UM MORTO, DOIS VOTOS, MUITAS POLÊMICAS.
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- Criado: Quinta, 21 Abril 2016 13:54
- Escrito por Abdon Marinho
UM MORTO, DOIS VOTOS, MUITAS POLÊMICAS.
QUEM acompanhou a sessão da Câmara dos Deputados que admitiu o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, no último domingo, percebeu a invocação do nome do falecido ex-governador Jackson Lago, para justificação do voto, primeiro pelo deputado José Reinaldo Tavares, do PSB, que votou SIM e, depois, pelo deputado Wewerton Rocha, do PDT, que votou NÃO.
Quando dois vivos – bem vivos, acredito – manifestam a vontade do morto de forma tão díspares, talvez fosse o caso de apelar ao gênio de Ariano Suassuna em o «Auto da Compadecida”, mandando alguém morrer «rapidinho» só para ir lá conferir a vontade efetiva do morto.
Foi o que pensei.
Como o líder do PDT, deputado Wewerton Rocha, invocou outras lideranças partidárias que também já habitam o outro plano, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Neiva Moreira, além do próprio ex-governador.
Com a mente imaginativa que tenho, logo pensei ter havido reunião por lá (político adora uma reunião, de esquerda, então, são viciados), quem sabe, secretariada pelo jornalista Mauro Bezerra. Nesta reunião, Jackson teria sido voto vencido, quedou-se, contrariado, diante da determinação de Brizola: – Meus companheiros, teremos, mais uma vez, que engolir o «sapo barbudo», como fizemos em 1989. Encerrada esta reunião, mandem a ata ao líder do partido na Câmara dos Deputados.
Estaria explicado o voto do líder do PDT. Recebera a ata do partido – Mauro Bezerra mandara minutos antes da sessão –, e falava, não apenas em nome dos «bem vivos» deste plano, dos que têm inúmeras vantagens do governo petista, mas, também, em nome dos mortos, que não podem e não têm como contestar.
Ainda encabulado com a discrepância dos votos, pensei em escrever ao saudoso amigo Walter Rodrigues, desta vez, não para informar as coisas daqui, mas, para saber se tivera conhecimento da reunião dos chamados socialistas morenos por lá. Desisti ao lembrar que muito antes de sua passagem, WR já tinha rompido com o partido.
Ainda que, com seu inigualável faro de jornalista investigativo, tivesse como saber.
Pesou na desistência, ainda, as imensas dificuldades de comunicação. Se por aqui, com todo o avanço tecnológico, as comunicações parecem coisas de outro mundo, de tão ruins, imagina em tratando de comunicação com o próprio outro mundo.
Contentar-me-ei com os fatos repercussões terrenas.
Ignorando uma possível deliberação partidária ocorrida noutro plano, familiares de Jackson Lago, filho e esposa, ainda no dia da votação, contestaram a liderança partidária por usar o nome do ex-governador, quando este já não pode mais manifestar a própria vontade, salvo se mesma ocorrera na forma narrada acima. O que, a menos que mostre a ata, não saberemos se aconteceu.
Se repudiado por familiares de Jackson Lago e por muitos dos seus amigos e colaboradores, que atribuem ao petismo a cassação do ex-governador e até mesmo sua morte – tal a deterioração de sua saúde após o processo de cassação –, o líder pedetista foi festejado pelos partidários da presidente Dilma Rousseff, do ex-presidente Lula, do governador Flávio Dino e partidos contrários ao impeachment. Ele, outros deputados, do PP, Waldir Maranhão; do PTN, Aluísio Mendes, que foi secretário de segurança no governo anterior; do PMDB, João Marcelo Souza; do PC do B, Rubens Júnior; do PTB, Pedro Fernandes; do PEN, Junior Marreca; do PT, Zé Carlos, foram homenageados pelo governador Flávio Dino em solenidade na Assembleia Legislativa do Maranhão e saudados pela claque como «guerreiros do povo brasileiro».
Merece registro que deputado Aluísio Mendes, PTN, teria declarado não aceitar participar da solenidade por não ter votado sob a influência do governador. Não sei se com outros aconteceu o mesmo.
O outro voto que homenageou o falecido ex-governador, foi o voto do também ex-governador, deputado José Reinaldo Tavares (PSB/MA). Este, por ser de partido diverso, não acredito que tenha recebido uma ata do além orientando o voto. Pesou mesmo os infortúnios comuns que sofreram quando o ex-governador ainda vivia.
Apesar de razões mais que justificáveis, desde que votou favorável à abertura do processo de impeachment da presidente, o deputado socialista tem sido alvo de injustas acusações. Os inúmeros blogues à soldo do governismo maranhense o acusam de ter «traído» governador.
Embora tenha certeza que não têm razão, acredito que o ex-governador ajudou a alimentar esta polêmica.
Uma pessoa da sua estatura tinha que ter deixado claro a «in extremis» de dúvida que jamais poderia votar pela não autorização à abertura do processo de impeachment.
Independente das provas – que são fartas, registre-se –, ele como ex-governador do Maranhão, sabia o que penara durante sua gestão nas mãos dos governos petistas.
Até a autorização de um empréstimo «mixuruca», algo que não chagava a 100 milhões, recursos de um banco qualquer, para o FUMACOP, não conseguia aprovar. Lembram?
Só para comparar, o governo da senhora Roseana Sarney, que sucedeu Jackson Lago, conseguiu mais de 3 bilhões do BNDES, endividando o estado pelas próximas décadas, sem qualquer dificuldade.
Se não bastasse o bloqueio que o seu governo sofreu, o bloqueio que sofreu o governo de Jackson Lago, culminando com a sua cassação, num processo segundo suas palavras, «estranhíssimo», havia/há a deliberação do seu partido, o PSB, pelo voto favorável ao impedimento da presidente.
O ex-governador errou ao deixarem pensar que poderia votar de forma diversa da que votou, passando por cima das suas convicções pessoais, das provas de crimes de responsabilidade, da orientação partidária, do quanto sofreu no seu governo e, depois dele, as humilhações mais inomináveis.
Devia ter deixado claro – desde sempre –, que não havia como votar diferente.
O governador Flávio Dino, por sua vez, deveria ter tido a sensibilidade para entender que um governador pode muito mas não pode tudo; que existem coisas que não se pode e não se deve pedir; que, em política, nem sempre dois mais dois são quatro; que nem sempre é possível desprezar os sentimentos de quem foi humilhado publicamente, como foi o ex-governador José Reinaldo Tavares.
Ao dizer sim, ao impedimento, o deputado socialista pediu perdão ao amigo e grande governador Flávio Dino.
O pedido de desculpas retrata a boa educação do deputado. Deve ser daqueles que pede desculpa quando alguém lhe pisa o pé. Devedor de desculpas, na verdade, é o governador, por ter ousado pedir o que não devia; por querer parecer «bem na fita» passando por cima dos sentimentos e sofrimentos do seu aliado de primeira hora – talvez de antes da primeira hora.
Como bem lembrou, certa vez, ao ex-presidente Lula, o senador Delcídio do Amaral, os mortos do petismo foram enterrados em cova rasa, portanto factível que voltem para assombrar os vivos.
Completo dizendo, que não apenas os mortos, os sentimentos também foram enterrados em cova rasa. Como tal, acabam voltando.
Abdon Marinho é advogado.