TOMA LÁ DÁ CÁ POR DECRETO.
Imaginemos que em um município dos cafundós do Brasil, o prefeito resolvesse condicionar a realização de uma obra ou o pagamento de uma emenda à votação, por parte dos vereadores, de matéria de interesse do prefeito. Imaginemos que o prefeito faça isso para escapar de punição por não ter cumprindo obrigação legal.
Essa prática está mais enraizada na política brasileira do que podemos aquilatar. A imanes maioria dos prefeitos adquirem maioria em suas Câmaras graças a “mensalinhos” que pagam aos vereadores e outros favores, como empregos ou cargos na estrutura das prefeituras. Uma reportagem sobre esse assunto foi exibida não faz muito. Muitos que assistiram se escandalizaram. O Ministério Público, segundo soube, abriu os procedimentos cabíveis para coibir as práticas abusivas.
Pois bem, esse comportamento, o toma lá dá cá, acaba de ser oficializado no Brasil.
O Diário Oficial da União publicou no último dia 28 de novembro o Decreto nº. 8.367. Diga-se de passagem que o governo fez circular a patranha em uma edição especial do DOU apenas para esse propósito: tornar legal o ilegal, institucionalizar a prática do toma lá dá cá, entre os agentes políticos.
Como todos estamos cansados de saber, o governo não conseguirá cumprir, até 31 de dezembro de 2014, as metas econômicas estabelecidas pela Lei Orçamentária Anual - LOA, principalmente, a parte que estabelece um superávit mínimo para a amortização da dívida. Ora, qualquer pessoa que se preze trabalha com planejamento, no poder público isso não é faculdade, é exigência. A União, os Estados e os Municípios que compõem a República Federativa do Brasil, trabalham com metas, são obrigados a cumprir e a publicar regulamente. É o que manda a Lei de Responsabilidade Fiscal, LC 101/2000 e os demais ordenamentos, Lei de Diretrizes Orçamentarias – LDO e Lei Orçamentaria Anual – LOA.
O governo federal, ao invés de cumprir as leis do país, conforme jurou solenemente a governante máxima, por ocasião da posse, prefere fazer o caminho inverso, busca o atalho, a manobra. Para isso, se vale da maioria que possui no Congresso Nacional para mudar a lei, retirar do seu corpo a obrigação de equilibrar as finanças públicas, cumprir as metas fiscais, a fazer a economia necessária para garantir a estabilidade do país.
Fazem o contrário fazendo com que economia brasileira, nos últimos anos, seja motivo de escárnio perante os mercados internacionais, a prática do “jeitinho brasileiro”, a contabilidade criativa, tem sido usado com tanta frequência e despudor que tem levado os investidores a fugirem do país. Estamos nos tornando, cada vez mais, o pais da piada pronta.
Para conseguir fechar as contas de 2013 o governo adotou a técnica de jogar as dívidas que venceriam naquele ano e os contratos para o ano seguinte. Agora, este ano, nem com isso conseguiriam fechar as contas.
Diante disso, da realidade, de que nem na marra, conseguiriam atingir as metas, partiram para solução extrema: a mudança da lei.
A mudança da lei, em si, já representa um enorme prejuízo ao país. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi uma conquista da sociedade brasileira já cansada de governos gastadores que torravam o fruto do esforço dos trabalhadores ao seu talante, sem obedecer a qualquer controle, como se o dinheiro público brotasse do solo e por isso não tivesse por que ser economizado e gasto com parcimônia dentro de um planejamento transparente.
O governo não compreende que o descontrole das finanças, causa desconfiança e é uns dos geradores de inflação que corrói as economias dos cidadãos.
Veja o exemplo: este ano mesmo, pela quarta vez seguida, a inflação ficou acima da meta estabelecida. Se por um lado temos impostos escorchantes, por outro temos um governo gastando sem freio. Provocando, com isso, outro efeito danoso ao cidadão: o aumento da inflação.
O pior de tudo isso é que sabemos que os gastos que o governo faz, a draga dos recursos públicos, não são revertido em favor da população, servem, em grande parte, para alimentar uma máquina de corrupção insaciável, o enriquecimento de poucos.
O governo ao mudar a forma de cálculo de meta através da lei proposta e aprovada pelo Congresso Nacional, joga na lata de lixo essa conquista, cujo danos serão ainda mais graves do conseguimos perceber no momento.
Não bastasse a mudança da lei, em se tratando do atual governo, as coisas sempre são feitas da pior forma possível. não satisfeito apenas em prestar o desserviço, o fez institucionalizando o toma lá dá cá com o parlamento.
O decreto publicado em edição extra do DOU, em plena sexta-feira, trás, no seu artigo 1º, a elevação do montante do empenho em mais de 10 bilhões de reais:
\\\"Art. 1o Os limites de movimentação e empenho constantes do Anexo I do Decreto no 8.197, de 20 de fevereiro de 2014, ficam ampliados no montante de R$ 10.032.697.201,00 (dez bilhões, trinta e dois milhões, seiscentos e noventa e sete mil, duzentos e um reais).”
Já o artigo 4º. coloca a condicionante:
\\\"Art. 4o A distribuição e a utilização do valor da ampliação a que se referem os arts. 1o e 2o deste Decreto ficam condicionadas à publicação da lei resultante da aprovação do PLN no 36, de 2014 - CN, em tramitação no Congresso Nacional.”
Em tempo algum da história do Brasil, o Poder Executivo, ousou e usou de tanta desfaçatez com o Congresso Nacional. Suas excelências, deputados e senadores ao votarem a proposta apresentada pelo governo estavam votando o valor que cada um possui e que receberão em emendas parlamentares, legislando, literalmente, em causa própria, aos olhos da nação.
Existe tanta diferença entre essa prática e aquela do prefeito pagar aos vereadores para votarem matérias de seu interesse? Autorizarem mudanças em Planos Diretores Municipais recebendo para isso “agrados” construtoras? Autorizarem loteamentos em áreas de preservação ambiental, recendo “algum” para isso? A resposta – ao meu sentir – é não. Trata-se da mesma coisa.
O mal exemplo que vem do poder central não é nefasto apenas por mudar a lei para possibilitar o descontrole dos gastos, é, sobretudo, por abrir o precedente de que e lícito se oferecer algo aos parlamentares para que votem dessa ou daquela maneira. Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe o que isso significa. Quanto tempo demorará para que governadores e prefeitos passem a fazer o mesmo? Comecem a “comprar” votos de parlamentares usando recursos públicos? Qual será o limite da bandalha?
O governo brasileiro instituiu o balcão de negócios, não teremos mais representantes do povo, temos sim, parlamentares que passaram a votar conforme recebam.
Abdon Marinho é advogado.