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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


AINDA É CAMPANHA … NO GRUPO DA FAMÍLIA.

Por Abdon C. Marinho.

HÁ ALGUNS ASSISTI uma troca de mensagens acalorada entre dois dos meus amados sobrinhos – irmãos entre si –, no “grupo da família”. 

O assunto era o mesmo de sempre dos últimos meses, quiçá anos: o cadáver insepulto da eleição presidencial que teima em não desencarnar. 

A troca de mensagens, por vezes áspera, remetia-me à ideia de que a eleição ainda iria ocorrer e não que já passara e que o governo eleito, a ser empossado no primeiro dia do ano que vem, já está fazendo suas próprias besteiras, e isso, inclusive, já servia de munição no debate entre ambos. 

Como não costumo travar qualquer debate em grupo – muito embora tenha opinião formada e exposta semanalmente nos nossos textos –, apenas registrei as colocações deles evitando “tomar partido” no acalorado debate. 

Depois, cá com os meus botões, pus-me a refletir sobre o que vem acontecendo no Brasil.

Como, na nossa família, exceção feita a minha pessoa, nunca tivemos significativo engajamento político, imagino as fraturas expostas do processo eleitoral ainda se fazem presentes na maioria dos lares brasileiros, entre os grupos de amigos ou mesmo entre os colegas de empresas ou repartição.

Além do “grupo da família”, em outros em que fui colocado, parece que o único assunto existente e pertinente é o resultado eleitoral com pregações, vejam só, mesmo em grupos de advogados, de propostas ou defesa de rupturas institucionais. 

Fico sem entender nada, os advogados, somos, nos termos da Constituição da República, artigo 133 “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. 

Apesar disso, vejo alguns colegas na defesa intransigente de retrocessos e, pasmem, de um retorno à ditadura militar ou de uma nova ditadura – pois as ditaduras militares nunca são as mesmas e nunca são iguais, elas sempre encontram uma forma de “se piorarem” para se manterem no poder. 

Ora, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal. 

Se não acreditamos no princípio da soberania popular e achamos que os militares que não tiverem o voto de ninguém devem intervir no poder estabelecido conforme o estado democrático de direito, é porque deixamos de acreditar no próprio país. 

E retorno ao assunto principal nos trouxe aqui:

Imagino que ainda hoje, mais de  trinta dias após o pleito, irmãos estejam intrigados, pais mal falando com filhos, avós sem abençoar netos, já sem poderem compartilhar a alegria dos almoços de domingo. 

Imagino amigos inventando desculpas para não se encontrarem ou colegas de trabalho que limitam os contatos ao essencial.

Ainda hoje, tem-se notícias de pessoas sendo agredidas ou assediadas por seus posicionamentos políticos em locais públicos, no Brasil e no exterior. 

E, até pior, vemos autoridades – sobretudo do judiciário –, sendo atacadas ou constrangidas por onde passam, como se fossem responsáveis pelo resultado eleitoral adverso de um candidato que perdeu a eleição para si próprio. 

É como se estivéssemos voltando ao estágio de barbárie – pior com muita “gente boa” achando “bonito”.

O que dizer da situação de um senhor de 80 anos – vamos abstrair que se trata de um dos maiores artistas do país, reconhecido por sua intelectualidade, a ponto de torna-se membro da Academia Brasileira de Letras –, ser agredido por cidadãos brasileiros enquanto se dirigia para acompanhar um jogo da seleção brasileira pela Copa do Mundo? 

Acaso ele – e qualquer outro cidadão –, não tem o direito de ter sua preferência política e votar em quem quiser? 

Se ignorarmos que temos de especial na nossa democracia é o fato dos cidadãos, independente de qualquer condição financeira, intelectual, de cor, raça, gênero e tantas outras, tem o direito de votarem em quem quiserem e que seu voto tem a mesma valia, talvez estejamos acometidos por alguma desconformidade cognitiva. 

O princípio constitucional da soberania popular materializado no voto livre e secreto é a baliza que deve submeter-se todos os cidadãos, independente de concordarmos ou não com a escolha feita. A única limitação a tal baliza é o respeito e garantia às minorias. Garantias de que as minorias são igualmente sujeitas de direitos e obrigações não podendo em razão disso sofrer qualquer tipo de retaliação. 

Ao longo da minha vida participei de inúmeras eleições e perdi – ou os candidatos para quem torci, perderam –, a maioria delas. Talvez por isso tenha aprendido, e aceitado, que a derrota eleitoral faz parte do processo e o que nos cabe fazer, se quisermos nos manter nos processos eleitorais futuros é trabalhar mais. 

Tal premissa, entretanto, só funciona dentro do estado democrático de direito. Nas ditaduras, como pregam, os donos do poder sempre encontrarão artifícios e subterfúgios para ignorar os resultados das eleições. Uma vez é a desculpa da fraude, noutra vez que a justiça “pendeu” para um lado, outra que o sistema eletrônico não é confiável e por aí vai, como na parábola do lobo e do cordeiro.

Enquanto isso contam com séquito de adoradores que, talvez, por necessidade de “pertencimento” acha que tudo vai certo e que o certo é que encontra-se errado ou, pior que isso, que não existe mais o certo ou o errado, tudo não passando de uma questão de “ponto de vista” ou do interesse a ser defendido. 

Isso vem acontecendo com pessoas bem próxima a nós – como disse no início “no grupo da família” –, são amigos, são familiares, são vizinhos, são amigos. 

À procura de um sapateiro que produza sapatos sob medida fui ao João Paulo por estes dias, ainda muito cedo, passei em frente ao 24º Batalhão de Caçadores do Exército (não sei se ainda se chama assim) e depare-me com a Praça Duque de Caxias, em frente ao mesmo,  transformada em um acampamento, tomada por inúmeras faixas pedindo golpe militar.

Por ser  muito cedo, não deu para perceber a presença de “multidão”, mas, por outro lado, chama a atenção que mais de um mês depois das eleições presidenciais ainda estejamos este nível de inconformismo ou de manipulação dos cidadãos que não querem – e por isso não aceitam –, que o candidato vencedor seja diplomado e assuma ao cargo para o qual foi eleito. 

Decerto que isso não é normal. 

Imagino (apenas imagino) que o vem ocorrendo no Brasil – este nível de radicalização política –, seja algo semelhante ou muito próximo do que ocorreu (e ocorre) em muitos países europeus e de outros cantos do mundo em jovens e adultos “se deixaram” radicalizar a ponto de irem se inscrever para “lutar contra as forças do mal” no Estado Islâmico. De repente, em diversos países europeus, vimos jovens até mesmo adolescentes de ambos os sexos fugirem de casa e atravessar “meio mundo” para serem explorados de todas formas por aqueles “líderes” numa guerra que não era sua. Quantos não foram abusados, não perderam a vida, viraram prisioneiros ou escravos e até hoje fazem seus pais sofrerem? 

O nível de radicalização política que vemos no país hoje é muito semelhante ao que vimos acontecer na Europa com estes milhares de jovens e/ou adolescentes que deixaram seus lares e seus países para irem a “luta contra o mal” junto ao Estado Islâmico. 

Os nossos “jihadistas” acampados em frente aos quartéis e tiros de guerra, também, dizem que estão lutando contra o mal, contra o comunismo (os comunistas estão na outra esquina prontos para tomar o poder, estuprar nossas filhas, abolir nossas propriedades, etc), contra o satanismo (Satanás, o próprio, está chegando com seu exército do mal para perverter nossas almas) e por aí vai.

Agem e discutem como se “mundo fosse acabar amanhã”. 

A ninguém socorre a ideia de que foi apenas uma eleição e que daqui a quatro anos teremos outra é mais outra quatro anos depois e assim sucessivamente.

Calma, patriotas! Calma!

Abdon C. Marinho é advogado.