AbdonMarinho - O censo e os novos desafios para os municípios brasileiros.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O censo e os novos desafios para os municí­pios brasileiros.


O censo e os novos desafios para os municí­pios brasileiros.

Por Abdon C. Marinho.

O RESUL­TADO do censo 2022 – atrasado em relação ao ano em que dev­e­ria ter sido feito (2020) e tam­bém ao ano que dev­e­ria ter sido divul­gado (2022) – ainda ren­derá muitos debates políti­cos e econômi­cos e trará alguns desafios adi­cionais as já exis­tentes e com­bal­i­das finanças munic­i­pais.

Não é seg­redo a ninguém que, inclu­sive, com base nas pro­jeções do próprio IBGE, todos nós esperá­va­mos uma pop­u­lação global na casa dos 215 mil­hões de brasileiros – eu mesmo, em diver­sas opor­tu­nidades, apre­sen­tações, etc. –, cheguei a cravar: “— o Brasil, com uma pop­u­lação de 215 mil­hões de cidadãos …”. Os gestores munic­i­pais e estad­u­ais seguiam na mesma linha, diver­sas vezes per­gun­tei a esse ou aquele prefeito: — prefeito, qual é mesmo a pop­u­lação do seu municí­pio? Obtendo, invari­avel­mente, como resposta: — ah, doutor, segundo o IBGE é tanto, mas acho que com o censo vai pas­sar de tanto. Jogando um número bem supe­rior, quase sem­pre sufi­cientes para alter­ação no índice da faixa do Fundo de Par­tic­i­pação dos Municí­pios — FPM.

Com a prox­im­i­dade da con­tagem pop­u­la­cional, onde já havia “con­fli­tos” sobre lim­ites, os mes­mos se acir­raram com cada um dos gestores pleit­e­ando a inclusão daque­las pop­u­lações para o seu municí­pio.

O certo é que o censo veio e já nas primeiras par­ci­ais mostravam que a real­i­dade era bem difer­ente das pro­jeções e tam­bém dos son­hos e dos dese­jos de muitos gestores. Vi muitos recla­mando que o censo estava errado, que os recenseadores não estavam tra­bal­hando dire­ito, que estavam perseguindo esse ou aquele municí­pio, que esque­ce­ram de ir na casa de dona Mari­az­inha numa vila escon­dida na flo­resta ou per­dida em uma ilhota qual­quer, que o seu Pedro não estava em casa e que, por isso mesmo, não infor­mou dos 25 fil­hos que tem com três esposas difer­entes, e por aí vai.

Com a divul­gação do resul­tado final, os mais irres­ig­na­dos bus­caram ajuda de par­la­mentares para falarem mal do censo ou foram dire­ta­mente recla­mar ao juiz – na falta de um bispo que não tem nada a ver com a questão.

Com uma ou outra falha aqui e ali ou com um ou outro cidadão que não foi encon­trado ou não quis respon­der ao censo – ouvi de mais de um a infor­mação que não foi entre­vis­tado –, não creio que ter­e­mos alter­ações nos números já divul­ga­dos e, caso isso venha a acon­te­cer, pois nunca se sabe o que se passa na cabeça de juiz, que seja sufi­ciente para alterar as real­i­dades já espel­hadas nos números.

Um antigo pro­fes­sor de matemática, se não me falha a memória do Liceu Maran­hense, cos­tu­mava dizer: — são números, Abdon, e os números não mentem jamais.

Logo, quem chorou, chorou, quem não chorou não chora mais. Temos é que tra­bal­har com os números disponíveis.

Exceto por um grupo pequeno de municí­pios, a grande maio­ria perdeu pop­u­lação, muitos com reflexos nos indi­cadores de FPM. Os que ficaram como estavam ou não sofr­eram per­das sig­ni­fica­ti­vas devem dar-​se por sat­is­feitos e tra­bal­harem com o que tem.

O censo é uma coisa fan­tás­tica, ele mostra a real­i­dade como ela é, con­tando cada situ­ação de forma indi­vid­ual, na sua par­tic­u­lar­i­dade, no seu detalhe. Cabendo aos estu­diosos e aos inter­es­sa­dos faz­erem suas pro­jeções e inter­pre­tações.

Por isso disse, no iní­cio, que muito ainda escrever­e­mos sobre os dados expos­tos pelo censo de 2022.

Além dos impactos econômi­cos que os números do censo trazem, há reflexos e infor­mações sobre todos os out­ros aspec­tos da vida social dos municí­pios, na saúde, na edu­cação, na assistên­cia social – enganam-​se os que pen­sam que os impactos são ape­nas no número de habi­tantes deste ou daquele municí­pio.

Como sem­pre fui muito lig­ado às questões lig­adas a edu­cação, ainda na sem­ana em que foi divul­gado os números do censo 2022, lan­cei uma nota téc­nica com ori­en­tações para os municí­pios sobre o que fazer para mel­ho­rarem suas receitas para custeio e manutenção da edu­cação básica.

Ao longo dos anos me acos­tumei ao ouvir por onde pas­sava que as sec­re­tarias de edu­cação – e muitas vezes toda a admin­is­tração –, estavam envolvi­dos em cam­pan­has de busca ativa.

Dizia e provava, que muito emb­ora as cam­pan­has de “busca ati­vas” devessem ser estim­u­ladas, com um decréscimo de cerca de 12 mil­hões de brasileiros em relação as pro­jeções feitas, elas, em algum momento seriam mod­e­los fada­dos à exaustão e que o finan­cia­mento da edu­cação, com con­se­quente aumento das receitas, devem se voltar para out­ras estraté­gias: como as ativi­dades com­ple­mentares e/​ou o ensino integral.

Tais estraté­gias devem vir “casadas” com mel­ho­rias nas condições de apren­diza­gem das nos­sas cri­anças, uma vez, que tal mel­ho­ria sig­nifica incre­mento nas receitas con­forme esta­b­elece o artigo 212-​A, da Con­sti­tu­ição Fed­eral.

É dizer, com out­ras palavras, como o número de pes­soas em idade esco­lar, no caso dos municí­pios, no ensino fun­da­men­tal, já é, basi­ca­mente, o mesmo há anos (com tendên­cia de redução) e as despe­sas do setor são sem­pre cres­centes (todo ano aumenta tudo, inclu­sive a folha de paga­mento) o valor per capita aluno/​ano não crescerão na mesma pro­porção o que exi­girá um incre­mento das receitas.

É em tal con­texto que uti­lizar ativi­dades com­ple­mentares e/​ou ensino inte­gral se apre­senta como a mel­hor solução pois, a um só tempo – se apli­cadas de forma cor­reta –, aumen­tará o tempo da cri­ança na escola e por con­se­quên­cia a sua chance de apren­dizado, ten­tando cor­ri­gir as décadas de atraso em relação aos demais países, como tam­bém, aumenta a receita dos municí­pios, possibilitando-​os mel­ho­rar a infraestru­tura de esco­las públi­cas e out­ros equipa­men­tos e a man­terem uma remu­ner­ação digna aos profis­sion­ais do setor.
Cumpre acres­cen­tar que já para o pre­sente exer­cí­cio o gov­erno fed­eral vai disponi­bi­lizar cerca de 4 bil­hões de reais para esses municí­pios. Um bom recurso que todos inter­es­sa­dos dev­e­riam buscar.

Durante anos tive­mos notí­cias de gestores munic­i­pais que uti­lizavam de artifí­cios diver­sos para mel­ho­rarem suas receitas. Emb­ora, não se possa dizer que tal prática tenha ces­sado, ela se torna a cada dia mais difí­cil e arriscada.

Os dados do censo “con­tou” quan­tas cri­anças exis­tem em cada municí­pio – não tem como “inflar” tal número –, já há alguns anos tornou-​se obri­gatório que todo nasci­mento com vida a cri­ança já deixe o hos­pi­tal com um número de CPF.

Com isso, a Con­tro­lado­ria Geral da União — CGU; o Tri­bunal de Con­tas da União — TCU (e seus con­gêneres nos esta­dos) e o próprio Min­istério da Edu­cação — MEC, ape­nas terão o tra­balho de fazer o cruza­mento de tais números – se já não estão fazendo –, para detec­tar quais­quer incon­sistên­cias. O mesmo podendo ocor­rer – se já na ocorre – com a inserção de quais­quer out­ros dados fal­sos nos sis­temas, como vimos recen­te­mente nos escân­da­los rela­ciona­dos à saúde.

Por tudo isso é muito impor­tante os entes públi­cos pro­curem fazer o certo da forma certa, livrando os gestores de pas­sarem o resto de suas vidas respon­dendo pelo que fiz­eram – e até pelo que não fiz­eram.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

P. S. Em out­ros tex­tos con­tin­uare­mos a “dis­se­car” os números e os impactos do censo 2022 na vida dos brasileiros e dos seus entes.

Segue abaixo a Nota Téc­nica sobre a edu­cação a que nos refe­r­i­mos no texto.

EDU­CAÇÃONOTA TÉCNICA.

Com a divul­gação do Censo 2022 – com dois anos de atraso, registre-​se –, um novo desafio se coloca para a edu­cação brasileira: mel­ho­rar as receitas do setor com um número de alunos que se man­tém estag­nado e com despe­sas sem­pre cres­centes (salários, insumos, infraestrutura).

Nos últi­mos anos temos assis­ti­dos as ini­cia­ti­vas ou pro­moções das chamadas “bus­cas ati­vas”. São estraté­gias vál­i­das mas que estão longe de faz­erem face às neces­si­dades do setor, até porque com um decréscimo pop­u­la­cional de mais de 12 mil­hões de pes­soas em relação as pro­jeções até então feitas, inclu­sive pelo próprio IBGE, trata-​se de mod­elo fadado ao esgotamento.

Out­ras alter­na­ti­vas nos pare­cem mais van­ta­josas, seja como forma de aumen­tar a receita, seja por cumprirem o papel que se espera da edu­cação: for­mar pes­soas e moldar sociedades.

O gan­hador do prêmio Nobel de Econo­mia do ano 2000, James Heck­man (Chicago, Illi­nois, EUA, 1944 -), já dizia: “a tarefa de prover con­hec­i­mento às cri­anças deve começar tão cedo quanto pos­sível, de modo que se ergam alicerce sóli­dos para for­mar adul­tos pro­du­tivos e ino­vadores – duas qual­i­dades tão caras a uma econo­mia mod­erna”.

Na mesma linha, Cristo­vam Buar­que (1944 — ), engen­heiro, econ­o­mista, edu­cador, pro­fes­sor uni­ver­sitário, ex-​ministro da edu­cação, ex-​governador do Dis­trito Fed­eral, fun­dador da Uni­ver­si­dade de Brasilia e um dos maiores estu­diosos da edu­cação brasileira da atu­al­i­dade, em artigo pub­li­cado na Revista Veja, edição 2849, que cir­cu­lou em 12 de julho de 2023, pon­tif­i­cou que uma das for­mas de para sair­mos do atraso edu­ca­cional é ofer­e­cer condições de igual­dade a todas as cri­anças em idade esco­lar, assen­tando, ainda que as cri­anças brasileiras pre­cisam ser alfa­bet­i­zadas em pelo menos um idioma estrangeiro.

Assim é que defend­emos como estraté­gias para mel­ho­rar­mos as receitas dos municí­pios e a mel­ho­rias nas condições edu­ca­cionais as ativi­dades com­ple­mentares, sejam através de con­traturno esco­lar, seja através da edu­cação integral.

Senão vejamos:

Se o municí­pio coloca 5.000 em con­traturno, con­siderando o valor médio por aluno rece­berá no ano seguinte R$ 1.800,00 (um mil e oito­cen­tos reais) por aluno a mais, ou seja, R$ 9 mil­hões pelos 5 mil alunos.

CON­TRATURNO ESCOLAR

Nº Alunos

Valor p/​aluno R$

Total R$

Mín­imo (30%) R$

Novo valor p/​aluno R$

Novo Total R$

5000

6.000,00

30.000.000,00

1.800,00

7.800,00

39.000.000,00

O con­traturno, entre­tanto, deve ser ado­tado como pre­cur­sor do ensino inte­gral modal­i­dade em que o municí­pio passa a rece­ber o dobro do valor per capita aluno, ou seja, se é 6 mil por aluno passa a rece­ber 12 mil/​aluno.

ENSINO INTE­GRAL

Nº Alunos

Valor p/​aluno R$

Total R$

Ens. Inte­gral (100%) R$

Novo valor por aluno R$

Novo Total R$

5000

6.000,00

30.000.000,00

6.000,00

12.000,00

60.000.000,00

Outra situ­ação que não podemos perder de vista é alter­ação ocor­rida na Con­sti­tu­ição Fed­eral que teve acrescido o artigo 212-​A esta­b­ele­cendo que os entes que mel­ho­raram seus indi­cadores edu­ca­cionais farão jus a entrar no rateio de um de deter­mi­nado recurso do FUN­DEB, vejamos: “c) 2,5 (dois inteiros e cinco déci­mos) pon­tos per­centu­ais nas redes públi­cas que, cumpri­das condi­cional­i­dades de mel­ho­ria de gestão pre­vis­tas em lei, alcançarem evolução de indi­cadores a serem definidos, de atendi­mento e mel­ho­ria da apren­diza­gem com redução das desigual­dades, nos ter­mos do sis­tema nacional de avali­ação da edu­cação básica; (Incluída pela Emenda Con­sti­tu­cional nº 108, de 2020)”.

Ora, se a cri­ança passa mais tempo na escola, se a cri­ança é edu­cada no for­mato bilíngue é desnecessário dizer que ela terá um mel­hor aproveita­mento na sua for­mação em todos os sen­ti­dos, inclu­sive, em relação a grade cur­ric­u­lar tradicional.

Isso, sem con­tar que para a Prova SAEB de 2025 já está pre­vista a afer­ição do apren­dizado de lín­gua estrangeira que valerá 17% (dezes­sete por cento) da nota da referida prova. Cabe reg­is­trar que tal dis­ci­plina já estava pre­vista para entrar na avali­ação deste ano (2023) e foi reti­rada de última – per­sistindo ape­nas uma avali­ação “por amostragem”.

Mais ainda, como forma de incen­ti­var a edu­cação inte­gral o Con­gresso Nacional aprovou e já encam­in­hou a sanção do pres­i­dente o PL 2.617÷2023 com um incre­mento nas receitas da edu­cação na ordem de 4 bil­hões de reais visando a aber­tura de vagas de ensino inte­gral – con­siderando como tal, sete horas do estu­dante em sala de aula.

Tais recur­sos já estão pre­vis­tos para serem repas­sa­dos para os Munici­p­ios ainda este ano, sendo urgente que os municí­pios criem suas estraté­gias de contraturno/​ensino inte­gral para infor­marem no censo esco­lar em anda­mento para rece­berem tais recur­sos ainda este ano de 2023.

A con­strução de uma edu­cação forte e que atenda às neces­si­dades do país é tarefa de todos.

Abdon Clementino de Mar­inho é advo­gado munic­i­pal­ista e estu­dioso dos prob­le­mas edu­ca­cionais brasileiros.