AbdonMarinho - A tragédia fluminense.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A tragé­dia fluminense.


A TRAGÉ­DIA FLU­MI­NENSE.

Por Abdon C. Marinho.

ACRED­ITO que para aque­les que banalizaram a des­graça as ima­gens mais impac­tantes dos últi­mos dias – pelo menos até o surg­i­mento de out­ras mais impac­tantes que não tar­darão a apare­cer –, foram as do tiroteio ocor­rido no horário em que os tra­bal­hadores se diri­giam ao tra­balho, os estu­dantes para as esco­las, entre a polí­cia e traf­i­cantes em plena Avenida Brasil, no Rio de Janeiro.

A pop­u­lação, em meio ao fogo cruzado, teve que descer dos veícu­los para se escon­derem atrás dos mes­mos e/​ou das mure­tas de pro­teção da via. O saldo em vidas humanas per­di­das foi de três pais de família que não voltaram vivos para suas casas. Não foi pior porque, ante a infe­ri­or­i­dade patente, a polí­cia recuou.

Emb­ora já se soubesse, esse acon­tec­i­mento com­pro­vou de forma cristalina que a polí­cia do Rio de Janeiro não estava preparada para enfrentar o “poder de fogo” dos ban­di­dos.

Diante da guerra civil insta­l­ada o gov­erno estad­ual levou doze horas para vir a público para nada dizer.

A cada dia que passa a sociedade brasileira vai percebendo que no Rio de Janeiro – e tam­bém em out­ras partes desse imenso país –, o Estado ou o que se entende por poder estatal, não passa de uma ficção, um poder vir­tual que cobra impos­tos, exerce algu­mas funções pro­to­co­lares, mas que não exerce efe­ti­va­mente o poder.

Em todas as regiões do estado e, sobre­tudo, na cap­i­tal, não existe uma em que os cidadãos não este­jam sub­meti­dos ao jugo do crime orga­ni­zado e/​ou de milí­cias. Em maior ou menor grau os cidadãos são sub­meti­dos aos “donos do poder”, que exercem suas autori­dade e explo­ram as pes­soas da forma que lhes con­vém.

Sabe-​se que em deter­mi­nadas regiões até a fé e a religião das pes­soas é deter­mi­nada por traf­i­cantes e/​ou mili­cianos.

Ainda que vio­lên­cia estar­rece­dora e capaz de fazer aque­les cidadãos diari­a­mente refle­tirem sobre a fini­tude da vida, pois saem de casa sem a certeza se voltarão ao seio dos seus famil­iares, uma outra tragé­dia retratando o caos – e com con­se­quên­cias para o futuro –, começa a se desenhar.

Quando saiu o resul­tado do último IDEB (Índice do Desen­volvi­mento da Edu­cação Básica) duas coisas me chama­ram a atenção.

A primeira, o salto extra­ordinário do Estado do Pará, que saiu das últi­mas posições para a sexta posição – e que já trata­mos aqui em tex­tos ante­ri­ores.

A segunda, a posição, que podemos chamar de vex­atória, do Estado do Rio de Janeiro.

Desde então tenho ten­tando enten­der o que fez o estado que pos­sui a segunda econo­mia do país, que já foi a cap­i­tal do Império e da República, um dos maiores cen­tros cul­tur­ais do mundo, onde se local­iza a Acad­e­mia Brasileira de Letras — ABL, etceteras e tal – poderíamos pas­sar horas descorti­nando as diver­sas van­ta­gens do estado a jus­ti­fi­carem a gravi­dade do mesmo em apare­cer na posição em que figurou.

O que mais me chamou a atenção é que, muito emb­ora os anos ini­ci­ais e finais do ensino fun­da­men­tal não sejam tão ruins, o estado fica em uma posição inter­mediária, no “meião” entre os demais, quando pas­samos a anal­isar os indi­cadores do ensino médio há uma piora sig­ni­fica­tiva, levando-​o para as últi­mas posições do rank­ing.

Vejam, são os jovens que dev­e­riam estu­dar mais para con­struírem mel­hores per­spec­ti­vas de vida para o seu futuro que se “desin­ter­es­sam” pela edu­cação levando a uma queda abrupta do indi­cador de avali­ação do ensino.

A per­gunta que se faz necessária é o que está “seduzindo” esses mil­hões de jovens para que abdiquem de um futuro com mais edu­cação, com mais for­mação, com mais con­hec­i­mento, com mais pos­si­bil­i­dades de cresci­mento pes­soal?

Trata-​se, por óbvio de uma per­gunta retórica, a resposta se encon­tra no iní­cio do texto: esses jovens sendo “ali­ci­a­dos” pelas várias modal­i­dades do crime que infesta o estado para ingres­sarem nas suas facções, que daqui a pouco – pouco mesmo –, poder­e­mos chamar de exérci­tos do crime orga­ni­zado.

O que nos resta saber é se esses ali­ci­a­men­tos de jovens que estão aban­do­nando os estu­dos ainda ocorre de maneira vol­un­tária ou se já estão ali­ciando de forma com­pul­sória, isso é, obri­g­ando essas cri­anças e ado­les­centes a virarem “sol­da­dos” do crime.

A tragé­dia está se desen­rolando à vista de todos e começa a apare­cer nos indi­cadores da edu­cação básica.

As autori­dades pre­cisam saber inter­pre­tar os números, enten­der as ori­gens dos prob­le­mas para poder enfrentá-​los.

Mais, ou fazem isso a par­tir de agora, com dis­ci­plina e seriedade ou não terão outra chance para faz­erem isso.

O Rio de Janeiro com uma econo­mia tão forte e os mil­hões ou bil­hões que recebem dos roy­al­ties do petróleo e tan­tos out­ros de out­ras fontes, com o suporte do gov­erno fed­eral, pre­cisa colo­car toda a sua edu­cação, do ensino infan­til ao médio, em sis­tema inte­gral, com os alunos entrando na escola às sete da manhã e só saindo no começo da noite.

Essa é a primeira medida para evi­tar o assé­dio do crime sobre essas cri­anças e jovens.

Outra medida é con­t­role rig­oroso da pre­sença desses jovens em sala de aula ou nas ativi­dades educa­ti­vas que os formem de acordo com suas habil­i­dades ou inter­esses pes­soais.

Os municí­pios, o estado e união pre­cisam encarar esse desafio como pri­or­i­dade número um. E se falamos isso em relação ao Rio de Janeiro não é porque a situ­ação seja difer­ente em out­ros esta­dos é que lá a tragé­dia já começa a apare­cer nos indi­cadores edu­ca­cionais.

Outro dia o gov­erno fed­eral reuniu todos gov­er­nadores com a mis­são de encon­trarem estraté­gias para com­bater o crime orga­ni­zado que se alas­tra sobre o país e que ameaça tomar o poder, inclu­sive insti­tu­cional – talvez por isso se reuni­ram –, sur­gi­ram as ideias de enfrenta­mento as mais inter­es­santes.

Urge que enfrente­mos o crime orga­ni­zado, esta­mos diante de uma emergên­cia nacional, diante de gru­pos crim­i­nosos que já agem e pos­suem o pode­rio econômico das máfias.

Entre­tanto, nessa etapa, estare­mos ape­nas com­bat­endo os efeitos do fra­casso estatal. Pre­cisamos fazer isso, com certeza, mas para­lelo a esse enfrenta­mento pre­cisamos fazer o com­bate da vio­lên­cia na sua origem com políti­cas públi­cas que assis­tam as pes­soas desde o iní­cio de suas vidas.

A prin­ci­pal política pública é a oferta de edu­cação inte­gral, de qual­i­dade e pelo menos bilíngue para todas as cri­anças e ado­les­centes, de sorte que essas cri­anças e ado­les­centes já come­cem a se prepararem para o mundo glob­al­izado e tec­nológico em que vive­mos.

Não adi­anta só com­bater os ban­di­dos “for­ma­dos” é necessário impedir que eles sur­jam, é necessário que os chefes do crime dispon­ham de um exército de pes­soas prontas para sub­sti­tuírem os que estão sendo pre­sos ou mor­tos em con­fronto com a polí­cia.

Ao meu sen­tir as autori­dades do país estão “per­di­das” nessa questão de com­bate a vio­lên­cia, ao crime orga­ni­zado, etcetera. Até onde soube, tan­tas autori­dades impor­tantes reunidas ninguém se deu conta de que não adi­anta tratar ape­nas dos efeitos, pre­cisamos com­bater as causas do prob­lema sob o risco de ape­nas “enx­u­gar gelo”.

Não soube que alguma das autori­dades pre­sentes tenha fal­ado de edu­cação para as cri­anças e jovens – e isso é fun­da­men­tal.

As autori­dades públi­cas desse país pre­cisam enten­der que é urgente uma ação assertiva com vis­tas a edu­cação inte­gral de todas as cri­anças e ado­les­centes (e mesmo adul­tos) como estraté­gia para com­bater os demais males que estão tomando de conta do país.

A tragé­dia que se desenha no Rio de Janeiro pre­cisa servir como alerta para os demais esta­dos da fed­er­ação.

O bor­dão é sur­rado mas necessário: sem edu­cação não tem solução.

Abdon C. Mar­inho é advogado.