O censo e os novos desafios para os municípios brasileiros.
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- Criado: Domingo, 23 Julho 2023 12:38
- Escrito por Abdon Marinho
O censo e os novos desafios para os municípios brasileiros.
Por Abdon C. Marinho.
O RESULTADO do censo 2022 – atrasado em relação ao ano em que deveria ter sido feito (2020) e também ao ano que deveria ter sido divulgado (2022) – ainda renderá muitos debates políticos e econômicos e trará alguns desafios adicionais as já existentes e combalidas finanças municipais.
Não é segredo a ninguém que, inclusive, com base nas projeções do próprio IBGE, todos nós esperávamos uma população global na casa dos 215 milhões de brasileiros – eu mesmo, em diversas oportunidades, apresentações, etc. –, cheguei a cravar: “— o Brasil, com uma população de 215 milhões de cidadãos …”. Os gestores municipais e estaduais seguiam na mesma linha, diversas vezes perguntei a esse ou aquele prefeito: — prefeito, qual é mesmo a população do seu município? Obtendo, invariavelmente, como resposta: — ah, doutor, segundo o IBGE é tanto, mas acho que com o censo vai passar de tanto. Jogando um número bem superior, quase sempre suficientes para alteração no índice da faixa do Fundo de Participação dos Municípios — FPM.
Com a proximidade da contagem populacional, onde já havia “conflitos” sobre limites, os mesmos se acirraram com cada um dos gestores pleiteando a inclusão daquelas populações para o seu município.
O certo é que o censo veio e já nas primeiras parciais mostravam que a realidade era bem diferente das projeções e também dos sonhos e dos desejos de muitos gestores. Vi muitos reclamando que o censo estava errado, que os recenseadores não estavam trabalhando direito, que estavam perseguindo esse ou aquele município, que esqueceram de ir na casa de dona Mariazinha numa vila escondida na floresta ou perdida em uma ilhota qualquer, que o seu Pedro não estava em casa e que, por isso mesmo, não informou dos 25 filhos que tem com três esposas diferentes, e por aí vai.
Com a divulgação do resultado final, os mais irresignados buscaram ajuda de parlamentares para falarem mal do censo ou foram diretamente reclamar ao juiz – na falta de um bispo que não tem nada a ver com a questão.
Com uma ou outra falha aqui e ali ou com um ou outro cidadão que não foi encontrado ou não quis responder ao censo – ouvi de mais de um a informação que não foi entrevistado –, não creio que teremos alterações nos números já divulgados e, caso isso venha a acontecer, pois nunca se sabe o que se passa na cabeça de juiz, que seja suficiente para alterar as realidades já espelhadas nos números.
Um antigo professor de matemática, se não me falha a memória do Liceu Maranhense, costumava dizer: — são números, Abdon, e os números não mentem jamais.
Logo, quem chorou, chorou, quem não chorou não chora mais. Temos é que trabalhar com os números disponíveis.
Exceto por um grupo pequeno de municípios, a grande maioria perdeu população, muitos com reflexos nos indicadores de FPM. Os que ficaram como estavam ou não sofreram perdas significativas devem dar-se por satisfeitos e trabalharem com o que tem.
O censo é uma coisa fantástica, ele mostra a realidade como ela é, contando cada situação de forma individual, na sua particularidade, no seu detalhe. Cabendo aos estudiosos e aos interessados fazerem suas projeções e interpretações.
Por isso disse, no início, que muito ainda escreveremos sobre os dados expostos pelo censo de 2022.
Além dos impactos econômicos que os números do censo trazem, há reflexos e informações sobre todos os outros aspectos da vida social dos municípios, na saúde, na educação, na assistência social – enganam-se os que pensam que os impactos são apenas no número de habitantes deste ou daquele município.
Como sempre fui muito ligado às questões ligadas a educação, ainda na semana em que foi divulgado os números do censo 2022, lancei uma nota técnica com orientações para os municípios sobre o que fazer para melhorarem suas receitas para custeio e manutenção da educação básica.
Ao longo dos anos me acostumei ao ouvir por onde passava que as secretarias de educação – e muitas vezes toda a administração –, estavam envolvidos em campanhas de busca ativa.
Dizia e provava, que muito embora as campanhas de “busca ativas” devessem ser estimuladas, com um decréscimo de cerca de 12 milhões de brasileiros em relação as projeções feitas, elas, em algum momento seriam modelos fadados à exaustão e que o financiamento da educação, com consequente aumento das receitas, devem se voltar para outras estratégias: como as atividades complementares e/ou o ensino integral.
Tais estratégias devem vir “casadas” com melhorias nas condições de aprendizagem das nossas crianças, uma vez, que tal melhoria significa incremento nas receitas conforme estabelece o artigo 212-A, da Constituição Federal.
É dizer, com outras palavras, como o número de pessoas em idade escolar, no caso dos municípios, no ensino fundamental, já é, basicamente, o mesmo há anos (com tendência de redução) e as despesas do setor são sempre crescentes (todo ano aumenta tudo, inclusive a folha de pagamento) o valor per capita aluno/ano não crescerão na mesma proporção o que exigirá um incremento das receitas.
É em tal contexto que utilizar atividades complementares e/ou ensino integral se apresenta como a melhor solução pois, a um só tempo – se aplicadas de forma correta –, aumentará o tempo da criança na escola e por consequência a sua chance de aprendizado, tentando corrigir as décadas de atraso em relação aos demais países, como também, aumenta a receita dos municípios, possibilitando-os melhorar a infraestrutura de escolas públicas e outros equipamentos e a manterem uma remuneração digna aos profissionais do setor.
Cumpre acrescentar que já para o presente exercício o governo federal vai disponibilizar cerca de 4 bilhões de reais para esses municípios. Um bom recurso que todos interessados deveriam buscar.
Durante anos tivemos notícias de gestores municipais que utilizavam de artifícios diversos para melhorarem suas receitas. Embora, não se possa dizer que tal prática tenha cessado, ela se torna a cada dia mais difícil e arriscada.
Os dados do censo “contou” quantas crianças existem em cada município – não tem como “inflar” tal número –, já há alguns anos tornou-se obrigatório que todo nascimento com vida a criança já deixe o hospital com um número de CPF.
Com isso, a Controladoria Geral da União — CGU; o Tribunal de Contas da União — TCU (e seus congêneres nos estados) e o próprio Ministério da Educação — MEC, apenas terão o trabalho de fazer o cruzamento de tais números – se já não estão fazendo –, para detectar quaisquer inconsistências. O mesmo podendo ocorrer – se já na ocorre – com a inserção de quaisquer outros dados falsos nos sistemas, como vimos recentemente nos escândalos relacionados à saúde.
Por tudo isso é muito importante os entes públicos procurem fazer o certo da forma certa, livrando os gestores de passarem o resto de suas vidas respondendo pelo que fizeram – e até pelo que não fizeram.
Abdon C. Marinho é advogado.
P. S. Em outros textos continuaremos a “dissecar” os números e os impactos do censo 2022 na vida dos brasileiros e dos seus entes.
Segue abaixo a Nota Técnica sobre a educação a que nos referimos no texto.
EDUCAÇÃO — NOTA TÉCNICA.
Com a divulgação do Censo 2022 – com dois anos de atraso, registre-se –, um novo desafio se coloca para a educação brasileira: melhorar as receitas do setor com um número de alunos que se mantém estagnado e com despesas sempre crescentes (salários, insumos, infraestrutura).
Nos últimos anos temos assistidos as iniciativas ou promoções das chamadas “buscas ativas”. São estratégias válidas mas que estão longe de fazerem face às necessidades do setor, até porque com um decréscimo populacional de mais de 12 milhões de pessoas em relação as projeções até então feitas, inclusive pelo próprio IBGE, trata-se de modelo fadado ao esgotamento.
Outras alternativas nos parecem mais vantajosas, seja como forma de aumentar a receita, seja por cumprirem o papel que se espera da educação: formar pessoas e moldar sociedades.
O ganhador do prêmio Nobel de Economia do ano 2000, James Heckman (Chicago, Illinois, EUA, 1944 -), já dizia: “a tarefa de prover conhecimento às crianças deve começar tão cedo quanto possível, de modo que se ergam alicerce sólidos para formar adultos produtivos e inovadores – duas qualidades tão caras a uma economia moderna”.
Na mesma linha, Cristovam Buarque (1944 — ), engenheiro, economista, educador, professor universitário, ex-ministro da educação, ex-governador do Distrito Federal, fundador da Universidade de Brasilia e um dos maiores estudiosos da educação brasileira da atualidade, em artigo publicado na Revista Veja, edição 2849, que circulou em 12 de julho de 2023, pontificou que uma das formas de para sairmos do atraso educacional é oferecer condições de igualdade a todas as crianças em idade escolar, assentando, ainda que as crianças brasileiras precisam ser alfabetizadas em pelo menos um idioma estrangeiro.
Assim é que defendemos como estratégias para melhorarmos as receitas dos municípios e a melhorias nas condições educacionais as atividades complementares, sejam através de contraturno escolar, seja através da educação integral.
Senão vejamos:
Se o município coloca 5.000 em contraturno, considerando o valor médio por aluno receberá no ano seguinte R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) por aluno a mais, ou seja, R$ 9 milhões pelos 5 mil alunos.
CONTRATURNO ESCOLAR |
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Nº Alunos |
Valor p/aluno R$ |
Total R$ |
Mínimo (30%) R$ |
Novo valor p/aluno R$ |
Novo Total R$ |
5000 |
6.000,00 |
30.000.000,00 |
1.800,00 |
7.800,00 |
39.000.000,00 |
O contraturno, entretanto, deve ser adotado como precursor do ensino integral modalidade em que o município passa a receber o dobro do valor per capita aluno, ou seja, se é 6 mil por aluno passa a receber 12 mil/aluno.
ENSINO INTEGRAL |
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Nº Alunos |
Valor p/aluno R$ |
Total R$ |
Ens. Integral (100%) R$ |
Novo valor por aluno R$ |
Novo Total R$ |
5000 |
6.000,00 |
30.000.000,00 |
6.000,00 |
12.000,00 |
60.000.000,00 |
Outra situação que não podemos perder de vista é alteração ocorrida na Constituição Federal que teve acrescido o artigo 212-A estabelecendo que os entes que melhoraram seus indicadores educacionais farão jus a entrar no rateio de um de determinado recurso do FUNDEB, vejamos: “c) 2,5 (dois inteiros e cinco décimos) pontos percentuais nas redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do sistema nacional de avaliação da educação básica; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020)”.
Ora, se a criança passa mais tempo na escola, se a criança é educada no formato bilíngue é desnecessário dizer que ela terá um melhor aproveitamento na sua formação em todos os sentidos, inclusive, em relação a grade curricular tradicional.
Isso, sem contar que para a Prova SAEB de 2025 já está prevista a aferição do aprendizado de língua estrangeira que valerá 17% (dezessete por cento) da nota da referida prova. Cabe registrar que tal disciplina já estava prevista para entrar na avaliação deste ano (2023) e foi retirada de última – persistindo apenas uma avaliação “por amostragem”.
Mais ainda, como forma de incentivar a educação integral o Congresso Nacional aprovou e já encaminhou a sanção do presidente o PL 2.617÷2023 com um incremento nas receitas da educação na ordem de 4 bilhões de reais visando a abertura de vagas de ensino integral – considerando como tal, sete horas do estudante em sala de aula.
Tais recursos já estão previstos para serem repassados para os Municipios ainda este ano, sendo urgente que os municípios criem suas estratégias de contraturno/ensino integral para informarem no censo escolar em andamento para receberem tais recursos ainda este ano de 2023.
A construção de uma educação forte e que atenda às necessidades do país é tarefa de todos.
Abdon Clementino de Marinho é advogado municipalista e estudioso dos problemas educacionais brasileiros.