AbdonMarinho - Reflexões para a democracia.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Reflexões para a democracia.


Reflexões para a democ­ra­cia.

Por Abdon C. Mar­inho.

EXIS­TIU UM TEMPO na história da humanidade em que era “nor­mal” que uns escrav­izassem out­ros. A econo­mia de muitas nações, por muito tempo, viveu dessa prática ver­gonhosa.

Emb­ora ten­hamos con­hec­i­mento de escravidão de out­ros povos, os africanos – e as nações da África –, foi quem mais sofreu com essa prática – e vivem com as suas con­se­quên­cias até hoje.

Aque­les que viviam da escravidão eram “cidadãos de bem”, pro­te­tores da família, da moral e dos bons cos­tumes; iam mis­sas de domingo com suas famílias e con­tavam com a sim­pa­tia de todos.

O Brasil viveu dessa prática odi­enta por sécu­los, até, pre­cisa­mente, 1888, quando foi dec­re­tada a extinção da escravidão no nosso país.

Ainda hoje per­siste práti­cas de escravidão – não ape­nas de negros, mas, tam­bém, de bran­cos –, em várias modal­i­dades de explo­ração.

A mis­éria e a fome são os novos gril­hões que apri­sionam mil­hares, senão mil­hões de pes­soas no Brasil e no resto do mundo.

Os “novos” escrav­ocratas não estão escon­di­dos nos “cafundós do Judas”, estão bem mais perto do que imag­i­namos, fre­quen­tam a “sociedade”, são tidos por cidadãos de bem, desco­la­dos, ricos, “bem suce­di­dos”, etc., o típico cidadão que se diz defen­sor da lei e dos bons cos­tumes.

Muito emb­ora a escravidão de negros tenha sido declar­ada extinta no Brasil, quase um século e meio depois, os efeitos da escrav­iza­ção con­tin­uam pre­sentes na sociedade se man­i­fe­s­tando con­tra os negros de forma velada ou escan­car­ada nas várias for­mas de racismo que assis­ti­mos diari­a­mente.

Muitas das vezes as dis­crim­i­nações soci­ais e o racismo ocor­rem de for­mas tão sutis que mesmo as víti­mas não se dão conta e acabam por aliar-​se aos dis­crim­i­nadores racis­tas.

Exis­tiu um tempo em que as mul­heres eram con­sid­er­adas cidadãs de segunda cat­e­go­ria, viviam em função do marido (e na dependên­cia dele) ou do filho (e na dependên­cia desse), não era con­sid­er­ada apta para o tra­balho, para exercer quais­quer funções fora do lar e mesmo neste, dev­e­ria cumprir o papel de “parideira” estado sem­pre a dis­posição do homem quando este a quisesse “usar” e fazer fil­hos homens sendo “cul­padas” por não engravi­darem ou por não parirem fil­hos homens.

Uma nov­ela de época tendo o grande ator José Wilker no papel prin­ci­pal na qual con­tra­ce­nava com não menos bril­hante atriz Maitê Proença retrata muito bem essa fase triste da história brasileira.

Em todo mundo a con­quista do dire­ito de voto fem­i­nino foi muito demor­ada.

No Brasil só con­quis­taram esse dire­ito a par­tir de 1932. Quase cem anos depois a par­tic­i­pação da mul­her na política brasileira e na vida pública nacional ainda é pífia. Basta ver o número de mul­heres no Con­gresso Nacional, nas Assem­bleias Leg­isla­ti­vas, nas Câmaras de Vereadores, nas Cortes de Justiça, seja estad­ual, fed­eral, nos car­gos públi­cos de relevân­cia.

Quando faze­mos essa análise em relação as mul­heres pre­tas aí sim é que não existe mesmo.

O Brasil – e tam­bém o mundo –, ainda vivem uma espé­cie de patri­ar­cado racista onde uma elite rica, mas­culina e branca se acha no dire­ito de coman­darem os des­ti­nos da sociedade mundial.

Ainda hoje em muitas nações do mundo as mul­heres não têm respeitado seus dire­itos mais ele­mentares e mesmo nas chamadas democ­ra­cias oci­den­tais sofrem toda sorte de vio­lên­cia.

Os números estão aí para serem con­fronta­dos.

A cada dia mil­hares de mul­heres sofrem vio­lên­cia física ou sex­ual, são assas­si­nadas por homens que ainda hoje se jul­gam seus donos; sofrem vio­lên­cia pat­ri­mo­nial sendo obri­gadas a tra­bal­harem para sus­tentarem rufiões e malan­dros de todo tipo, sob pena de sofr­erem mais vio­lên­cia física ou serem mortas.

Todos os dias se tem notí­cia de cri­anças sendo “ven­di­das” para a pros­ti­tu­ição ou mesmo para serem “escrav­izadas” de diver­sas for­mas.

Em maior ou menor grau, a mis­oginia e a vio­lên­cia de gênero se fazem pre­sente nos dias atu­ais.

E se man­i­fes­tam muitas das vezes das for­mas mais absur­das e tam­bém sutis.

Outro dia a Câmara dos Dep­uta­dos do Brasil colo­cou em régime de urgên­cia um pro­jeto de lei que tinha por obje­tivo crim­i­nalizar as mul­heres que prat­i­cas­sem o aborto após deter­mi­nado lapso tem­po­ral. Como no Brasil o aborto só é per­mi­tido em três casos (nos casos de estupro, risco de vida para a mãe e nos casos de anencé­fa­los) a pena assi­nada seria maior do que aquela deter­mi­nada para o cidadão que estuprou a vítima.

Um outro caso, ainda no Brasil, que com­prova o quanto ainda ter­e­mos que per­cor­rer para chegar­mos a uma sociedade min­i­ma­mente civ­i­lizada, aprovou-​se uma anis­tia aos par­tidos políti­cos que deixaram de cumprir a cota de gênero e os isen­tando de aplicar os recur­sos públi­cos nas cam­pan­has de mul­heres e negros.

Esse tipo de coisa, infe­liz­mente, não é priv­ilé­gio do estado brasileiro, agora mesmo, na cam­panha eleitoral amer­i­cana, o can­didato Don­ald Trump, desde sem­pre rico, branco, macho, disse que a can­di­data adver­sária não pode­ria tornar-​se pres­i­dente daquele país por ser mul­her e social­ista.

Como social­ismo é algo inex­is­tente para os amer­i­canos, ele não “aceita” é a can­di­datura de uma mul­her, e ao seu estilo, dev­erá atacá-​la por todos meios baixos e sór­di­dos.

Ora, onde já se viu uma mul­her pre­tender um cargo político de tanta relevân­cia e respon­s­abil­i­dade?

Outro dia vi uma declar­ação do can­didato a vice-​presidente de Trump onde o mesmo dizia que a can­di­data democ­rata não estaria apta por nunca ter dado a luz, nunca ter parido.

Como podemos perce­ber os “cidadãos de bem” não con­seguem se desvin­cu­larem do pas­sado escrav­ocrata, patri­ar­cal e dis­crim­i­natório con­tra todos aque­les que não são do seu “padrão”. Esse tipo de com­por­ta­mento encontra-​se na raiz das maiores tragé­dias da humanidade.

As vésperas das eleições no Brasil e nos Esta­dos Unidos acho de fun­da­men­tal importân­cia para a sociedade fazer esse tipo de reflexão.

Que tipo de rep­re­sen­tação política os brasileiros quer­e­mos nas prefeituras e nas Câmaras Munic­i­pais: uma rep­re­sen­tação que pro­cure res­gatar e rep­re­sen­tar toda a sociedade brasileira com um número cada vez maior de mul­heres, negros, pes­soas com defi­ciên­cia na política ou a rep­re­sen­tação do tempo dos coro­néis?

Em relação as eleições pres­i­den­ci­ais amer­i­canas vejo com extremo otimismo e bem-​querer o ingresso da atual vice-​presidente Kamala Har­ris para dis­putar o cargo de pres­i­dente.

Essa mul­her filha de um pai imi­grante jamaicano e de uma mãe imi­grante indi­ana rep­re­senta um sopro revig­o­rante para o que se entende por democ­ra­cia, um gov­erno de todos e para todos. Mostra para mil­hões (ou bil­hões) de meni­nas ao redor do mundo que elas podem chegar ou quis­erem e que não podem aceitar por serem mul­heres, negras, um papel secundário em qual­quer lugar onde se encon­trem.

O anor­mal numa sociedade é a desigual­dade. Todos pre­cisam ser iguais e trata­dos como iguais e igual­mente mere­ce­dores da atenção, respeito e opor­tu­nidades.

Não parece razoável que em pleno século XXI ainda ten­hamos que viver em um mundo com tanta desigual­dade, intol­erân­cia e desre­speito aos que querem viver suas próprias vidas.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.