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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


A FOME, A DOENÇA, A GANÂNCIA E O CRIME.

Por Abdon C. Marinho.

A FOME sempre me foi um tema perturbador. Talvez ter sido criado como “Deus cria batatas na beira do rio”, na insegurança da orfandade desde os cinco anos de idade, tenha influenciado neste sentimento. 

Quando trabalhei na Assembleia Legislativa (1991/1995) como chefe de gabinete do deputado estadual Juarez Medeiros, sempre me chagavam pedidos de toda ordem. Não sei se ainda é assim, mas no tempo em que a Casa do Povo funcionava na Rua do Egito e o acesso dos cidadãos era mais fácil, estávamos a dez metros de sermos surpreendidos com algum pedido. Uma indústria de pedintes profissionais que viviam passando de gabinete em gabinete tentando conseguir alguma coisa. 

Como chefe de gabinete, os pedidos chegavam para eu resolver, até já destinávamos uma quantia todo mês com essa finalidade. 

Certa vez, um cidadão que não conhecia minha fama de possuir boa memória tentou aplicar-me um golpe –  e conseguiu, ao menos em cinquenta por cento. 

O indigitado chegou no gabinete com uma conversa “bonita”, porém, triste: precisava ir a determinado interior porque sua mãe morrera naquele dia, queria o dinheiro da passagem e ainda uma ajuda para o velório/enterro. 

Sensibilizado diante de uma tragédia que conhecia bem, não demorei a acudi-lo, peguei o recurso do “fundo de reserva” e o ajudei. 

Não se passaram seis meses – acredito que por termos mudado de gabinete –, lá estava o mesmo cidadão diante de mim contanto a mesma história: — sabe, senhor, minha mãe morreu hoje, preciso ir com urgência para o velório, ajudar no enterro, etc. Para tentar aumentar a empatia, ainda completou: — sei que o deputado Juarez é uma pessoa de bom coração, você é irmão dele, não é? Como gente feia é tudo parecida, na época corria o boato que eu seria irmão do deputado. 

Mal terminou sua falação, o atalhei: — meu amigo, não sei quantos pais você tem, se tem mais de um ou nenhum, mas mãe só se tem uma e a sua, ajudei a “enterrá-la” não tem seis meses. 

O cidadão riu amarelo e saiu para tentar aplicar o golpe noutro gabinete ou para rua. 

Já o mesmo tirocínio nunca tive quando o cidadão diz que precisa de ajuda para comprar comida, para si, ou para os filhos menores. Me “ganham” todas. Basta dizer: — oh, doutor saí de casa cedo a procura de trabalho e não deixei nada para as crianças comerem. 

Muitas das vezes a conversa tem “cara” de golpe, “cheiro” golpe e todos os demais predicados de  que se trata de um golpe, mas acabo “caindo”. Sempre penso: “e se for verdade, se de fato tem uma ou mais criança passando fome?”. 

Agora com essa profusão de redes sociais, métodos de pagamentos, os pedidos/golpes vem pelo celular e as transferências via pix. 

Parto do princípio de que é preferível ser o alvo dos pedidos de ajuda – golpes ou não –, do que precisar da ajuda de outrem. 

Pois bem, feitas tais considerações, devo dizer –  ou confessar –, que as imagens dos indígenas ianomâmis esquálidos, literalmente “mortos de fome”, já passados tantos dias desde que divulgadas pela primeira vez, não me saem da cabeça. 

São centenas – talvez milhares –, de indígenas mortos pela fome ou doenças causadas por ela ou pela contaminação dos seus recursos naturais renováveis. Crimes cometidos contra um povo que não poderão ficar impunes. 

Nos últimos anos órgãos públicos, do próprio governo, alertaram aos mandatários eleitos para cuidar do povo, para o avanço dos garimpos ilegais em áreas indígenas. 

Tais alertas apontavam para o acréscimo de milhares e milhares de hectares de garimpos ilegais. Outros alertas, para a contaminação dos rios pelo mercúrio e até mesmo para o fato dos indígenas já estarem morrendo em decorrência disso. 

Não vejo como a Polícia Federal terá dificuldades em identificar os responsáveis, os lenientes e os omissos em tais situações. 

O INPE o IBAMA e outros órgãos, desde sempre alertaram para o aumento do desmatamento, para o surgimento de inúmeros garimpos ilegais e depois, outros órgãos, foram alertando para as consequências decorrentes. 

O que fizeram os “supostos” responsáveis? Demitiram os dirigentes dos órgãos, proibiram a emissão de multas, proibiram o combate as atividades ilegais, “sucatearam” os órgãos públicos e fizeram pouco caso das consequências. 

Foi assim desde o início do governo que findou. 

A cada denúncia de crime ambiental cometido, uma enxurrada de fake news para desqualificar os denunciantes – ainda que fossem informações oficiais de órgãos públicos, do próprio governo.

Agora mesmo, diante das imagens chocantes que mais se assemelham às fotografias em preto-e-branco tiradas nos abomináveis Campos de Concentração da Segunda Guerra Mundial, tentam fazer pouco caso, ignorar, dizer que são “índios importados da Venezuela”, politizar e fingir que nada têm com o caso.

Agora mesmo, o site UOL traz a informação de que documentos oficiais já cobravam providências para o Ministério da Justiça e da Cidadania desde meados de 2021 em relação a situação nutricional dos povos indígenas. E não foi apenas uma única vez, mas diversas, e o que fizeram as autoridades? Ignoraram. 

E a denúncia do site é mais grave: segundo ele (site), embora sabendo o que se passava o governo “cortou” os alimentos que deveriam ser enviados aos povos ianomâmis. 

Os responsáveis, as cadeias de comando dos crimes cometidos é de fácil compreensão e elucidação. 

O que precisa ser comprovado de forma incontroversa é se os atos criminosos cometidos contra os povos indígenas tiveram o propósito deliberado de exterminá-los, ou seja, se a ideia era cometer o genocídio. Caso afirmativo, quem idealizou, concorreu, teve atitude comissivas ou omissivas em relação ao que estava acontecendo. 

Conforme já amplamente divulgado nos meios de comunicação, inúmeros “religiosos” com acesso aos ciclos do poder, “vagaram” por garimpos ilegais oferecendo vantagens e cobrando quilos de ouro em troca, fazendo o mesmo em relação a outros trâmites de governamentais; é fato que nos últimos anos nenhuma atividade ilegal seja de desmatamento – em terras indígenas ou não –, seja garimpagem ilegal, sofreu qualquer repressão efetiva, tanto assim que cresceu milhares e milhares de vezes em termos percentuais; é fato, segundo o próprio governo, que mais de um bilhão de reais foram repassados a entidades religiosas para alimentar e cuidar da saúde dos índios e que medicamentos e alimentos foram parar nos garimpos ilegais. 

Não cabe qualquer dúvida de que crimes (inúmeros) foram cometidos em decorrência da ganância e que tiveram como consequência, as doenças, a fome e à morte de um povo, 

Aos investigadores caberá delimitar a responsabilidade de cada um, o dolo de forma comissivas e omissivas dos vários agentes, públicos ou não. 

O segredo é saber investigar. 

Aos que preferiram os “bezerros de ouro” ao estrito cumprimento da palavra de Deus, a hora de prestar contas talvez chegue mais rápido do que pensaram. 

Abdon C. Marinho é advogado.