AbdonMarinho - A educação em primeiro lugar.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A edu­cação em primeiro lugar.


A EDU­CAÇÃO EM PRIMEIRO LUGAR.

Por Abdon Marinho.

ESTA­MOS em maio, de diver­sos pon­tos do estado e da cap­i­tal, recebo notí­cias de greves, par­al­iza­ções e/​ou que, por um motivo ou outro, o ano letivo de 2022 ainda não teve ini­cio e, onde ini­ciou, ainda “pega” no tranco.

Antes de dis­cu­tir sobre as razões de cada um, não posso deixar de reg­is­trar a minha angús­tia e per­plex­i­dade com o fato.

Foge à minha com­preen­são que depois de dois anos com as cri­anças fora da sala de aula por conta da pan­demia, assistindo aula de forma precária ou não assistindo, gestores, edu­cadores, rep­re­sen­tantes clas­sis­tas, pais de alunos, Min­istério Público, não este­jam dis­cutindo estraté­gias para recu­perar o tempo per­dido, mas, sim, envoltos em dis­cussões de cam­pan­has salari­ais e out­ras pau­tas que a rigor, pouco ou nada con­tribuem para preencher a enorme lacuna oca­sion­ada pelo tempo per­dido.

A dolorosa real­i­dade é que à edu­cação brasileira vem fra­cas­sando de forma sis­temática com o futuro do país.

Quando com­parada com a edu­cação de jovens e cri­anças de out­ros países ainda nos encon­tramos na rabeira de quais­quer indi­cadores que se use; quando faze­mos um recorte com a edu­cação pública, aumen­ta­mos ainda mais a desigual­dade; quando faze­mos o recorte na com­para­ção com o norte nordeste temos essa desigual­dade ampli­ada mais ainda – esta é a real­i­dade do Maran­hão.

Fal­tam recur­sos? Talvez. Mas, esta não é uma ver­dade absoluta.

Desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país e, prin­ci­pal­mente, depois da Con­sti­tu­ição de 1988, o país vem investindo de forma cres­cente na edu­cação – inves­ti­men­tos sig­ni­fica­ti­va­mente aumen­ta­dos com a cri­ação do FUN­DEF e depois do FUN­DEB –, sem que isso tenha se rever­tido, pelo menos, não na mesma pro­porção, na ele­vação dos indi­cadores educacionais.

Outro dia, por dever profis­sional, chamado a uma assem­bleia ques­tionei os par­tic­i­pantes sobre tais assun­tos e por quais motivos, tam­bém, os pais dos alunos não eram chama­dos para par­tic­i­par do debate.

Ao meu sen­tir, não existe razão para polêmi­cas finan­ceiras quando se trata de edu­cação, uma vez que as bal­izas con­sti­tu­cionais estão bem definidas em seus indi­cadores mín­i­mos.

O que existe, na maior parte das vezes, é incom­preen­são, falta de transparên­cia, aço­da­men­tos e inter­esses pes­soais se sobre­pondo aos inter­esses cole­tivos.

A primeira bal­iza que temos é per­centual mín­imo de gasto com a edu­cação.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral, no artigo 212, esta­b­elece:

Art. 212. A União apli­cará, anual­mente, nunca menos de dezoito, e os Esta­dos, o Dis­trito Fed­eral e os Municí­pios vinte e cinco por cento, no mín­imo, da receita resul­tante de impos­tos, com­preen­dida a prove­niente de trans­fer­ên­cias, na manutenção e desen­volvi­mento do ensino”.

Veja, que muito emb­ora, estes per­centu­ais sejam mín­i­mos, para o con­junto de out­ras despe­sas que têm os entes fed­er­a­dos, não esta­mos falando de pouca coisa quando esta­b­ele­ce­mos vinte e cinco por cento da receita prove­niente de impos­tos, incluindo aquela ori­unda de trans­fer­ên­cias, com a manutenção e desen­volvi­mento do ensino.

Para cuidar de todo o resto: saúde, infraestru­tura, segu­rança, assistên­cia social, meio ambi­ente, etc, etc, sobram ape­nas 75% (setenta e cinco por cento) das receitas.

A segunda bal­iza é aquela que esta­b­elece um per­centual mín­imo de gas­tos com pes­soal.

O artigo 212-​A insti­tuído pela emenda con­sti­tu­cional nº. 108/​2020, esta­b­ele­ceu:

XI — pro­porção não infe­rior a 70% (setenta por cento) de cada fundo referido no inciso I do caput deste artigo, excluí­dos os recur­sos de que trata a alínea «c» do inciso V do caput deste artigo, será des­ti­nada ao paga­mento dos profis­sion­ais da edu­cação básica em efe­tivo exer­cí­cio, obser­vado, em relação aos recur­sos pre­vis­tos na alínea «b» do inciso V do caput deste artigo, o per­centual mín­imo de 15% (quinze por cento) para despe­sas de capital”.

Uma ter­ceira bal­iza, resta esta­b­ele­cida no inciso seguinte do mesmo artigo:

XII — lei especí­fica dis­porá sobre o piso salar­ial profis­sional nacional para os profis­sion­ais do mag­istério da edu­cação básica pública”.

Aqui, cabe esclare­cer que a chamada Lei do Piso (LEI11.738, DE 16 DE JULHO DE 2008.), já era pre­visão con­sti­tu­cional inserta nos princí­pios da edu­cação nacional esta­b­ele­ci­dos no artigo 206, da Carta, reforça­dos nos Atos das Dis­posições Con­sti­tu­cionais Tran­sitórias e reg­u­la­men­tada na lei acima, esta­b­ele­cendo um piso mín­imo para o mag­istério a ser implan­tado a par­tir de 2009 e rea­jus­tado todos os anos, no mês de janeiro.

Ainda no tópico da falsa polêmica envol­vendo mestres, rep­re­sen­tantes clas­sis­tas e gestores, temos uma quarta bal­iza con­sti­tu­cional, que, aliás, é um dos princí­pios da edu­cação nacional con­ti­dos no artigo 206:

V — val­oriza­ção dos profis­sion­ais da edu­cação esco­lar, garan­ti­dos, na forma da lei, planos de car­reira, com ingresso exclu­si­va­mente por con­curso público de provas e títu­los, aos das redes públicas”.

Então vejamos, se o ente fed­er­ado (esta­dos e municí­pios) cumpre o per­centual de inves­ti­mento na manutenção e desen­volvi­mento do ensino; cumpre a pro­porção não infe­rior a setenta por cento com o paga­mento dos profis­sion­ais da edu­cação básica; cumpre o piso nacional esta­b­ele­cido, pre­visto Con­sti­tu­ição e reg­u­lado por lei; pos­sui um plano de car­reira que garanta a val­oriza­ção dos profis­sion­ais, o que sobra para ser motivo de dis­cussão e fomen­tar o atraso no ano letivo prej­u­di­cando o futuro de mil­hares de cri­anças e jovens?

Com atraso – mas, antes tarde do nunca –, o Min­istério Público Estad­ual emi­tiu pare­cer, não vin­cu­la­tivo, na mesma linha do que sem­pre sus­ten­tei, e ainda obser­vando para a respon­s­abil­i­dade dos gestores no que diz respeito ao cumpri­mento de out­ras obri­gações legais, como o cumpri­mento da Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF (Lei Com­ple­men­tar nº. 101/2000)m que dis­ci­plina os lim­ites de gasto com pessoal.

Não dis­cuto se o que recebe a cat­e­go­ria é justo ou não, pelo serviço que prestam, o que se dis­cute é que o leg­is­lador, pre­ocu­pado e/​ou talvez cedendo as infini­tas pressões de uma cat­e­go­ria orga­ni­zada concedeu-​lhe inúmeras garan­tias con­sti­tu­cionais que, mesmo assim, não pare­cem sufi­cientes para devolver à edu­cação ao seu leito nor­mal de pre­vis­i­bil­i­dade, reg­u­lar­i­dade e resul­ta­dos.

Como sabe­mos, a remu­ner­ação dos profis­sion­ais da edu­cação básica até pelas bal­izas já referi­das acima, seja o menor dos prob­le­mas a serem enfrenta­dos – e não os super­aremos se todos recur­sos da edu­cação forem des­ti­na­dos uni­ca­mente ao paga­mento de seus profis­sion­ais, por mais que sejam mere­ce­dores.

O primeiro desafio é moti­var­mos cri­anças e pais para a importân­cia da edu­cação como fator de cresci­mento indi­vid­ual e cole­tivo.

Esse desafio não será super­ado com esco­las caindo aos pedaços e com um ensino de baixa qual­i­dade.

Com isso pre­cisamos de esco­las mel­hores estru­tu­radas, pro­fes­sores mais qual­i­fi­ca­dos e uma edu­cação que seja atra­tiva para as cri­anças e jovens.

Não podemos perder de vista que a edu­cação “dis­puta” a atenção das cri­anças e jovens com um mundo de out­ras atrações e dis­trações para elas muito mais envol­ventes.

Um segundo desafio é envolvi­mento das famílias com o apren­dizado das cri­anças e jovens. Vive­mos em um mundo em que uma grande parcela dos pais não querem ou não assumem qual­quer papel na edu­cação dos fil­hos, quando na ver­dade a primeira e mais valiosa edu­cação deve ser min­istrada pela família e com­ple­men­tada pela escola.

Infe­liz­mente o que vemos é o inverso disso.

Desde a mais tenra idade vemos os pais se “des­o­bri­g­ando” da vida que colo­cou no mundo. Basta ver que quando uma cri­ança chora pela atenção dos pais uma das primeiras coisas que fazem não con­ver­sar, edu­car ou dis­ci­pli­nar a cri­ança é entregar-​lhe um celu­lar ou um outro equipa­mento eletrônico para que ela se dis­traia e não os per­turbe nos seus afaz­eres ou mesmo nos seus laz­eres.

É essa cri­ança que com qua­tro ou cinco anos – e até antes –, vai ser entregue a edu­cação do Estado.

Como imag­i­nam que ela vai se sair?

Esse descom­pro­misso “indi­vid­ual” já começa a expandir-​se para o cole­tivo.

Outro dia um cliente ligou com uma difi­cul­dade inusi­tada: ven­cido o mandato do Con­selho Munic­i­pal de Defesa da Cri­ança e do Ado­les­cente — CMDCA, ele já estava há um bom tempo sem o tal con­selho, de importân­cia ímpar, por não con­seguir em todo o municí­pio pes­soas que se dis­pusesse a com­por aquele cole­tivo.

Ora, como jus­ti­ficar ou aceitar, que numa comu­nidade inteira não encon­tremos pes­soas dis­postas a fazer um tra­balho vol­un­tário de defesa do seu futuro, que são as cri­anças e ado­les­centes?

Quando se trata de edu­cação a Con­sti­tu­ição Fed­eral deixa bem clara a respon­s­abil­i­dade, diz o artigo 205: “A edu­cação, dire­ito de todos e dever do Estado e da família, será pro­movida e incen­ti­vada com a colab­o­ração da sociedade, visando ao pleno desen­volvi­mento da pes­soa, seu preparo para o exer­cí­cio da cidada­nia e sua qual­i­fi­cação para o trabalho”.

Veja que ela pon­tua muito bem: a edu­cação é um dire­ito de todos e um dever do Estado e da família.

Daí ser impre­scindível que quais­quer debates rela­ciona­dos à edu­cação não sejam feitos envol­vendo ape­nas gestores e edu­cadores, mas, envol­vendo, prin­ci­pal­mente às famílias.

Somente assim colo­care­mos, efe­ti­va­mente, a edu­cação em primeiro lugar.

Abdon Mar­inho é advo­gado.