AbdonMarinho - NO PIOR DOS MUNDOS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

NO PIOR DOS MUNDOS.

NO PIOR DOS MUNDOS.

NA CELA em que José Dirceu de Oliveira e Silva cumpre a pena de mais de vinte anos de prisão em régime fechado por cor­rupção e outro deli­tos rela­ciona­dos e, que divide com outro con­de­nado, foram encon­tra­dos obje­tos ilíc­i­tos pelo sis­tema carcerário. Não, não eram dro­gas e afins, ape­nas car­regadores de celu­lares e pen­drive com músi­cas e/​ou filmes.

Como os dois con­de­na­dos não assumi­ram a posse dos obje­tos – obe­de­cendo, cer­ta­mente ao código de “ética» do cárcere – ambos sofr­eram as medi­das dis­ci­pli­nares impostas aos inter­nos do sis­tema pen­i­ten­ciário nacional, como ser pri­vado da visita de famil­iares por deter­mi­nado período.

A notí­cia, escon­dida num cando de jor­nal – oculta ainda mais pelo brilho das reluzentes medal­has olímpi­cas e pelos feitos históri­cos de nadadores como Michael Phelps ou velocis­tas como Usain Bolt –, quase passa des­perce­bida, nestes dias em que a pauta esportiva toma conta de todo o noticiário.

Claro que fatos assim não são e não têm razão de serem noti­ci­a­dos. Os presí­dios brasileiros mais parece um queijo suíço, tal a quan­ti­dade de fal­has nos seus sis­temas de con­t­role. Todos os dias, ou qual­quer busca que fazem nas celas encon­tram muito mais do que foi achado na cela já referida.

Assim, achar pro­du­tos ilíc­i­tos em cela de pre­sos no Brasil, está longe de ser novi­dade ou objeto dos noti­ciosos locais.

O que torna rev­e­lante e emblemático no fato nar­rado – e que nos leva a uma reflexão pro­funda – são os per­son­agens envolvi­dos, sobre­tudo o nom­i­nado. José Dirceu de Oliveira e Silva, mineiro de Passa Qua­tro, com setenta anos de idade, que é ninguém menos que Zé Dirceu, ex-​presidente do Par­tido dos Tra­bal­hadores – PT, ex-​ministro do gov­erno Lula.

Nos lau­tos tem­pos de poder, ninguém exerceu o mando com tanta arrogân­cia quanto o José Dirceu. Sentia-​se o primeiro e mais impor­tante respon­sável pela eleição de Lula por ocasião de sua primeira vitória ao cargo maior da República, o artic­u­lador infalível, o suces­sor nat­ural, naquele que estava se for­mando com o «reich» petista – pro­gra­mado para durar mais que qual­quer outro na história do país, quiçá do mundo.

Apre­sen­tado pelo próprio pres­i­dente da República como o “capitão do time”, estava dada a senha a todos inte­grantes do gov­erno a quem dev­e­riam se diri­gir para “resolver» quais­quer assun­tos rela­ciona­dos às suas pas­tas e tam­bém os assun­tos extra-​pasta. Era ele, José Dirceu, o coman­dante do gov­erno, o homem que dava – nos assun­tos admin­is­tra­tivos, no trato com o Con­gresso Nacional e den­tro da instân­cia par­tidária –, a última palavra.

E ele fez isso: man­dou. Des­man­dou, deu chá-​de-​cadeira em quem quis nos seus dois anos e meio à frente da Chefia da Casa Civil, de onde foi afas­tado quando veio à tona os méto­dos uti­liza­dos para gov­ernar, naquele que ficou con­hecido com «Escân­dalo do Men­salão”, que o próprio nome sug­ere do que se tratava, mas que era ape­nas a ponta do ice­berg das out­ras fac­ul­taras que colo­cariam a nação em transe.

A engrenagem de mando mon­tada pela cúpula par­tidária era de sorte sofisti­cada – e aqui cabe esclare­cer que todos sabiam do se pas­sava no gov­erno, do pro­jeto de crim­i­noso em curso – que José Dirceu con­tin­uou man­dando e fazendo “negó­cios» nos dois lados do bal­cão gov­ernista, mesmo depois de apeado do posto de “capitão do time”. Tanto assim, que foi apan­hado nova­mente neste outro escân­dalo pelo qual cumpre pena. Man­dava tanto que, mesmo depois de con­de­nado e preso por decisão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, con­tin­uou a auferir van­ta­gens dos esque­mas crim­i­nosos que articulara.

Mais que isso, con­tin­u­ava com áurea de “pri­sioneiro político”, capaz de fazer os fil­i­a­dos do par­tido se prestarem, por das, vigília na frente do presí­dio da Papuda, quando lev­ado a cumprir a pena após anos de arti­man­has e que já fora reduzida numa troca de ministros.

O assim chamado “pri­sioneiro político”, ape­sar de con­tin­uar “operando» seus ten­tácu­los – e por eles recebendo, mesmo no período em que cumpria a pena – man­dava tanto no gov­erno e nas estru­turas par­tidárias que con­seguiu fazer com que os fil­i­a­dos do par­tido e/​ou sim­pa­ti­zantes, se coti­zassem para pagar as mul­tas que foram impostas e, assim gan­har a liber­dade, numa pro­gressão de pena.

O out­rora manda-​chuva do Brasil é, hoje, ape­nas um ancião, alque­brado pelo peso dos mais de setenta anos, que cumpre uma pena a qual não sobre­viverá – ape­nas numa ação penal já está con­de­nado a mais de vinte anos e out­ras con­de­nações virão, pas­sando dos setenta, é um triste fim –, já sem a mís­tica de líder estu­dan­til rev­olu­cionário, guer­ril­heiro e pri­sioneiro político durante a ditadura mil­i­tar, líder politico e capitão do time no primeiro gov­erno dos “tra­bal­hadores”, não ouve mais o brado dos mil­i­tantes par­tidários chamando-​o de “guer­reiro do povo brasileiro”.

Segundo comen­tam, parece que o próprio par­tido já não o ver com «bons olhos” de antes e dele quer dis­tân­cia. A ojer­iza não é pelos atos de cor­rupção que prati­cou nestes anos de poder – a cor­rupção, sin­ge­la­mente apel­i­dada de “malfeitos” não os escan­dal­izam, até têm apreço (desde que pela “causa”).

Não per­doam em José Dirceu, segundo dizem, é que, assim como tan­tos out­ros, não roubou ape­nas para e pela “causa”, tra­tou, ele próprio de enricar. Esse o pecado maior.

Assim, aquela ja foi o homem mais poderoso do Brasil, vive seu ocaso, no pior dos mun­dos, tendo agir como reles ban­dido a fazer con­tra­ban­dear para den­tro de sua cela – não se sabendo como – celu­lares, car­regadores, pendrive…

Um triste e humil­hante fim para quem já sim­boli­zou a esper­ança de dias mel­hores para o Brasil e que ao invés de trazer os dias mel­hores, trouxe tan­tos maus exem­p­los, cha­fur­dando na mesma lama que tan­tas as vezes acusara os eter­nos donos do poder no país de chafurdarem.

A des­graça pela qual passa José Dirceu não é algo que se deseje a ninguém, nem ao pior dos inimi­gos. Não é algo que nos dá prazer escr­ever, pois só nos des­perta pena e desalento e a certeza de que dias piores virão.

Abdon Mar­inho é advogado.