SONHOS E REALIDADE.
Não faz muito tempo li um texto dominical do senador Sarney intitulado ‘Eu Tive Um Sonho”, já nas primeiras linhas fala que, em que pese o título do texto, não pretende com ele ou que seu sonho seja tão transcendental quanto o histórico discurso de Martin Luther King Júnior, realizado há mais de cinquenta anos nas escadarias do Capitólio no qual o líder da defesa das liberdades civis nos EUA denunciou a violações destas e a segregação racial naquela nação do norte.
O senador maranho-amapaense, com incomum humildade, diz que o seu sonho seria bem menos transcendental que aquele do campeão dos direitos civis americanos, pretendia, tão somente, doar presentes, escritos, livros e outras coisas que amealhou ao longo da vida ou que recebera de presente por ocasião da ocupação da cargo do cargo de presidente da República (1985-1990).
O gesto, normal em qualquer democracia do mundo, aqui ganha ares de escândalo. Isso dá pela forma tortuosa como as coisas costumam acontecer no Maranhão. Noutra oportunidade escrevi sobre as idas e vindas deste acervo, do prédio e a situação da própria fundação.
Com as informações que tenho, acredito, que toda a celeuma acontece pela forma tortuosa como se d eu a constituição da fundação e a sua relação com o Estado do Maranhão. O estatuto da entidade, se não me é falha a memória, estabelecia para uma entidade a ser mantida pelo poder público uma sucessão privada família onde nada podia ser ser feito ou alterado sem o consentimento do doador ou seus sucessores. Teremos de convir que trata-se de uma situação esdrúxula. O arranjo até deu certo quando quando governo, família e fundação eram a mesma coisa ou algo bem próximo disso.
Em resumo, a fundação – e aqui não discuto seu papel, seu trabalho social, etc. – pode ser tudo menos republicana. Não no sentido que aprendemos na escola.
A polêmica atual gira em torno da exoneração dos servidores, cerca de 48, que nomeados pelo governo estadual, trabalham para a referida fundação. A situação comporta algumas indagações. Sendo a fundação privada, por que os servidores eram públicos? Sendo a fundação pública e os servidores comissionados, que mal há em exonerá-los e em seu lugar colocar outros? Cargos comissionados – que na minha opinião devem ser extintos ou reduzidos ao mínimo necessário são de livre nomeação e exoneração do mandatário, do governo investido. Não consigo entender a razão desta chiadeira toda com a exoneração de servidores ocupantes de cargos comissionados. Será que ainda não se deram conta que o governo é outro? Que, muitos que eram de confiança ontem não são mais de confiança hoje? Já ocupei cargos em comissão, na Assembleia Legislativa, na Prefeitura Municipal de São Luís, no Senado da República, nunca passou pela minha cabeça pensar em continuar após os mandatos dos que me nomearam. Aliás, ninguém nunca cogitou tal despautério. Agora, aqui e ali, ouço e leio reclamações de exonerados. Até parece que queriam incorporar os cargos públicos às suas vidas privadas. Como se vivêssemos ainda em tempos idos em que cargos e nomeações feitas unicamente para contentar o apaniguado político, o filho do amigo, do parente, do correligionário.
Alguns dos episódios que trago na lembrança dos muitos que ouvi tem cara de anedota mas juraram-me ser verdade, dentre eles o episódio em que determinado governador do Maranhão, conta que tendo de atender ao pedido de um aliado, para ele criou e fez constar na nomeação que o cargo era de investidura vitalícia e extinto a vagar. Ou seja o cargo era só para ele, depois de morto o cargo deixava de existir. Noutro caso, o governador para atender o pedido de aliado nomeou-lhe o filho como professor de grego do Liceu Maranhense. O pai do nomeado foi ao governador com um problema plausível: o filho não conhecia sequer o alfabeto grego. O governador lhe tranquilizou com um argumento consistente: \"– ninguém vai se matricular no curso de grego e caso se matricule, deve ser coisa de algum comunista ou subversivo, a gente manda prender o incauto\". E fechou: \"– pode mandar o rapaz tomar posse\".
Muitas práticas semelhantes a essas dos causos narrados”acima e já perdidas nas brumas da história, permanecem no Maranhão, basta ver o caso dos insatisfeitos por terem sido exonerados de cargos \"comissionados\" depois de anos. Será que pensavam poder ocupar tais cargos em caráter vitalício?
O novo governo do Maranhão faz muito bem em deixar assentado que as coisas mudaram, o que as práticas serão outras, que os cargos públicos serão ocupados por mérito ou critérios técnicos. E que a máquina pública será aliviada do peso de inúmeros cargos criados apenas para atender as demandas políticas enquanto se nega atendimento a população por falta de médicos, policiais ou professores.
Voltando ao sonho do senador – a nobre atitude de doar – devo dizer que também possuo sonhos, entre eles, o de ver pessoas mais desprendidas de bens materiais, de riquezas, de acumulação. No final somos todos pó e a ele voltaremos todos.
Tenho visto, principalmente na sociedade americana, bons exemplos de cidadãos que tendo conquistado fortunas, a maioria das vezes, em suas atividades privadas e após anos de labor, doarem grande parte da fortuna, senão toda, para pesquisas, para universidades e para causas humanitárias. Se ocupam em construir alas ou hospitais inteiros para atenderem aos menos afortunados.
Trata-se de um bons exemplos que poderiam servir de inspiração aos políticos e empresários brasileiros. Muitos deles, ainda que vivessem mil anos dariam conta de gastar as fortunas que conquistaram, muitas das vezes, até sem muito esforço, e, apesar disso, nada deixam para suas comunidades. Quando fazem uma doação, como esta do senador, é na intenção de se promover ou estabelecer culto à sua personalidade, com o agravante de fazerem isso com recursos públicos.
O senador, por exemplo, poderia ter destinado parte de sua fortuna para ajudar não apenas a fundação criada inicialmente com o seu nome, como também para outras coisas das quais o Maranhão, sua terra, sua paixão, é tão carente.
Abdon Marinho é advogado.