AbdonMarinho - CUMPRA-SE, CONFORME A VONTADE DEL REI.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

CUMPRA-​SE, CON­FORME A VON­TADE DEL REI.

CUMPRA-​SE, CON­FORME A VON­TADE DEL REI.

Por Abdon Mar­inho.

UM AMIGO, dos mais queri­dos, cobrou-​me uma posição a respeito de um polêmico decreto do gov­erno estad­ual. Tinha visto a matéria nos diver­sos meios de comu­ni­cação, porém, pelo inusi­tado do tema, achei tratar-​se de exagero da mídia.

Diante da provo­cação fui atrás da fonte: o decreto. Encontrei-​o, sob o número 34.593, de 30 de novem­bro de 2018, pub­li­cado na edição do Diário Ofi­cial do Estado do dia 03 de dezem­bro pp., com­posto de três arti­gos, vai assi­nado por sua Excelên­cia, o gov­er­nador e pelo Secretário-​Chefe da Casa Civil.

Amante das boas con­struções da fan­tás­tica lín­gua por­tuguesa, devo con­fes­sar que achei o decreto, ape­sar de sim­ples (ape­nas três arti­gos), de uma extra­ordinária riqueza lin­guís­tica. O artigo primeiro, que encerra a prin­ci­pal polêmica, afirma aquilo que, em tese, nega.

Vejam: “A implan­tação de qual­quer van­tagem ori­unda de decisão judi­cial será cumprida medi­ante existên­cia de dotação orça­men­tária e finan­ceira ates­tada pela Sec­re­taria de Estado de Plane­ja­mento e Orça­mento — SEPLAN”. Fan­tás­tica a con­strução da frase. Os autores do decreto dizem que a decisão judi­cial “será cumprida”, para depois impor uma condi­cio­nante e colo­car acima de todo o Poder Judi­ciário do Estado, quiçá do País, o servi­dor de ter­ceiro ou quarto escalão da buro­c­ra­cia estatal respon­sável pelo “ateste” da existên­cia de dotação orça­men­tária e finan­ceira.

Um único artigo – de magras três lin­has –, com tanta riqueza lin­guís­tica e sig­nifi­cações.

O “cumpra-​se” dos mag­istra­dos, que apren­demos na fac­ul­dade, pos­sui a força, esse sim, de decreto-​lei, ficando condi­cionado ao que vai dizer, com todo respeito, o seu Zez­inho da Silva, encar­regado de zelar pelas dotações orçamentárias.

Decerto que ninguém prega ou deseja que sejam vio­ladas a Lei Com­ple­men­tar 1012000 (a chamada Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF), a Lei Orça­men­tária Anual, a Lei de Dire­trizes Orça­men­tárias ou mesmo o Plano Pluri­an­ual, invo­cadas no con­siderando único do decreto, pelo con­trário, entre­tanto, não se pode deixar de recon­hecer que exis­tem regras escritas ou não que pre­ce­dem tal ordenamento.

Uma das regras mais ele­mentares do dire­ito é que os Poderes do Estado são har­môni­cos, porém inde­pen­dentes.

Como fica essa inde­pendên­cia se uma decisão judi­cial para ser cumprida pre­cisa pas­sar pelo crivo, pelo “aprovo” do servi­dor (e digo isso com todo respeito) encar­regado de ver­i­ficar se existe ou não dotação orça­men­tária?

O “aprovo” do seu Zez­inho, no campo prático, passa a ter mais relevân­cia que o “cumpra-​se” do magistrado.

Outra regra ele­men­tar de con­vivên­cia nas democ­ra­cias é aquela que esta­b­elece que as decisões judi­ci­ais exis­tem para serem cumpri­das. Apren­demos isso logo no primeiro ano do curso de dire­ito e as pes­soas sen­sa­tas, nem pre­cisam estu­dar dire­ito para saberem disso.

Não se quer dizer com isso que as decisões judi­ci­ais são imutáveis e não podem ser con­tes­tadas. Longe disso, podem e devem, quando necessário, sofr­erem con­tes­tação dos insat­is­feitos e/​ou irres­ig­na­dos. É para isso que servem as instân­cias supe­ri­ores da Justiça.

O que não se pode admi­tir é a afir­mação de que não se vai cumprir as decisões judi­ci­ais ou que se colo­quem “condi­cio­nantes” ao cumpri­mento das mes­mas.

Admi­tir isso ou ter tal pro­ceder como nor­mal ou razoável é con­cor­dar com o retorno da bar­barie.

Ora, ao Estado foi per­mi­tido todas as chances de recur­sos, embar­gos, rescisórias e tudo mais admis­sível no dire­ito (e até algu­mas out­ras estra­nhas a ele), os proces­sos, antes de chegar à fase de exe­cução, “fre­quen­tou” todas as instân­cias do Poder Judi­ciário, exam­i­nado por juízes, desem­bar­gadores e min­istros, por diver­sas vezes, todos, à una­n­im­i­dade ou por maio­ria, assen­ti­ram que ao estado não assiste razão.

Não faz sen­tido que agora, na hora do cumpri­mento, o estado venha dizer que não pode implan­tar o dire­ito do servi­dor (o decreto trata é disso) sem o “aprovo” do seu Zez­inho que fis­cal­iza o cumpri­mento das dotações.

Causa-​me estu­pe­fação que o Poder Judi­ciário e mesmo o Poder Leg­isla­tivo não ten­ham se man­i­fes­tado de forma mais vee­mente em relação à gravi­dade do decreto do Poder Exec­u­tivo.

Observem, que emb­ora com palavras boni­tas e bem postas, recur­sos lin­guís­ti­cos dis­farça­dos, para negar dire­itos recon­heci­dos por todas as instân­cias judi­ciárias, o Exec­u­tivo insti­tui a instân­cia do seu Zez­inho. Ou seja, a última palavra no cumpri­mento das decisões judi­ci­ais será data pelo servi­dor encar­regado de ver­i­ficar a dotação orça­men­tária. Com todo respeito, não faz nen­hum sen­tido.

Os proces­sos judi­ci­ais – infe­liz­mente –, duram anos, até pelo exces­sivo número de recur­sos pro­pos­tos pelo o gov­erno estad­ual. Com as der­ro­tas con­stantes, sabia-​se que uma hora a conta chegaria. Por que não se pro­gra­ma­ram e fiz­eram inserir nas leis as pre­visões destas inserções?

Uma das qual­i­dades da gestão efi­ciente é antecipar-​se ao que pode vir acon­te­cer. No pre­sente caso, tudo estava mais que certo, os proces­sos estavam “cor­rendo”, o gov­erno “per­dendo”, sabiam que mais cedo ou mais tarde iriam ter que fazer as implan­tações.

Se não se “pre­veni­ram”, que arquem com as con­se­quên­cias de seus atos.

O que não se pode e não é admis­sível que se faça é trans­for­mar o seu Zez­inho na instân­cia “revi­sora” do Poder Judi­ciário.

Cabe obser­var que não é de hoje que os atu­ais donatários do poder estad­ual, ante a omis­são dos mag­istra­dos, fazem “pouco caso” das decisões judi­ci­ais, e não ape­nas nos casos rel­a­tivos às implan­tações de van­ta­gens a servi­dores, muito mais grave que isso é o “retardo” ou o sim­ples des­cumpri­mento das ordens de rein­te­gração de posse.

Cada dia temos notí­cias de pes­soas que tiveram suas pro­priedades inva­di­das que, ape­sar das decisões judi­ci­ais favoráveis, não foram rein­tegradas. Basta andar pelas estradas do Maran­hão para teste­munhar o que digo.

Assis­ti­mos, como no pas­sado, a pro­lif­er­ação de “ocu­pações” que, exceto, pelos esper­tal­hões que gan­harão din­heiro com a espec­u­lação imo­bil­iária, não inter­essa a ninguém. Mas, o gov­erno, acred­ito que por con­vicções ide­ológ­i­cas, não toma providên­cias. Nem mesmo para fazer cumprir com presteza as decisões judi­ci­ais.

Certa vez falei com um mag­istrado sobre uma situ­ação do tipo em que atu­ava como patrono do pro­pri­etário estil­hado de sua posse, recla­mava uma lim­i­nar para reintegra-​lo. O mag­istrado com muita hon­esti­dade e fran­queza respondeu-​me: “— doutor, o sen­hor está certo, mas não vou pro­ferir uma decisão para a mesma não ser cumprida”.

O fato que narro a par­tir da minha exper­iên­cia pes­soal, tem acon­te­cido com absurda fre­quên­cia nos últi­mos anos. Assim como acon­te­cem em sen­tido reverso, quando o gov­erno estad­ual unido a inter­esses pri­va­dos, não tem medido esforços para reti­rar de suas posses e pro­priedades os cidadãos da local­i­dade Cajueiro, assunto que será objeto de um texto especí­fico.

São acon­tec­i­men­tos de gravi­dades ímpares. Temos servi­dores que tendo per­cor­rido todas as instân­cias judi­ci­ais, estão, por decreto, impe­di­dos de auferir seus dire­itos sem antes con­tar com o “aprovo” do seu Zez­inho, são cidadãos pro­pri­etários ou pos­seiros sendo esbul­ha­dos de seus bens sem terem a quem recor­rer pois as decisões judi­ci­ais são igno­radas ou retar­dadas.

Dizem que isso são “avanços”. Tenho por mim que esta­mos na van­guarda do atraso.

Retorno ao decreto nº. 34.593, de 30 de novem­bro de 2018.

Sem­pre que os atu­ais donatários do poder pre­ten­dem “fusti­gar” os anti­gos sen­hores do Maran­hão, dizem que foram uma “monar­quia” que pre­tendiam (ou pre­ten­dem) retornar ao poder. O próprio gov­er­nador já foi admoes­tado por isso pelo grupo de monar­quis­tas local que usando de inteligên­cia inco­mum o chamou de igno­rante.

Pois bem, logo que tomei con­hec­i­mento do decreto fui à Con­sti­tu­ição Política do Império do Brasil, elab­o­rada por um Con­selho de Estado e out­or­gada pelo Imper­ador D. Pedro I, em 25.03.1824, ver­i­ficar se have­ria alguma simil­i­tude com o Poder Mod­er­ador. Não tinha.

Dizia aquela Carta: “Art. 101. O Imper­ador exerce o Poder Mod­er­ador I. Nome­ando os Senadores, na fórma do Art. 43. II. Con­vo­cando a Assem­bléa Geral extra­or­di­nar­i­a­mente nos inter­val­los das Sessões, quando assim o pede o bem do Impe­rio. III. Sanc­cio­nando os Decre­tos, e Res­oluções da Assem­bléa Geral, para que ten­ham força de Lei: Art. 62. IV. Approvando, e sus­pendendo interi­na­mente as Res­oluções dos Con­sel­hos Provin­ci­aes: Arts. 86, e

87. (Vide Lei de 12.10.1832) V. Pro­ro­gando, ou adiando a Assem­bléa Geral, e dis­sol­vendo a Camara dos Dep­uta­dos, nos casos, em que o exi­gir a sal­vação do Estado; con­vo­cando imme­di­ata­mente outra, que a sub­sti­tua. VI. Nome­ando, e demit­tindo livre­mente os Min­istros de Estado. VII. Sus­pendendo os Mag­istra­dos nos casos do Art. 154. VIII. Per­doando, e moderando as penas impostas e os Réos con­dem­na­dos por Sen­tença. IX. Conce­dendo Amnis­tia em caso urgente, e que assim acon­sel­hem a humanidade, e bem do Estado. (Redação original).

Como podemos con­statar o poder do Imper­ador era imenso, no exer­cí­cio do Poder Mod­er­ador, mas não con­sta o des­cumpri­mento das sen­tenças. Observem que podia até sus­pender juízes, nos casos pre­vis­tos na Con­sti­tu­ição; per­doar ou mod­erar as penas impostas e mesmo con­ceder anis­tia, mas não “descumpri-​las” sim­ples­mente.

O Maran­hão inova mais uma vez e cria o cumpra-​se, con­forme a von­tade Del Rei.

Abdon Mar­inho é advo­gado.