que, diante do vazio e/​ou omis­são das insti­tu­ições, recla­mariam uma inter­venção fed­eral no estado.

Um dia o dep­utado diz que ele e a família “matam gente”; outro dia, um del­e­gado informa à justiça que inquéri­tos foram manip­u­la­dos aten­dendo a esse ou aquele inter­esse (escuso); outra vez, que até desem­bar­gadores foram ou estão sendo inves­ti­ga­dos de forma ile­gal e clan­des­tina pelo gov­erno estad­ual, etcetera.

Quem mais estaria sendo? Juizes? Advo­ga­dos? Jor­nal­is­tas? Cidadãos comuns? Lid­er­anças políti­cas? Quais out­ros inquéri­tos estariam sendo manipulados?

Nen­huma autori­dade tem nada a dizer sobre tais fatos? Esta­mos vivendo uma democ­ra­cia ou o prenún­cio de uma ditadura?

Vejam, isso tudo pode ser men­tira, mas as autori­dades devem esclarec­i­men­tos sobre estes fatos. A sociedade não pode viver na inse­gu­rança de ser ou de já está sendo a vitima da vez.

É mín­imo que nos deve!

Diante da deter­mi­nação (ao meu sen­tir, absurda) do pres­i­dente da República, para fes­te­jarem nos quar­téis o 31 de março, cel­e­brando a rup­tura da democ­ra­cia e a inau­gu­ração do régime de exceção, assisto aos jus­tos protestos de parte da sociedade, de algu­mas enti­dades e instituições.

Diante de fatos tão graves que estariam acon­te­cendo no pre­sente, em nosso estado, assisto ao impávido silên­cio de todos.

Os mes­mos que protes­tam pela “hom­e­nagem” aos fatos do pas­sado são os mes­mos que silen­ciam diante dos graves fatos do pre­sente e que ameaçam o futuro de nossa gente.

Abdon Mar­inho é advogado.