AbdonMarinho - SOBRE APREENSÕES DE VEÍCULOS: O EXAGERO DO PRÍNCIPE.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

SOBRE APREEN­SÕES DE VEÍCU­LOS: O EXAGERO DO PRÍNCIPE.

SOBRE APREEN­SÕES DE VEÍCU­LOS: O EXAGERO DO PRÍNCIPE.

Por Abdon Marinho

COLHO da obra “O Príncipe”, de Nico­lau Maquiavel o seguinte: “Deve o príncipe, não obstante, fazer-​se temer de forma que, se não con­quis­tar o amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coex­i­s­tir o ser temido e o não ser odi­ado: isso con­seguirá sem­pre que se abstenha de tomar os bens e as mul­heres de seus cidadãos e de seus súdi­tos e, em se lhe tor­nando necessário der­ra­mar o sangue de alguém, faça-​o quando exi­s­tir con­ve­niente jus­ti­fica­tiva e causa manifesta.”

E arremata: “Deve, sobre­tudo, abster-​se dos bens alheios, posto que os homens esque­cem mais rap­i­da­mente a morte do pai do que a perda do patrimônio.”

Em tex­tos ante­ri­ores assen­tei o quanto era desproposi­tada e exager­ada a política de empreen­dida pelo gov­erno estad­ual de apreen­der e leiloar os veícu­los dos cidadãos – estima-​se que cerca de 15 mil foram apreen­di­dos e quase 12 mil leiloa­dos, nos últi­mos três anos e meio –, na maio­ria das vezes, o único bem dos cidadãos que vêm enfrentando uma das maiores crises econômi­cas de todos os tem­pos, graças, sobre­tudo, aos equívo­cos dos gov­er­nos ali­a­dos do atual gov­erno estad­ual no plano federal.

Foram tan­tas as apreen­sões e leilões que arrisquei dizer que se fosse, o gov­erno estad­ual, uma con­ces­sionária de veículo teria sido campeã de ven­das recordes nos três anos segui­dos.

Ora, ninguém, no mundo real, atrasa as con­tas por querer ou por serem “foras-​da-​lei”, como ten­tou sus­ten­tar a pro­pa­ganda ofi­cial durante muito tempo: de que as apreen­sões se davam como medida de com­bate à vio­lên­cia, que os veícu­los apren­di­dos eram de mar­gin­ais e que, por­tanto, estar-​se-​ia fazendo um bem maior a sociedade: sua segurança.

O tempo provou que, ape­sar das apreen­sões “para com­bater a vio­lên­cia”, esta (a vio­lên­cia) man­tém os mes­mos índices desde o iní­cio do atual gov­erno, con­forme atesta o site G1, apre­sen­tando, inclu­sive, pas­mem!, um acréscimo nos anos de 2015 e 2016. Ano pas­sado, 2017, o número de crimes vio­len­tos no estado alcançou 1.945 víti­mas, o que rep­re­senta 27,8/100 mil habi­tantes, o Maran­hão tem 7 mil­hões de habi­tantes. Ape­nas para se ter uma ideia, o Estado de São Paulo, com mais de 45 mil­hões de habi­tantes, uma pop­u­lação seis vezes supe­rior a nossa, reg­istrou “ape­nas” 3.892 crimes vio­len­tos, o que lhe con­feriu uma média de 8,6/100 mil habi­tantes, a mais baixa do país.

Ele­men­tar, caro Wat­son (a mais famosa frase jamais dita por Sher­lock Holmes, per­son­agem imor­tal­izado por Sir Arthur Conan Doyle), salvo algu­mas exceções, a ban­didagem hoje está muito mais profis­sion­al­izada, quer pas­sar des­perce­bida, exceto para o come­ti­mento de crimes, seus veícu­los estão em dias com suas taxas. Assim, o «grosso» das apreen­sões de veícu­los deu-​se em cima dos cidadãos comuns, operários, tra­bal­hadores que sofrem com a crise, com o preço da gasolina e do gás de coz­inha.

São os assalari­a­dos que gan­ham um ou um pouco mais do salário mín­imo que não con­segue pagar as dívi­das de seus veícu­los pois têm de optar entre pagar e colo­car o “de comer” den­tro de casa; o que está voltando a coz­in­har na lenha pois o boti­jão de gás con­some quase dez por cento do ordenado.

Foram estes os cidadãos que, para tra­bal­har e fugir do caótico trans­porte cole­tivo, fez um cav­alar esforço para com­prar um “car­rinho» ou uma moto em “tro­cen­tas» prestações, que atra­sou suas obri­gações com paga­mento das suas taxas e licen­ci­a­men­tos.

Muitos deles, tendo per­dido o emprego usavam/​usam seus veícu­los para fazer o, tam­bém, reprim­ido trans­porte cole­tivo, atuando como “mototaxistas”ou “über genérico”. Estas foram as pes­soas a quem foi dire­cionada a polit­ica de apreen­sões de veícu­los. E foram elas que, por não poderem res­gatar os mes­mos, dev­i­dos as mul­tas e taxas, perderam seu único bem e meio de sobre­vivên­cia.

Outro dia, assisti, com pro­fundo pesar e indig­nação, a revolta de um pro­pri­etário de veículo apreen­dido no Municí­pio de São José de Riba­mar. O cidadão tomado por incon­tida revolta e deses­pero destruiu todo o seu veículo. Já sabia que uma vez apreen­dido não teria como resgatá-​lo.

São pes­soas como aquele com­pan­heiro que encon­trei no inte­rior em uma de min­has andanças, ainda por mea­dos de 2015, ele me rev­elou, con­forme já nar­rado aqui, toda a sua revolta com o gov­erno por ter, segundo ele, “acabado” com sua moto na cam­panha do atual gov­er­nador e, quando pen­sava que rece­be­ria alguma com­pen­sação pelo esforço, “perdeu” a sua moto numa destas blitzes do gov­erno estad­ual. Perdeu, aliás, em defin­i­tivo, pois não teve como quitar o que devia e ela foi a leilão.

O país tem vivido, nos últi­mos anos, uma das crises mais agu­das. Só quem não con­vive com os cidadãos comuns ignora isso. Diari­a­mente recebo abor­dagem de jovens, de sen­hores, sen­ho­ras e até pes­soas com idade mais avançada, me pedindo uma ajuda, um emprego, uma colo­cação de tra­balho para si ou para alguém seu.

As estatís­ti­cas com­pro­vam o que já sabia pelo diál­ogo per­ma­nente com as pes­soas: que houve um aumento da mis­éria no Maran­hão. Ela vem de longe e se acen­tuou nos últi­mos anos (aguar­dem texto especí­fico sobre isso).

Pois bem, ao que parece só agora o gov­erno se deu conta desta crise e acena, no assunto especí­fico das apreen­sões de veícu­los com uma uma providên­cia já con­tida no Código Nacional de Trân­sito de dar prefer­ên­cia a edu­cação e con­sci­en­ti­za­ção dos cidadãos ao invés de apreen­der e leiloar seus bens sem maiores con­sid­er­ações.

A medida vem com “ape­nas” três anos e meio de atraso. Essa era uma medida que dev­e­ria ter sido imple­men­tada no começo do gov­erno. Ao invés de apren­der os veícu­los dev­e­riam, antes de tal medida, ter feito as blitzes educa­ti­vas e de con­sci­en­ti­za­ção. Aquilo que o decreto edi­tado ou a edi­tar prevê «copiando» o que já deter­mina o Código Trân­sito Brasileiro — CTB, Lei 9.503. Qual­quer um sabe disso: Primeiro se educa, se con­sci­en­tiza, se é tol­er­ante, para depois aplicar os rig­ores da lei.

Assisto a tudo isso fico com impressão de que os mem­bros do gov­erno ao invés de lerem “O Príncipe”, Nico­lau Maquiavel, leram ape­nas “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-​Exúpery – sem qual­quer embargo, uma obra igual­mente mag­ní­fica, porém mais afeita às coisas dos sen­ti­men­tos que da polit­ica. Caso tivessem aten­ta­dos para a obra do gen­ovês ao invés da obra do francês, teriam perce­bido que no seu escólio con­sta o lap­i­dar ensi­na­mento de que o mal deve ser feito de uma só vez enquanto que o bem deve se fazer aos poucos.

Pois é, se pas­saram três anos e meio, indifer­entes ao sofri­mento do povo, na apli­cação dos rig­ores da lei, passa a assi­s­tir razão aos críti­cos e opos­i­tores, quando agora, às vésperas de uma eleição, na quadra final do mandato, ten­tam “vender” a ideia que pas­saram a praticar o bem fazendo ces­sar as mul­tas, apreen­sões e leilões, pas­sando a edu­car e con­sci­en­ti­zar.

Em face da edição do decreto da “bon­dade”, sobram algu­mas inda­gações: havia neces­si­dade de apreen­der e leiloar mil­hares de veícu­los dos cidadãos menos favore­ci­dos em tão curto espaço de tempo? Foi opor­tu­nizado, sobre­tudo a este público mais humilde o esgo­ta­mento de todas as vias para reaverem seus bens? Qual “van­tagem» auferiu o estado com tais medi­das? Como ficam aque­les que perderam, na maio­ria das vezes, seu único bem?

Ainda que não seja essa a intenção fica pare­cendo uma medida eleitor­eira na intenção de cap­tar os votos da patuleia.

Abdon Mar­inho é advo­gado.