AbdonMarinho - A CRISE MIGRATÓRIA VENEZUELANA E A DEMOCRACIA BRASILEIRA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A CRISE MIGRATÓRIA VENEZUE­LANA E A DEMOC­RA­CIA BRASILEIRA.

A CRISE MIGRATÓRIA VENEZUE­LANA E A DEMOC­RA­CIA BRASILEIRA.

Por Abdon Marinho.

UM DOS PRINCÍ­PIOS fun­da­men­tais da República Fed­er­a­tiva do Brasil é o asilo político.

Algo tão impor­tante que se encon­tra no primeiro título, chamado, dos princí­pios fun­da­men­tais, logo no iní­cio da Carta, que esta­b­elece: Art. 4º A República Fed­er­a­tiva do Brasil rege-​se nas suas relações inter­na­cionais pelos seguintes princí­pios: X — con­cessão de asilo político.

Mas não é só, ainda no mesmo artigo segue expresso: “Pará­grafo único. A República Fed­er­a­tiva do Brasil bus­cará a inte­gração econômica, política, social e cul­tural dos povos da América Latina, visando à for­mação de uma comu­nidade latino-​americana de nações”.

Em tem­pos recentes, só me recordo do Brasil ter deix­ado de obser­var tal princí­pio, quando, por ocasião dos Jogos Pan-​Americanos de 2007, dois pugilis­tas cubanos fugi­ram da sua del­e­gação, e, ao invés do gov­erno brasileiro conceder-​lhes o asilo, os devolveu à ditadura dos irmãos Cas­tro, num dos episó­dios mais ver­gonhosos da história da nossa diplo­ma­cia.

Agora, diante do últi­mos acon­tec­i­men­tos na fron­teira Brasil-​Venezuela, mais uma vez nos encon­tramos numa situação-​limite entre os dita­mes con­sti­tu­cionais, real­i­dade dos fatos, mas, sobre­tudo, de mais uma vez escreve­mos mais uma página ver­gonhosa.

Com troça dizia a um amigo: — em Roraima a Con­sti­tu­ição se encon­trou com a real­i­dade.

Afora a pil­héria, a situ­ação em Roraima se agrava, sobre­tudo, pela inca­paci­dade do gov­erno fed­eral, chamar para si a respon­s­abil­i­dade e assumir o comando da situ­ação, con­forme manda a Con­sti­tu­ição Fed­eral.

Estran­hamente, isso acon­tece quando o país é gov­er­nado – ainda que aos tran­cos e bar­ran­cos –, por um pres­i­dente que fez fama como pro­fes­sor de Dire­ito Con­sti­tu­cional. Mais que isso, por alguém que aju­dou a escr­ever a Con­sti­tu­ição brasileira.

À vista de todos, não resta dúvida que a crise migratória venezue­lana para o Brasil tem desafi­ado os nos­sos pos­tu­la­dos con­sti­tu­cionais mas caros.

Vejo autori­dades falarem, sem con­strang­i­men­tos, em fechar a fron­teira; estar­recido, assisti a comu­nidade de Pacaraima, RR, expul­sar os venezue­lanos para seus países – estes já expul­sos de seu próprio país pela ditadura bru­tal e pela fome.

Como falar em inte­gração econômica, política e social e cul­tural entre os povos da América Latina se na primeira vez que um povo pede socorro o país lhe vira as costas e não o ajuda além do dis­curso protocolar?

A crise na Venezuela – já trata­mos dela aqui diver­sas vezes –, é bru­tal, é desumana. E o Brasil tem sua parcela de culpa.

Não esqueçamos que o gov­erno brasileiro apoiou, com o que pôde, a insta­lação da ditadura no país viz­inho, sem qual­quer crítica aos seus méto­dos.

Os gov­er­nos de Lula e Dilma Rouss­eff abri­ram os cofres nacionais para for­t­ale­cer a ditadura Chávez/​Maduro. O próprio ex-​presidente, numa con­duta que aqui cri­tiquei, gravou vídeos e par­ticipou de comí­cios em apoio à can­di­datura do atual dita­dor, numa eleição à atual, quando todos já sabiam do caráter dita­to­r­ial e seus male­fí­cios para os cidadãos.

É indu­vi­doso que quando o gov­erno e os políti­cos brasileiros fiz­eram isso – con­tribuíram com a insta­lação e manutenção da ditadura –, estavam nos tor­nando respon­sáveis pelo caos que agora é do con­hec­i­mento de todos.

As últi­mas notí­cias dão conta que a pop­u­lação do país, os que ainda podem, estão com­prando carne estra­gada para comer – embebem com limão para afas­tar o odor e comem, chegando a pas­sar mal. Pior, até para adquirir essa carniça tem fila.

A crise des­en­cadeada na região de fron­teira em Roraima não é culpa dos roraimenses ou do seu gov­erno estad­ual – emb­ora não pos­samos coon­es­tar com sua leniên­cia – é culpa, repito, do gov­erno cen­tral, que não tem assum­ido o papel de coor­de­nação no acol­hi­mento destes migrantes.

Um con­tin­gente de 130 ou 150 mil em Roraima é muito, uma vez que toda a pop­u­lação do estado não alcança 400 mil pes­soas, mas é quase nada se com­parado à pop­u­lação do Brasil de 210 mil­hões de brasileiros.

Segundo lev­an­ta­mento da ONU, pub­li­cado no site G1, nos últi­mos dezoito meses, os venezue­lanos que migraram para o Brasil alcança 128 mil, no mesmo período (ou em menos tempo), 547 mil migraram para o Equador; 442 mil migraram para a Colôm­bia; e 400 mil migraram para o Peru. Todos estes países com pop­u­lação infini­ta­mente infe­rior a nossa e mais pobres eco­nomi­ca­mente.

Ape­sar do grande número de migrantes para os países viz­in­hos – e é nor­mal que migrem para eles pela inex­istên­cia de bar­reira lin­guís­tica –, não temos notí­cias das cenas de vio­lên­cia con­tra os migrantes como as que assis­ti­mos, para nossa ver­gonha, em Pacaraima, com a pop­u­lação expul­sando cidadãos que já foram despo­ja­dos de tudo pelo seu próprio gov­erno.

Toda essa vio­lên­cia, essa incivil­i­dade, que desafiam a Con­sti­tu­ição brasileira tem como respon­sável o gov­erno cen­tral, repito, que não tem sido pre­sente e efi­ciente na admin­is­tração desta crise.

Aí vejo autori­dades do gov­erno diz­erem ao Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, que a pre­ten­são do gov­erno de Roraima de pedir o fechamento da fron­teira é ile­gal e fere trata­dos inter­na­cionais. Não, meus sen­hores, a pre­ten­são do gov­erno estad­ual, fere, antes de tudo, os princí­pios fun­da­men­tais da República, esta­b­ele­ci­dos na Con­sti­tu­ição.

Mas isso – nem mesmo esse pen­sa­mento tacanho de fechar a fron­teira é culpa do gov­erno local –, é culpa da leniên­cia, omis­são e incom­petên­cia do gov­erno cen­tral que não desem­penha, como dev­e­ria, o seu papel diante da crise. Abrindo, com isso, espaço a todo tipo de pal­piteiro que acha ter dire­ito de dizer algo.

A primeira coisa que se deve ter em mente é que a Venezuela, nosso viz­inho, encontra-​se numa crise econômica inimag­inável, uma crise human­itária sem prece­dentes na história das Améri­cas e vivendo sob um régime dita­to­r­ial cruel.

Nes­tas condições, obser­vadas as for­mal­i­dades legais, os venezue­lanos preenchem os req­ui­si­tos legais para requer­erem asilo político no Brasil. Não fazendo qual­quer sen­tido os políti­cos brasileiros falarem ou sug­erirem fechamento de fron­teiras. Esse tipo ideia é com­por­ta­mento só rev­ela ignorân­cia sobre os princí­pios da nação.

Diante do grande fluxo de cidadãos – se bem que para o Brasil não tem sido tão, basta com­parar com a fron­teira com a Colôm­bia, por exem­plo –, o que o nosso gov­erno dev­e­ria fazer era unir-​se aos demais gov­er­nos da região em busca das mel­hores soluções para lidar com a maior crise human­itária dos últi­mos tem­pos no con­ti­nente.

O Brasil, até por sua posição geográ­fica, tamanho e, tam­bém, por pos­suir a maior econo­mia da região, sem deixar de con­tar com o papel ativo que teve no caos enfrentado no país viz­inho, dev­e­ria chamar para si a respon­s­abil­i­dade de con­duzir as ações de enfrenta­mento desta crise.

Mas não vemos nada disso, ao con­trário, o que se assiste é quase uma com­pleta omis­são, deixando a respon­s­abil­i­dade pela crise migratória ao encargo do Estado de Roraima, que todos sabe­mos, não pos­sui estru­tura ou econo­mia em condições de arcar com situ­ações de tal monta.

O atual gov­erno que nada mais é que a con­tin­u­ação do ante­rior, revela-​se uma lás­tima na con­dução da polit­ica externa brasileira, não con­seguindo, sequer, assim­i­lar o que seja uma crise human­itária e o papel da nação esta­b­ele­cido na con­sti­tu­ição.

Abdon Mar­inho é advogado.