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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


ENSAIO SOBRE AS PALAVRAS. 

Por Abdon C. Marinho*.

QUANDO menino, ainda na primeira infância e morando na aldeia originária, costumava ouvir do meu pai, analfabeto por parte de pai, mãe e parteira, uma expressão: — se não sabe falar, melhor calar.

Na mesma época tínhamos por casa um velho cachorro branco – bem velho, mesmo –, que, imagino, viera com a família do Rio Grande do Norte por ocasião da vinda para o Maranhão, a quem todos chamavam de “Calar”. Era o nosso “Baleia”, no paralelo familiar com “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.

Como disse, ainda na primeira infância e sem conhecer o sentido das palavras, imaginava que meu pai estava referindo-se ao cachorro. Não sabia falar, era o velho cão. 

Outros ditos daqueles dias: “língua não é osso mas quebra caroço”, “palavras cortam mais que lâminas”,  entre outras.

Com o tempo aprendi que você pode expressar tudo que pensa sobre quaisquer temas desde que saiba como fazê-lo. 

Aprendi isso com a vida – e após cometer muitos erros.

O popular Abelardo Barbosa, o Chacrinha, criou um bordão que ultrapassou sua existência terrena, dizia ele quando animava nossas jovens tardes: — quem não se comunica se trambica. 

Acredito ser incontestável que o atual mandatário da nação seja um grande comunicador – tanto que conseguiu eleger-se presidente três vezes, algo inédito na história do país desde a redemocratização, sem contar a eleição da aliada em 2010 e 2014 –, por outro lado, exceto pelos seus “devotos”, também é fato a sua imensa capacidade de dizer tolices, confundir alhos com bugalhos ou fazer comparações de coisas incomparáveis ou relativizar assuntos complexos. 

Talvez esse imenso pendão para tolices até realce a capacidade de comunicar-se, afinal, se consegue se manter por tantos anos “na crista onda” apesar das enormidades que profere deve ser porque é bom, é o cara.  

E vejam que essa incontrolável atração por bobagens não vem de agora. 

Já no início da carreira como líder político, em entrevista à saudosa revista Playboy disse, sem pudor, da sua admiração por Hitler; lá na frente foi flagrado em um áudio indiscreto falando da necessidade de construir uma rodovia chamada “transviadônica” ligando o município de Pelotas (RS) ao município de Campinas (SP); já foi flagrado relativizando a escravidão brasileira; já teve áudios divulgados falando sobre mulheres do “grelo duro”, e  tantas outras coisas coisas que passaríamos dias só escrevendo sobre elas.

Muito embora sua sucessora eleita em 2010 tenha se notabilizado pelas bobagens e pelas coisas sem nexo proferidas durante o mandato, acredito que chega longe das ditas pelo líder.

No trato da política internacional, com o debate contaminado pelo viés ideológico, então nem se fala. 

No mesmo dia em o “nosso” líder ataca os Estados Unidos ou as seculares democracias europeias é capaz de defender o regime venezuelano ou a ditadura cubana. 

Tudo isso sem trocar de terno ou mesmo a gravata. 

Os despropósitos são tantos que chegou a colocar em condições de igualdade uma nação que estava (está) sendo invadida com a nação invasora. 

Isso não faz muito tempo, foi logo no início da guerra do Ucrânia, que acaba de completar dois anos. Mais à frente, ainda em relação ao mesmo conflito, convidou o autocrata invasor Putin a visitar o Brasil para o encontro do G20, dizendo que o país não cumpriria contra ele um mandato de prisão expedido contra ele pelo Tribunal Penal Internacional que temos obrigação de cumprir por sermos signatários de tratado com tal finalidade. 

Não sei se, chamado à atenção, desistiu do intento tolo.

Pois bem, feitas tais considerações sobre o maltrato as palavras ou a sua utilização incorreta, uma vez que mais sábios dizem que palavras causam mais danos que muitas ações, chegamos a atual crise diplomática com o Estado de Israel. 

Nessa crise diplomática, sob pena de incorremos nos mesmos erros que pretendemos corrigir e/ou esclarecer, faz-se necessário uma análise longe das explorações políticas internas e externas. 

Em seu périplo pela África, o mandatário do Brasil, atravessou Hitler de novo na sua história, como já o fizeram por ocasião da polêmica entrevista dos anos setenta, para comparar o que Israel faz hoje na Faixa de Gaza com o que o nazista fizera ao povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial. 

A colocação gerou (gera) muitas polêmicas, umas legitimas outras ilegítimas; muita exploração política tanto em Israel quanto no Brasil – e até mesmo um tolo pedido de impeachment, feito por parlamentares brasileiros. 

Em nome da verdade é necessário esclarecer os fatos. 

O presidente do Brasil, como já fizera ao comparar uma nação invasora (Rússia) a uma nação invadida (Ucrânia), fez uma analogia desproporcional, equivocada. 

A Segunda Guerra Mundial desencadeada por Hitler custou em vidas humanas, certamente, mais de 70 milhões de mortos. Só Judeus foram cerca de 6 milhões dizimados a sangue frio ou em Campos de Concentração. 

Como podemos perceber são coisas incompatíveis para serem comparadas. 

Mas, por outro lado, a crítica do presidente brasileiro ao que vem ocorrendo em Gaza é pertinente, necessária e justa. 

Temos uma população de aproximadamente 2,5 milhões de pessoas, cercada por todos os lados, passando fome, passando sede, sem medicamentos, com cirurgias, inclusive em crianças, sendo feitas sem anestesia, sendo bombardeadas dia e noite por Estado regular. Devemos considerar que mais de setenta por cento da população de Gaza é composta por mulheres, crianças, idosos, pessoas que nunca fizeram nada contra a existência do Estado de Israel. 

Por mais justo que seja o direito de defesa de Israel, o direito de buscar os reféns injustamente sequestrados, existem regras legais e humanas que precisam ser respeitadas. A primeira delas é a proteção aos civis. Essa regra elementar não vem sendo respeitada. Mais de setenta por cento das vítimas da guerra em Gaza são mulheres, são crianças, são idosos, são pessoas vulneráveis que não têm, sequer, como fugir (e não teria para onde já que estão presas) das bombas que caem sobre suas cabeças. 

O presidente brasileiro não utilizou na sua fala a palavra “holocausto”, até  porque tanto ele quanto a maioria das pessoas não sabem o seu significado. 

O substantivo masculino holocausto, segundo os dicionários, já existia e significava: 1 REL Sacrifício ou ritual religioso praticado especialmente pelos antigos hebreus, em que a vítima era totalmente queimada. 2 A vítima assim sacrificada. 3 POR EXT Ato ou efeito de sacrificar­‑se; expiação, sacrifício: “[…] se fora ele, enfim, que, em nome da própria honra, oferecera seus filhos em holocausto, fora ele também que, depois de tanta honra, se vira subitamente despojado dela, acabrunhado, abatido, derrotado” (JU).4 FIG Ato de renunciar à vontade própria em favor de outrem.

Após a Segunda Guerra Mundial, na falta de uma palavra para descrever o que ocorrera o termo passou, também, a significar: “Genocídio de judeus e de outras minorias, como os ciganos e os homossexuais, ocorrido em campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)”.(Michaelis, edição eletrônica).

Já deixando os considerandos e partindo para os “finalmentes”, como diria o saudoso personagem Odorico Paraguaçu, ao meu sentir, o mandatário brasileiro fez uma analogia desproporcional, talvez, imagino, por desconhecimento histórico, entretanto, a questão de fundo, o que interessa efetivamente nos dias atuais, permanece viva e latente que é o massacre de palestinos inocentes em uma estreita faixa de terra de onde não podem sair. 

Comparar fatos ocorridos há mais de setenta anos com os que estão acontecendo nesse momento é absolutamente indevido, mas, mais grave ainda é “fechar os olhos” para o morticínio que acontece nesse momento à vista de todos. 

— Ah, o presidente do Brasil falou “besteira” ao comparar a segunda guerra com a guerra em Gaza.

Certo, falou besteira.  E, por conta dessa besteira, entre tantas que ele já disse, vamos ignorar o quem acontecendo em Gaza, já denunciado por todos os países sérios do mundo e todas as agências humanitárias?

Ah, o presidente do Brasil falou besteira, Israel está “liberado” para matar velhos, mulheres e crianças em Gaza? É esse o raciocínio dos bons cristãos brasileiros?

Chega às raias do ridículo que parlamentares brasileiros peçam o impeachment por causa da fala  tola do presidente e nada digam sobre o massacre que ocorre em Gaza. 

Não faz sentido nenhum. Esses valentes parece-me mais tolos do que a tolice que querem combater. 

Claro que o presidente poderia utilizar a mesma lógica que utiliza para criticar Israel para criticar a invasão Russa à Ucrânia; para criticar o regime venezuelano, o cubano ou mesmo aquelas sanguinárias ditaduras africanas pelas quais parece nutrir afeto. 

Mas, por conta disso, devemos calar ou fingir que o massacre é devido?

Uma coisa que também aprendi é que não podemos mudar o passado, não podemos retornar no tempo e impedir as mortes dos milhões que pereceram na Segunda Guerra, por exemplo, mas podemos (e devemos) trabalhar para que tais tragédias não se repitam. 

E essas tragédias estão aí, à vista de todos. 

Abdon C. Marinho é advogado.