AbdonMarinho - DOM SABINO E OS HOMENS QUE NÃO SE VEXAM.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

DOM SABINO E OS HOMENS QUE NÃO SE VEXAM.

DOM SABINO E OS HOMENS QUE NÃO SE VEXAM.

Por Abdon Mar­inho.

VEZ OU OUTRA assisto um pedaço da nov­ela das “sete” – não assisto mais por coin­cidir com um noti­ciário que apre­cio.

O atual fol­hetim global gira em torno de uma família paulis­tana que ficou con­ge­lada por 132 anos, tendo sido des­per­tada somente agora, em 2018.

Até onde vi, nos primeiros dias, como não pode­ria deixar de ser, o choque cul­tural se fez sen­tir em toda sua inteireza – para o bem e para o mal.

O nobre D. Sabino, patri­arca da família, edu­cado na fidal­guia do Segundo Império, pelo menos nos primeiros dias da trama, foi o que mais estran­hou nos­sos modos (ou a falta deles) e, com a mais arguta das vis­tas, tem feito as mais per­ti­nentes críti­cas. Tanto assim que, outro dia, foi destaque numa pub­li­cação da mais reno­mada revista nacional, tal o pre­cio­sismo de suas colo­cações.

Com efeito vive­mos dias estran­hos com men­ti­ras vestindo as vestes da ver­dade pas­sando como se ver­dade fos­sem enquanto a própria ver­dade nua e crua vai sendo repel­ida pelas con­veniên­cias de cada um.

Às vezes, mesmo eu, acos­tu­mado com tan­tos desati­nos chego a estran­har com a falta de con­strag­i­men­tos das pes­soas, prin­ci­pal­mente autori­dades que, pelo menos em tese, dev­e­riam portar-​se com veraci­dade, já que pos­suem a fé pública. Nada disso. Estas mes­mas que agem com a mais desas­som­brada falta de ver­gonha.

Vejamos um breve exem­plo do que falo.

Logo no iní­cio deste setem­bro foi divul­gado o Índice de Desen­volvi­mento da Edu­cação Básica — IDEB.

Os números, recon­heci­dos pelo próprio min­istro da edu­cação eram cat­a­stró­fi­cos davam conta que nen­huma unidade da fed­er­ação con­seguira cumprir a meta – que já era mod­esta –, e que ape­nas 5% (cinco por cento) dos estu­dantes do ensino médio apre­sen­tavam nível ade­quado de con­hec­i­mento e, pas­mem, ape­nas 1,7% (um vír­gula sete por cento) do mesmo grupo, o nível ade­quado em leitura e inter­pre­tação de textos.

Como observei em um texto ante­rior – No Fra­casso da Edu­cação Ninguém Merece Absolvição –, com números assim, de tal forma acacha­pantes e humil­hantes, mág­ica alguma seria capaz de extrair qual­quer coisa de pos­i­tivo.

A despeito disso, da gravi­dade de tal situ­ação – estu­dos rev­e­lam que para alcançar­mos os países de primeiro mundo levare­mos mais setenta anos em relação à matemática e, bem mais duzen­tos anos no que se ref­ere à leitura e inter­pre­tação de tex­tos –, as autori­dades maran­henses “que­braram” as redes soci­ais “vendendo” o sucesso da nossa edu­cação. Manchetes com letras gar­rafais foram usadas, arti­gos foram encomen­da­dos e escritos, alguns por xerim­ba­bos que não se ocu­param de exam­i­nar os números mais amiúde e sem o dis­cern­i­mento do quão grave é a situ­ação que nos encon­tramos.

Tal qual D. Sabino, fiquei sem enten­der o que fes­te­javam tanto.

Seria o fato de não ter atingido a meta já tão mod­esta? Seria o fato de ter­mos uma edu­cação tão ruim?

Ora, se já se sabia que ninguém, nen­huma unidade fed­er­ada atin­gira meta, o pudor recomen­daria con­ster­nação, quando muito, um pouco de cautela ou comis­er­ação.

Noutros tem­pos, recomen­daria, um pedido de des­cul­pas das autori­dades, por não ter­mos alcançado as metas esta­b­ele­ci­das, jun­ta­mente com uma prestação de con­tas e a promessa de que have­ria um maior esforço, daí para frente, no sen­tido de se reparar o ocorrido.

Nada disso se viu. Comemorou-​se a meta “não alcançada”, a começar por sua excelên­cia, o gov­er­nador, como se a edu­cação maran­hense acabasse de ser lau­reada com algum prêmio Nobel.

Não tivesse, eu próprio teste­munhado e alguém me con­tasse tamanho desatino, pen­saria que estivesse de troça com minha pes­soa.

Mas tudo isso acon­te­ceu e muito mais. Prati­ca­mente uma sem­ana depois da divul­gação do índice e do fes­tejo das nos­sas autori­dades, uma pesquisa mais apro­fun­dada dos números efe­t­u­ada pelo jor­nal “O Estado de São Paulo”, con­sta­tou que o Maran­hão, infe­liz­mente, não só não avançou, como ainda apre­sen­tou, em alguns indi­cadores, um breve retro­cesso em relação à afer­ição ante­rior real­izada em 2015 – que pelo cal­endário da prova até dev­e­ria ser cred­i­tada ao gov­erno ante­rior.

Pois bem, quase uma sem­ana depois da divul­gação da análise do dados pelo jor­nal paulista, nen­huma autori­dade apare­ceu para con­tes­tar o que foi dito.

Assim como ninguém apare­ceu, mais uma vez, com um pedido de des­cul­pas, uma jus­ti­fi­cação aceitável.

Vão deixando o dito pelo não dito, como se a pat­uleia, pagadora de impos­tos, fosse indigna de qual­quer con­sid­er­ação ou expli­cação e mesmo um pedido de des­cul­pas.

Como se não bas­tasse o “fes­tejo do fra­casso”, algo inédito, ao menos para mim, fizeram-​nos acred­i­tar que havíamos avançado alguma coisa, con­fronta­dos com a real­i­dade de retro­cesso, ainda assim, quedam-​se inertes, sem ofer­e­cer qual­quer expli­cação aos cidadãos.

Pior que esta sucessão de desati­nos, só mesmo se ficar com­pro­vado que fiz­eram tudo de “caso pen­sado”, na intenção de enga­nar a pop­u­lação, apo­s­tando no desleixo da mesma no exame das estatís­ti­cas divul­gadas.

O nobre D. Sabino, edu­cado noutros princí­pios, no tempo em que a palavra dada tinha força de lei e que ninguém jamais ousaria colo­car dúvi­das sobre o que fora dito, cer­ta­mente ficaria escan­dal­izado com a falta de con­strang­i­men­tos das autori­dades quando o que dizem entra em frontal choque com a ver­dade. Decerto, diria: — bela evolução de esta.

Certa vez, há muito tempo, um pro­fes­sor me disse ficar chocado com a inca­paci­dade dos cidadãos de hoje corarem diante de situ­ações embaraçosas como a de ser apan­hado em falta com a verdade.

A D. Sabino (per­son­agem de ficção) e a este mestre (bem real), devo dizer-​lhes que par­tilho destas mes­mas inqui­etações.

Abdon Mar­inho é advo­gado.