AbdonMarinho - Uma guerra desumana.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Uma guerra desumana.


UMA GUERRA DESUMANA.

Por Abdon C. Marinho*.

DURANTE a sem­ana, em uma plataforma de stream­ing, assisti ao filme Golda — A Mul­her de Uma Nação, que retrata a guerra do Yom Kip­pur, em 1973, quando Sírios e Egíp­cios, aliás, as duas nações atacaram nesse feri­ado o Estado Israe­lense.

Trata-​se de um filme sobre a aquela guerra sem ser um filme de guerra. Mostra o con­flito a par­tir da visão da primeira mul­her a ocu­par o posto de primeira-​ministra de Israel – de 1969 a 1974, já com 70 anos de idade, enfrentando prob­le­mas graves de saúde –, tendo que tomar decisões de alto risco que pode­riam sig­nificar, inclu­sive, a extinção do estado judeu.

No filme o papel de Golda Meir é desem­pen­hado pela extra­ordinária Helen Mir­rem, que de tão per­feita na cara­ter­i­za­ção temos difi­cul­dades para iden­ti­ficar (eu mesmo só fui saber quem era quando vi nos crédi­tos).

Golda Meir era judia ucra­ni­ana que viveu de 1898 a 1978, antes de migrar para a Palestina, em 1921 — e depois -, assis­tiu a perseguição con­tra os judeus na Europa Oci­den­tal durante a infân­cia e juven­tude. Durante a guerra do Yom Kip­pur, como diplo­mata expe­ri­ente, Golda mostrou forte lid­er­ança e habil­i­dade ao con­duzir o con­flito, que, como já dito acima, pode­ria ter cul­mi­nado como o fim de Israel. Já com a saúde debil­i­tada renun­ciou a cargo de primeira-​ministra em 1974 e fale­ceu, aos 80 anos, em 1978. Em setem­bro do ano de sua morte ocor­rida em dezem­bro, foi assi­nado o primeiro acordo de Camp David, entre Egito e Israel, que ren­deu aos líderes dos dois países (Anwar Sadat e Men­achem Begin) o Prêmio Nobel da Paz de 1978.

Fui “con­hecer” Golda Meir dez anos depois da sua morte, nos anos 1988/​89, quando durante alguns meses fiz o preparatório para o vestibu­lar no cursinho do pro­fes­sor José Maria do Ama­ral, na Rua dos Afo­ga­dos. O pro­fes­sor José Maria do Ama­ral é um grande entu­si­asta da “causa judaica” e uma espé­cie de fã número um da antiga primeira-​ministra de Israel, citando-​a sem­pre que sur­gia opor­tu­nidade nas suas aulas ou nos inter­va­los das mes­mas. Como se fosse hoje, lem­bro que pro­nun­ci­ava o nome dela “car­regando” no sobrenome Golda “mei­iir”. Nunca esqueci.

Acred­ito que a par­tir dessa “intro­dução” pas­sei a interessar-​me mais pelos acon­tec­i­men­tos do Ori­ente Médio. Li diver­sos livros, arti­gos, assisti out­ros filmes e séries sobre os inúmeros con­fli­tos entre Israel e seus viz­in­hos (acho que tem um livro ou filme com esse nome). Com o saudoso amigo e jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues, sobre­tudo depois da primeira intifada, fize­mos muitos debates sobre os con­fli­tos e guer­ras daquela região. WR dizia com certa mofa ter certeza que não exi­s­tiria uma única pedra no Ori­ente Médio que não tivesse já sito ati­rada con­tra alguém.

Emb­ora já tenha tratado aqui, mais de uma vez, da atual guerra que se desen­volve em Gaza, a estre­ita faixa que fun­ciona como uma prisão ou campo de con­cen­tração para mais de dois mil­hões de palesti­nos, o filme assis­tido sobre a Guerra do Yom Kip­pur e, prin­ci­pal­mente, o papel dos líderes do país daquele momento e de agora me per­mi­ti­ram fazer um para­lelo entre os dois con­fli­tos, inclu­sive, para dizer que, quem nasceu Bibi Netanyahu jamais será Golda Meir.

O homem (ou mul­her) é a sua história e cir­cun­stân­cias. Isso tam­bém serve para os acon­tec­i­men­tos históri­cos.

Quando faze­mos os recortes dos fatos ocor­ri­dos no final dos anos sessenta e setenta e que cul­mi­nam com a Guerra do Yom Kip­pur, em out­ubro de 1973; e o ataque ter­ror­ista de 07 de out­ubro de 2023 que cul­mi­naram na guerra atual, vemos que há um grave descom­passo.

A despeito de ter­mos sérias con­tro­vér­sias sobre a gestão de Golda Meir e mesmo as mortes de palesti­nos durante a gestão e prin­ci­pal­mente durante a guerra, nada se com­para ao que vem ocor­rendo.

Em out­ubro de 1973, tín­hamos dois países, Egito e Síria, no norte e no sul, ata­cando de sur­presa o Estado Israe­lense com vis­tas à sua aniquilação, a sua extinção enquanto estado sober­ano.

Em out­ubro de 2023, tive­mos um grupo ter­ror­ista, Hamas, pro­movendo um ataque con­tra Israel. Ataque bár­baro, inqual­i­ficável mas, que, inde­pen­dente de qual­quer coisa, muito longe esteve de se com­parar aos ataques do Yom Kip­pur.

Logo, a reação de Israel a tal ataque não pode­ria ser nos moldes que vem se desen­rolando com a pop­u­lação civil sendo aniquilada à des­culpa de com­bater o Hamas.

O Hamas, registre-​se, é um grupo ter­ror­ista que gan­hou “mus­cu­latura” política e mil­i­tar graças ao apoio de Israel.

Até o dia que assisti o filme (acho que dia 10 de janeiro), o número de mor­tos palesti­nos na guerra já alcançava a hor­renda quan­tia de 23 mil víti­mas, destas, setenta por cento, repito, SETENTA POR CENTO, mul­heres e cri­anças. Os demais mor­tos, não esta­mos dizendo ter­ror­is­tas, mas, civis.

Isso tudo em ape­nas 90 dias de guerra.

Quem assiste a guerra de longe, pode achar que é ape­nas um número, uma estatís­tica. Mas, imag­ine empil­har os cor­pos de 17 mil mul­heres e cri­anças. Imag­ine visu­alizar tal cena.

Quan­tos ter­ror­ista as forças armadas de Israel elim­i­nou para jus­ti­ficar a matança de civis? Dezes­sete mil só de mul­heres e cri­anças?

Sob qual­quer aspecto que exam­ine a questão não con­sigo encon­trar uma jus­ti­fica­tiva razoável para aceitar que para elim­i­nar um pun­hado de ter­ror­is­tas se matem tan­tos civis.

E não se trata ape­nas de mortes em si, já ter­ríveis, esta­mos falando de quase dois mil­hões de pes­soas desa­lo­jadas, assom­bradas, vivendo na certeza de logo podem ser as próx­i­mas víti­mas; esta­mos falando de mil­hares de feri­dos pas­sando por trata­men­tos médi­cos sem as mín­i­mas condições; esta­mos falando da fome, da sede e do frio a que estão sub­meti­das essas pes­soas.

O ataque ter­ror­ista do Hamas, por mais vio­lento e abjeto que tenha sido não jus­ti­fica a reação despro­por­cional do estado israe­lense con­tra os civis palesti­nos.

Não é des­culpa dizer que os ter­ror­is­tas uti­lizam os civis como “escu­dos humanos”. São quase 25 mil civis mor­tos, setenta por cento de mul­heres e cri­anças.

Não existe jus­ti­fica­tiva para isso.

Muito mais cedo do que tarde a história cobrará dos envolvi­dos a respon­s­abil­i­dade de cada um. Cobrará o fato dos líderes do mundo apoiarem ou silen­cia­rem diante de tanto sofri­mento imposto aos inocentes.

Como disse ante­ri­or­mente, não há jus­ti­fica­tiva plausível para Israel elim­i­nar tan­tos civis inocentes com a des­culpa de que com­bate o grupo ter­ror­ista que o ata­cou.

Isso fica muito mais evi­dente quando faze­mos os com­par­a­tivos entre os dois recortes históri­cos e mais ainda quando com­para­mos os homens e mul­heres e aquilata­mos suas reações ao redor do mundo.

Em boa hora – emb­ora já tar­dia­mente –, a África do Sul pro­to­colou denún­cia no Tri­bunal Penal Inter­na­cional con­tra Israel, medida apoiada pelo Brasil.

Toda guerra é desumana. A guerra da Rús­sia con­tra a Ucrâ­nia, por exem­plo, é outra aber­ração histórica que já cau­sou mil­hares de mor­tos mas que diante do que vem ocor­rendo em Gaza parece um “acon­tec­i­mento dis­tante”.

Os cidadãos de bem pre­cisamos deixar claro que não esta­mos de acordo com o que vem acon­te­cendo no mundo. Pre­cisamos externar isso de forma bas­tante firme. Pre­cisamos que nos­sas vozes façam ces­sar as barbáries.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.