AbdonMarinho - O SENADO E O CHEQUE DE NORONHA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O SENADO E O CHEQUE DE NORONHA.

O SENADO E O CHEQUE DE NORONHA.

Um dos mais famosos empresários do Maran­hão foi Luís Antônio Noronha. Não bas­tasse sua verve para os negó­cios, seu recon­hecido tino empre­sar­ial, era tam­bém con­hecido pelas inúmeras “péro­las” gra­mat­i­cais com as quais brindou a sociedade. Logo que aqui cheguei era comum ouvir-​se dizer: “Sabes a última do Noronha?” Ríamos muito com as histórias con­tadas. Muitas, claro, a menos ao meu juízo, não pas­sava de invenção, como aquela que diz voltou muito impres­sion­ado dos Esta­dos Unidos ao con­statar que as cri­anças de lá com 05 anos já sabiam falar inglês. Outra foi aquela em em disse a um amigo que iria a grande forró e tendo este lhe per­gun­tado qual, disse que era o forró do Ger­son. Na ver­dade o tal forró não pas­sava de uma empresa que colo­cava forro de gesso. Cada um tinha uma destas histórias na quais lendas e real­i­dades se fundiam.

O pas­sa­mento do empresário, em julho de 2006, deixou uma lacuna, não ape­nas no mundo empre­sar­ial, mas como refer­ên­cia como cidadão, sobre­tudo por povoar o imag­inário da cidade com suas tiradas. Ao par­tir já era uma espé­cie de patrimônio da cidade e do povo maranhense.

Por estes dias, me lem­brava de uma, que como muitas out­ras, talvez não passé de invenção. Vamos a ela. Conta que certa vez a secretária do empresário tinha um cheque a preencher e chegou para ele: \\\»– Seu Noronha como se escreve sessenta?\\\» O empresário sem perder o ponto foi logo respon­dendo: \\\»– Minha filha, se tem dúvida, faz logo dois de trinta.\\\»

Lembrava-​me desta história ao ler que uma das comis­sões do Senado da República ten­cionaria pro­por mais algu­mas alter­ações no acordo ortográ­fico da lín­gua por­tuguesa. Colho do site de Veja a seguinte infor­mação: \\\«Segundo a ver­são que cir­cu­lou, um grupo do Senado defend­e­ria uma \\\«sim­pli­fi­cação\\\» do idioma escrito pro­pondo para isso que palavras grafadas com \\\«ç\\\», \\\«ss\\\», \\\«sc\\\» e \\\«xc\\\» pas­sas­sem a ser redigi­das exclu­si­va­mente um \\\«s\\\»; o \\\«h\\\» no iní­cio das palavras, por sua vez, seria suprim­ido — \\\«homem\\\» viraria “omem”. Isso evi­taria con­fusões na hora de escrever.”

Emb­ora, após a reper­cussão, começassem a dizer que tudo não pas­sou de mal-​entendido, não resta dúvi­das que chegaram a cog­i­tar o absurdo. Como, aliás, tem sido comum naquela Casa.

A lín­gua por­tuguesa, como todas as out­ras, são vivas, podem e devem sofrer alter­ações. Agora mesmo esta­mos implan­tando uma reforma ortográ­fica para ten­tar uni­formizar o padrão lin­guís­tico em todas nações que falam o por­tuguês, na minha opinião com enorme perda. Não me acos­tumo em ter que suprimir um trema, um agudo. Angustia-​me toda vez que tenho que fazer isso. Entre­tanto, não é essa a questão.

O que está errado na proposição de suas excelên­cias, os senadores, é a moti­vação. Ao invés de se dis­cu­tir a edu­cação no Brasil, mel­ho­rar o apren­dizado, se busca o atalho. O povo não sabe escr­ever cor­re­ta­mente? Não per­camos tempo com isso, vamos escr­ever con­forme se fala, reduzir as difi­cul­dades. Esse é o prin­ci­pal problema.

A edu­cação brasileira vem sendo destruída ao longo dos anos por conta de ideias como estas, a busca dos atal­hos. Inven­taram que os estu­dantes não podiam mais reprovar. Fizessem o que não fizessem, os pro­fes­sores tin­ham a obri­gação de passá-​los de ano. Com isso os pro­fes­sores foram per­dendo o comando de sala de aula, tiveram sua autori­dade dimin­uída. Por que estu­dar se vou pas­sar do mesmo jeito? Um erro ter­rível. A falta de autori­dade – entre out­ras coisas – tem lev­ado à vio­lên­cia, ao deses­tí­mulo dos pro­fes­sores, a insat­is­fação. O pro­fes­sor não pode dizer nada que corre o risco de ser agre­dido, de apan­har em sala de aula. Criou-​se o mito da edu­cação de iguais em sala de aula. Esta­mos falando de cri­anças de 6, 7, 8, 10, 12 anos, é tolice. Não existe edu­cação de iguais. Se o aluno não respeita o pro­fes­sor e sabe que isso não terá qual­quer con­se­quên­cia, esta­mos pro­duzindo o caos em sala de aula. É isso que esta­mos assistindo.

A estraté­gia de pas­sar alunos de ano, de qual­quer modo, foi um erro que ainda, por muito tempo, sen­tire­mos seus efeitos. Não tem como se edu­car sem método, sem autori­dade. Os cur­rícu­los foram, ao longo dos últi­mos anos, sendo alter­ados para pior. Não há com­pro­misso em edu­car e, por suas vez, os estu­dantes, não tem mais o desejo de apren­der, não há o esforço, o receio de ficar reprovado, de repe­tir de ano. Assisto, per­plexo, os ape­los patéti­cos que fazem para que os alunos não aban­donem a sala de aula no meio do ano letivo. Isso se dá porque não há con­se­quên­cia alguma. tanto faz estu­dar ou não. A vida do crime, como não temos um estado forte com leis rig­orosas, é até mais atra­tiva que a vida den­tro lei.

Voltando ao debate sobre a ideia dos nos­sos senadores, o erro está em bus­car, como sem­pre se faz, mais um atalho, mais um jeit­inho. Como se ao suposta­mente “facil­i­tar\\\» a escrita das palavras estivésse­mos mel­ho­rando a edu­cação do povo. O grave é ver que o Senador da República, que dev­e­ria ter as maiores pre­ocu­pações com os temas nacionais, esteja enveredando pela cul­tura do “jeit­inho”, da facil­i­tação. Isso é que é grave. A con­cepção que não se deve apren­der mais e sim adap­tar a lín­gua escrita (e isso serve para tudo) à forma que as pes­soas falam, sem obe­diên­cia a qual­quer regra, sem o inter­esse em saber a razão de ser assim ou assado. A con­tin­uar assim chegare­mos ao dia em que não mais exi­s­tirá a escrita. Nos comu­ni­care­mos ape­nas através da palavra fal­ada. Será isso um grande avanço? Na minha opinião, não. Rep­re­sen­tará um retro­cesso. Ape­sar disso esta­mos cam­in­hando neste sen­tido. O avanço tec­nológico já nos tirou o hábito da escrita cuneiforme. As pes­soas estão despren­dendo a escrita. Entreguem um lápis ou uma caneta para alguém escr­ever um texto e vejam o tamanho do desas­tre. A edu­cação brasileira cam­inha para as cavernas.

O lamen­tável é ver que muitos edu­cadores, estu­diosos e até senadores da República não se dêem conta do que vem ocor­rendo. A edu­cação é pre­ocu­pante não no sen­tido de alguém igno­rar uma hora ou outra uma letra, se a escrita cor­reta de palavra é com “x\\\» ou “ch”, com “ç\\\» ou “ss”, “sc”, “xc”, etc., é o con­junto, é a série de despautérios que ocor­rem com a cumpli­ci­dade e à vista de todos. A edu­cação pre­ocupa na questão cur­ric­u­lar, na falta de estru­tura, na falta de com­pro­misso de edu­cadores e edu­can­dos. A política de facil­i­tação é ape­nas mais um desserviço.

Os senadores, que supo­mos saberem escr­ever cor­re­ta­mente as palavras, ao menos dev­e­riam, pode­riam se dá aos des­frute de enx­er­gar a flo­resta ao invés de uma árvore. Pode­riam tam­bém se ocu­parem dos grandes temas nacionais, da política externa, do comér­cio exte­rior. Quanto à edu­cação, dev­e­riam preocupar-​se no sen­tido inverso do que veem se pre­ocu­pando hoje, que é destruí-​la com uma falsa argumentação.

Assistindo a tudo isso, temo não ape­nas pelo dia em que ten­hamos que escr­ever dois cheques de trinta no lugar de um de sessenta, temo mais por saber que talvez nem mais trinta saibamos escrever.

Abdon Mar­inho é advogado.