AbdonMarinho - O VÍCIO DO \"TODO MUNDO FAZ\".
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O VÍCIO DOTODO MUNDO FAZ\».

O VÍCIO DOTODO MUNDO FAZ\».

Um novo epíteto é repetido como um mantra na nova for­mação ética e moral brasileira. Como um medica­mento mila­groso ele se aplica a tudo. Por onde pas­samos, para todas as situ­ações, para todos os dias. Refiro-​me ao \«todo mundo faz assim\», muitas das vezes tam­bém usado em suas var­iáveis: \«É assim mesmo\», \«faz parte da cultura\».

A praga, como todos os male­fí­cios que surgem neste Brasil varonil, se alas­tra pelos qua­tro can­tos do país, e, de tão comum, ninguém mais ousa contestar.

O cidadão foi con­tratado ou aprovado para exe­cre um cargo público com carga horária de 40 horas, aparece uma ou duas vezes por sem­ana, se alguém per­gunta a razão, sim­ples­mente responde que \«todo mundo faz assim\»; o servi­dor pub­lico chega a qual­quer e sai a qual­quer hora da repar­tição, jus­ti­fica dizendo \«todo mundo faz assim\»; o empresário para aviar um doc­u­mento paga uma \«cerve­jinha\» e diz \«todo mundo faz\»; o servi­dor recebe e jus­ti­fica \«todo mundo faz\»; o empre­it­eiro cor­rompe esse ou aquele para gan­har uma lic­i­tação pública e usa o argu­mento sin­gelo \«todo mundo faz\»; o cidadão ocupa a vaga des­ti­nada a idosos ou defi­cientes, argu­menta \«todo mundo faz isso\»; furam a fila no banco motivo: \«Todo mundo faz\».

Assim, o Brasil vai se tor­nando a terra do todo \«todo mundo faz\». Agem como se o erro, se cole­tivo, tenha gan­hado uma imu­nidade, tenha uma absolvição automática. A sociedade perdeu suas ref­er­en­ci­ais éti­cos, jus­ti­f­i­cando “no todo mundo faz” sua própria falta de pudor. Acon­tece aquilo que já se esper­ava que acon­te­cesse: As pes­soas serem hon­es­tas para o público externo e não para si. Ora, se a minha refer­ên­cia de hon­esti­dade é o viz­inho e não eu próprio, se ele faz algo de errado é como se absolvesse meus próprios erros. E isso, ao meu ver, não tem como sustentar-​se.

Reparem que nos dias de hoje, por tudo alguém demanda judi­cial­mente, todo mundo cobra seus dire­itos, nunca os fóruns e varas de justiça estiveram tão abar­ro­ta­dos de proces­sos. Todos querem, e com razão, que seus dire­itos sejam respeita­dos. Entre­tanto, esses mes­mos que cobram o respeito aos seus dire­itos são os mes­mos que recor­rem à auto-​absolvição do “todo mundo faz”. Ninguém dis­pensa um cen­tavo no seu salário, mas per­gun­tem se demon­stram o mesmo afinco no tra­balho. Quan­tos não pas­sam o dia nos cafez­in­hos, chegando mais tarde, saindo mais cedo, bus­cando uma des­culpa na infinidade de feri­ados e datas comem­o­ra­ti­vas para ampliá-​las ou estendê-​las? O feri­ado é na sexta, vamos indiciá-​lo na quinta. A quarta já se torna véspera do feri­ado que só dev­e­ria ser na sexta.

Talvez algum estu­dioso algum dia se ocupe do estudo destes fenô­menos dos nos­sos dias em que as pes­soas se acham mere­ce­do­ras de tudo e deve­do­ras de nada. Todos querem o din­heiro sem tra­balho, o sucesso sem o esforço, o recon­hec­i­mento sem a ded­i­cação. Prin­ci­pal­mente no serviço público, onde as pes­soas intuem que que se público não é de ninguém, quando na ver­dade, se é público é de todos e que ninguém pode ir se arvo­rando dono e tomando para si o patrimônio que é de todos. Como alguém pode achar justo rece­ber o salário para tra­bal­har 40 horas se só tra­balha, quando tra­balha, 8 horas/​semanais? Como alguém pode achar nor­mal que se vá roubando o con­tribuinte com as chamadas “peque­nas cor­rupções” escu­d­ado no argu­mento que “todo mundo faz”? Não me parece cor­reto. Alguém paga essa farra. Trabalha-​se no Brasil mais de cinco meses por ano ape­nas para o paga­mento de trib­u­tos e o Estado não nos dá abso­lu­ta­mente nada. Não temos edu­cação digna, a saúde é caótica, a infraestru­tura é sofrível, a crim­i­nal­i­dade tomou de conta das ruas, das cidades e de tudo.

A sociedade ao invés de indignar-​se faz é cor­rob­o­rar com todo tipo de ban­dal­heira, achando nor­mal e acei­tando como nor­mal a par­tir do cole­tivismo dos vícios.

A res­ig­nação do \«é assim mesmo”, do “todo mundo faz”, etc., leva o país ao atraso, à falta de com­pro­misso, a destru­ição dos val­ores soci­ais, da ética.

Estes vícios estão entran­hados na sociedade brasileira, tomou o Estado em todos os setores, de cima para baixo. Começa nas mais altas esferas repub­li­canas aos mais baixos extratos da sociedade. Igualam se todos nos malfeitos. A única cosia que difer­en­cia uns dos out­ros, talvez seja o vol­ume de malfeitos praticados.

São médi­cos fal­si­f­i­cando os dedos para bater ponto nas unidades de saúde, quando tem esse sis­tema de con­t­role, são servi­dores vendendo sen­has de atendi­mento médico, são os grandes nego­ciando os recur­sos da nação. São dire­itos tira­dos de quem os tem para dar os que não tem. Pior é que os recla­mam são mes­mos que são capazes dos mes­mos atos aqui em embaixo.

A cor­rupção se tornou endêmica no país, isso é fato, graças a tol­erân­cia dos eleitores aqui embaixo. Todos recla­mam dos cor­rup­tos que tomam conta do país, estado ou municí­pio, poucos são os que não querem ou tiram alguma van­tagem quando surge uma opor­tu­nidade ou não cor­rompem ou se deixam cor­romper nas grandes ou peque­nas coisas. Cinquentinha para não ser mul­tado, trintinha para não cor­tar a luz, cemz­inho para apre­sar o alvará, e por aí vai.

Nada demais, ape­nas o que “todo mundo faz”.

Abdon Mar­inho é advo­gado.