AbdonMarinho - O desafio da democracia em tempos de polarização.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O desafio da democ­ra­cia em tem­pos de polarização.


O DESAFIO DA DEMOC­RA­CIA EM TEM­POS DE POLAR­IZA­ÇÃO.

Por Abdon C. Mar­inho.

QUANDO menino aprendi uma lição nas aulas de edu­cação moral e cívica que trago comigo até hoje: “o meu dire­ito acaba quando começa o dire­ito do meu viz­inho”.

Acho que as demais ger­ações que vieram antes da minha e até aque­las que ime­di­ata­mente a suced­eram apren­deram isso na infân­cia.

Era essa a primeira noção de “democ­ra­cia” que tín­hamos. Ou seja, éramos sujeitos de dire­itos mas que esses dire­itos tin­ham lim­ites. Eles pre­cisavam respeitar os dire­itos dos demais.

Nessa mesma linha, tam­bém aprendi nos primeiros anos do ensino médio, nas aulas de OSPB, com a pro­fes­sora Maria da Luz, do Liceu Maran­hense: “cada dire­ito cor­re­sponde a um dever”.

Já na juven­tude aprendi uma outra frase de máx­ima importân­cia: “fora da lei não há sal­vação”. Essa última de auto­ria do nosso Rui Bar­bosa.

Vemos em cada uma das frases (ou lições) que a vida em comu­nidade exige o respeito aos dire­itos dos demais, que aos nos­sos dire­itos exis­tem deveres cor­re­spon­dentes e, que, final­mente, pre­cisamos, sujeitos ativos e pas­sivos de dire­itos e deveres nos sub­me­ter­mos aos dita­mes da lei.

Como podemos perce­ber são con­ceitos bási­cos que, sequer, pre­cis­aríamos de esco­las para apren­der­mos e, prin­ci­pal­mente, respeitar.

Mas, porém, entre­tanto, como dizia um outro, nos dias atu­ais parece que vive­mos em um mundo para­lelo onde con­ceitos ele­mentares pare­cem não fazer qual­quer sen­tido ou porque as pes­soas fin­gem não saber ou porque não querem saber por suas próprias con­veniên­cias de ordem polit­ica ou ide­ológ­ica.

Outro dia o “mundo quase veio abaixo” por causa de uma decisão da justiça eleitoral que sus­pendeu as redes soci­ais de um deter­mi­nado can­didato.

De norte a sul do país o que se falava era que o can­didato fora injustiçado, cen­surado, teria tido suas livres man­i­fes­tações de pen­sa­mento tol­hi­das, etceteras e tal.

Um dos ramos do dire­ito que mais apre­cio é o dire­ito eleitoral. Já nos primeiros anos de fac­ul­dade estava às voltas com mesmo – e até antes, par­tic­i­pando dos proces­sos eleitorais.

Uma das suas prin­ci­pais car­ac­terís­ti­cas é todas as con­du­tas a serem tomadas pelos can­didatos e pelos demais agentes estão mili­met­ri­ca­mente definidas. As leis que regem as eleições e os par­tidos políti­cos são exces­si­va­mente detal­his­tas e as res­oluções edi­tadas pelo TSE com­ple­men­tam o serviço, mas, claro, a cria­tivi­dade dos políti­cos brasileiros é muito maior.

Outra car­ac­terís­tica fasci­nante é que no dire­ito eleitoral temos um cal­endário que se ini­cia, com regras para os vários agentes ainda no ano ante­rior e segue pelo ano da eleição esta­b­ele­cendo o papel e o tempo de cada um até o encer­ra­mento do processo.

Isso tudo tem uma razão de ser: obje­tiva dar aos can­didatos e can­di­datas e aos par­tidos as mes­mas condições na dis­puta eleitoral.

Ele­men­tar que todos os can­didatos saibam disso. E sabem. Acon­tece que muitos acham que vale a pena burlar o sis­tema, aproveitar-​se do pode­rio econômico e/​ou político para tirar proveito eleitoral.

Mas, muito pior que isso é muitos, muitos mesmo acha que isso é o certo a ser feito.

Ora, se o can­didato bur­lou as regras para todos esta­b­ele­ci­das ele deve sofrer as con­se­quên­cias dos seus atos.

Ah, se ele inflou as redes soci­ais para influ­en­ciar os eleitores de forma inde­v­ida, deve se fazer vista grossa a esse com­por­ta­mento? Não creio que seja o cor­reto.

A punição já se encon­tra definida na lei.

E se daquela con­duta abu­siva decor­rer out­ras van­ta­gens, tam­bém deve respon­der por elas.

É aquela lição da pro­fes­sora Mar­garida lá do ensino primário: o seu dire­ito só vai até o dire­ito dos demais viz­in­hos. No caso, dos demais candidatos.

Um outro fato sin­gelo mas que tam­bém gan­hou ares de escân­dalo plan­etário foi a decisão da Justiça brasileira de deter­mi­nar a sus­pen­são de uma rede social enquanto essa não des­ig­nar uma rep­re­sen­tação no país.

O “mundo inteiro” e tam­bém as galáx­ias viz­in­has só falam disso. Um amigo até me per­gun­tou se escreve­ria sobre isso.

Pois bem, na linha do ensi­nou a pro­fes­sora Maria da Luz nos primeiros anos do ensino médio, cada dire­ito cor­re­sponde a um dever.

Inde­pen­dente de quais­quer cir­cun­stân­cias adi­cionais, uma nação livre e sober­ana per­mite que você se instale no seu país onde você aufere mil­hões ou bil­hões em lucros anu­ais o mín­imo que você deve fazer é prestar con­tas de seus atos. Um dire­ito, um dever.

No caso em tela a empresa insta­l­ada no país recusou-​se reit­er­ada­mente a cumprir as decisões da justiça e mul­tada por isso decidiu não mais ter rep­re­sen­tação no país.

Vejamos, em relação ao mérito das decisões judi­ci­ais exis­tem as searas próprias para ques­tionar e tendo pode­rio todo que tem uma grande empresa, inclu­sive, dis­cu­tir ou expor ao jul­ga­mento público a justeza ou não das mes­mas.

Noutro giro, é a própria leg­is­lação brasileira que impõe a neces­si­dade da empresa pos­suir sede/​representação no país.

O que restaria à justiça brasileira fazer senão exi­gir o cumpri­mento da leg­is­lação e no seu des­cumpri­mento aplicar as sanções legais?

Essa é a questão prin­ci­pal a não admi­tir qual­quer outra pos­si­bil­i­dade. Temos uma leg­is­lação que exige que qual­quer empresa o opere no Brasil tenha uma sede/​representação no ter­ritório nacional.

Uma dessas empre­sas se recusa a cumprir a lei e é para ficar por isso mesmo? O cidadão se acha acima da lei que serve para todos os demais?

Ah, mais muitas pes­soas estão sendo prej­u­di­cadas com a sus­pen­são da rede social, pes­soas estão per­dendo din­heiro, sus­tento, etc.

Essas são razões vál­i­das para colo­car­mos uma grande empresa, que lucra bil­hões anual­mente no país, acima das nos­sas leis?

Acho que qual­quer pes­soa física ou jurídica tem todo o dire­ito de ques­tionar uma ordem judi­cial, mas isso deve dar-​se den­tro das bal­izas da lei.

Não me parece razoável que qual­quer pes­soa sim­ples­mente diga que não vai cumprir as decisões judi­ci­ais e fique por isso mesmo.

E, prin­ci­pal­mente, que alguém se recuse a cumprir a lei do país onde opera e não sofra qual­quer con­se­quên­cia.

Será que alguém acha razoável que uma empresa operando e lucrando no Brasil diga cat­e­gori­ca­mente que daí em diante não vai cumprir as decisões judi­ci­ais e pior, que não seguir as leis país sem nada lhe suceder?

Não sou o dono da razão, mas não me parece razoável.

O mais grave de tudo isso é ver­mos mil­hares de brasileiros, talvez mil­hões, muitos for­madores de opinião defend­endo que uma nação sober­ana aceite esse tipo de coisa: que a empresa não ape­nas se recuse a cumprir decisões judi­ci­ais como a respeitar a leg­is­lação do país.

No meu ponto de vista não faz qual­quer sen­tido.

Não con­sigo com­preen­der como cidadãos brasileiros, patri­o­tas, defendam que uma empresa – qual­quer empresa –, possa se recusar a cumprir as leis do país e con­tin­uar operando (e lucrando) como se nada tivesse acon­te­cido.

Ora, essa é a pos­tura é bem difer­ente do que aprendi com Rui: “não existe sal­vação fora lei”.

Como os ami­gos e leitores podem perce­ber, no texto pre­sente evitei “dá nome aos bois”, falando no genérico e isso tem o propósito de mostrar que se des­tina a qual­quer um.

Essa polar­iza­ção ridícula acaba por “cor­roer o cére­bro” das pes­soas a ponto de não fazê-​las com­preen­der con­ceitos bási­cos como os descorti­na­dos no texto ou até mesmo a com­preen­derem o que seja uma nação sober­ana.

Esse é o prin­ci­pal desafio da democ­ra­cia brasileira: a pop­u­lação não con­segue “ficar do mesmo lado” nem mesmo quando a sobera­nia nacional – que lev­a­mos tanto tempo para con­quis­tar –, é afrontada.

Em pas­sado dis­tante pelos anos vinte e trinta do século pas­sado, defend­eram que o Brasil fosse uma nação-​satélite da antiga União Soviética.

Não tarda alguém pas­sará a defender que volte­mos ao sta­tus de colô­nia. E, pior, colô­nia de empresa.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.