AbdonMarinho - A ARTE DE APAGAR INCÊNDIO COM GASOLINA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A ARTE DE APA­GAR INCÊN­DIO COM GASOLINA.

A ARTE DE APA­GAR INCÊN­DIO COM GASOLINA.

NO AUGE da crise de 1954 – que ficara mais aguda com o assas­si­nato do major Vaz, na Rua do Toneleiro, rio de Janeiro, enquanto fazia a segu­rança do líder oposi­cionista Car­los Lac­erda e o man­i­festo dos coro­néis negando apoio ao gov­erno –, Ivete Var­gas, a filha mais política do velho caudilho, teria sug­erido ao pai que bus­casse apoio em setores das Forças Armadas. Getúlio teria, suposta­mente, respon­dido: — minha filha, mil­i­tar pensa como militar.

Se Getúlio Var­gas fez ou não tal assertiva é algo que nunca saber­e­mos. O certo é que rechaçou mais uma solução mil­i­tar, que dividiria, ainda mais as forças de segu­rança do país para se man­ter no poder, preferindo «sair da vida e entrar para história, nas suas próprias palavras.

Ori­undo da caserna o ex-​presidente con­hecia em pro­fun­di­dade a cul­tura cas­trense. A ponto de saber que não se deve, por qual­quer forma ou a qual­quer pre­texto, fomen­tar cisão interna.

Emb­ora com leg­is­lação própria as polí­cias mil­itares são con­sti­tuí­das com essa cul­tura, her­dada, em todos os aspec­tos, das Forças Armadas, como se fosse um corpo a parte da sociedade.

Emb­ora sejam out­ros os tem­pos e os cos­tumes, faço essa breve digressão para dizer que o gov­erno estad­ual tem errado feio no trato dos seus militares.

Este último episó­dio envol­vendo o tenente-​coronel Ciro Nunes é a prova cabal disso.

Aqui não dis­cuto a questão antecedente, o desen­tendi­mento, às por­tas do tri­bunal, entre o procurador-​geral e o tenente-​coronel. Se um ou outro é o cul­pado pelo episó­dio o curso das inves­ti­gações irá dizer.

A mim cabe esperar – como amigo de ambos –, o desen­ro­lar dos fatos.

Entre­tanto, arrisco na argu­men­tação de que ambos con­tribuíram com o triste episódio.

O procurador-​geral se equiv­o­cou por “brin­car” com uma questão tão del­i­cada, não ape­nas para os servi­dores mil­itares, mas para todos os demais, que vivem essa con­stante “queda de braço” com o gov­erno na busca por van­ta­gens ou dire­itos, con­forme a ótica de cada um.

A pil­héria se tornou ainda mais ino­por­tuna, do ponto de vista político admin­is­tra­tivo, quando sabe­mos que o gov­erno acabou de obter uma impor­tante vitória sobre o fun­cional­ismo, que foi a questão dos 21,7%. Tal vitória, obtida graças ao incan­sável tra­balho da procu­rado­ria – e aqui, tam­bém, não aden­tro ao mérito –, trouxe grande ten­são nas relações entre os defen­sores do gov­erno estad­ual e a cat­e­go­ria dos servi­dores públicos.

Ao per­gun­tar ao tenente-​coronel se ele “se diver­tia” com os proces­sos, cer­ta­mente, foi como jogar gasolina no incên­dio, uma vez que o tenente-​coronel luta há anos para ter recon­hecido alguns dos seus dire­itos por parte do Estado, den­tre as quais pro­moção por ressarci­mento de preter­ição, que ele mesmo acom­panha, dili­gen­ciando o anda­mento do processo.

Não acred­ito, por nen­hum momento, que tenha agido assim no intu­ito de ir além da pil­héria, mesmo porque, não acred­ito que seja do per­fil do procu­rador, espez­in­har sobre os ven­ci­dos, ainda que do ponto vista jurídico.

Já o tenente-​coronel, talvez por se encon­trar envolvido pes­soal­mente na causa, con­tribuiu com o episó­dio ao aguardar o procu­rador no intu­ito de lhe tomar satisfações.

Ainda que tenha enten­dido a chiste do mesmo como uma “humil­hação”, dev­e­ria quedar-​se à dis­ci­plina a que foi for­mado desde o fim da ado­lescên­cia. Pode­ria ter feito isso. Lev­ado na brincadeira.

O tenente-​coronel Ciro Nunes é, além de mil­i­tar, um estu­dioso do dire­ito e con­hece como poucos a leg­is­lação mil­i­tar (e mesmo a civil), sendo capaz de citar alíneas, incisos, pará­grafos e arti­gos, mesmo das leis mais esquecidas.

Razão pela qual, mais ainda, pode­ria enten­der que o seu dire­ito, sendo bom, pode­ria tar­dar, mas não falharia.

Dito isso, entendo, a par­tir daí, que os des­do­bra­men­tos e equívo­cos do episó­dio, com a con­se­quente crise mil­i­tar – que não inter­essa a ninguém, muito menos à sociedade –, devem ser deb­ita­dos na conta do gov­erno e seus agentes.

Emb­ora ambos estivessem “far­da­dos”, um como mil­i­tar e o outro como rep­re­sen­tante do Estado, pelo que se depreende das infor­mações que se tem até aqui, é que o “entrevero” fora pri­vado. Dev­e­ria, pois, o suposto ofen­dido, reg­is­trar um bole­tim de ocor­rên­cia poli­cial e, pos­te­ri­or­mente, se jul­gasse necessário, entrar com uma ação por danos morais.

Con­forme já disse noutras opor­tu­nidades, acred­ito que fal­tou “tato”, a velha exper­iên­cia, para lidar com uma questão, trans­for­mando em uma crise na caserna um assunto que pode­ria ser iso­lado como questão privada.

Os dois cidadãos se desen­ten­deram – ainda bem que ape­nas no campo das palavras –, e foram bus­car a reparação à honra na esfera judi­cial. Ponto. Não have­ria neces­si­dade de se envolver as patentes e/​ou car­gos no episódio.

O gov­erno fez jus­ta­mente o con­trário, trans­for­mou uma questão pri­vada numa crise de Estado.

Repito, falta tato, exper­iên­cia ao gov­erno para lidar com questões delicadas.

Ainda que fosse uma questão “de Estado”, dev­e­riam pon­derar a mel­hor maneira para con­duzir o assunto.

Os aux­il­iares, sobre­tudo, os mais próx­i­mos ao gov­er­nador dev­e­riam, como se diz no pop­u­lar, “colo­car panos quentes”, para diminuir o alcance da crise instaurada.

Indifer­ente a del­i­cadeza da situ­ação, fez-​se o pior mobilizou-​se “meio gov­erno” para “pren­der” o “inso­lente” tenente-​coronel. E, con­forme li, fiz­eram isso “atro­pelando” a leg­is­lação pátria para atin­gir seu intento, inclu­sive fazendo exi­s­tir um fla­grante quando o mil­i­tar apresentara-​se vol­un­tari­a­mente à autori­dade policial.

O que con­sta, segundo a man­i­fes­tação do mil­i­tar na mídia, é que ele se apre­sen­tou vol­un­tari­a­mente com dois ou três cole­gas que se recusaram ao papel de con­du­tor, tendo um inte­grante da cúpula da PMMA, “apare­cido”, a sor­relfa, e se apre­sen­tado como con­du­tor, e assim, gerar a situ­ação de flagrância.

Uma acusação grave, de um fato mais grave ainda.

Tanto assim, que o tenente-​coronel não chegou a esquen­tar o rude catre da cela onde o colo­caram, tendo a juíza plan­ton­ista, numa sen­tença áspera, dito, que o “estado” agira de forma errada e o colo­cado ime­di­ata­mente em liberdade.

Ape­sar do pro­nun­ci­a­mento da Justiça, temos notí­cias de que muitos aux­il­iares do gov­er­nador, den­tro e fora da cor­po­ração, ainda insis­tem em fazer a história “ren­der”, com punições, como per­das de funções de con­fi­ança pela patente (o que oner­ará dupla­mente o Estado) e ameaças ao mil­i­tar envolvido.

A ten­ta­tiva de “enquadra­mento”, ainda que restrito ao um mil­i­tar, pela situ­ação cri­ada é como se pre­tendessem enquadrar a própria corporação.

Todo episó­dio, além de favore­cer explo­ração política por conta dos adver­sários, reforça a imagem de que o gov­erno comu­nista é autoritário e tru­cu­lento. Preferindo mais o temor que o respeito de ali­a­dos e desafetos.

Essa imagem, que parece, fazem questão de cul­ti­var, vem de diver­sos episó­dios, prin­ci­pal­mente a acusação de abuso de poder político e finan­ceiro nas últi­mas eleições munic­i­pais, onde os adver­sários do gov­erno sen­ti­ram sobre si a força do Estado em favor dos seus aliados.

São raros os municí­pios maran­henses onde o ressen­ti­mento não se faz pre­sente. Acusam o gov­erno perseguidor. Mesmo ali­a­dos de primeira hora do gov­erno, mas que não estão na linha de frente das cam­pan­has, têm sua dose de ressentimentos.

A ideia de se bus­car o temor ao invés do respeito, ainda que se obtenha o resul­tado no curto prazo, nunca é a mel­hor alter­na­tiva política. Em se tratando de mil­itares, quase sem­pre é a pior. Na cor­po­ração todo mundo tem os “seus”, quanto mais alta a patente, mais tal assertiva é verdadeira.

Nos últi­mos dias na caserna – emb­ora a dis­ci­plina os prive de diz­erem pub­li­ca­mente –, o que mais se ouviu foi que a prisão fora arbi­trária; que não teve motivo; que se dera em razão de envolver mem­bro do alto escalão do gov­erno; etc.

A falta de com­preen­são do gov­erno trato desta questão, acaba por gal­va­nizar um sen­ti­mento em torno do tenente-​coronel, seja por se espal­harem no fato de que tal situ­ação pode­ria ocor­rer com qual­quer um deles; seja por se sen­tirem atingi­dos, como cor­po­ração, pelo suce­dido; seja por se sen­tirem rep­re­sen­ta­dos pelo enfrenta­mento por um dos seus a alta cúpula do gov­erno, fazendo o que muitos gostaria de fazer seja pela própria ideia do “per­tenci­mento”, do mil­i­tar se sen­tir como inte­grante daquela cor­po­ração – sen­ti­mento, este, que se encon­trava em desuso.

O gov­erno dev­e­ria ficar atento a estes sinais. Não ficar esti­cando a corda, retar­dando ao extremo o cumpri­mento de decisões judi­ci­ais, muitas tran­si­tadas em jul­gado, que recon­hece­ram deter­mi­na­dos dire­itos aos servi­dores ou poster­gando o cumpri­mento da leg­is­lação cas­trense no que se ref­ere às pro­moções por ressarci­mento de preterição.

Assim como o tenente-​coronel Ciro Nunes, muitos out­ros estão na mesma situ­ação. Muitos out­ros se «sen­tem» pas­sa­dos para trás nas pro­moções por merec­i­mento. Acred­i­tam que alguns por terem con­tatos con­seguem ser pro­movi­dos e eles não.

São muitos sen­ti­men­tos con­fli­tu­osos a exi­girem inteligên­cia para lidar com eles. Aço­da­men­tos ou “esti­ca­mento de corda” só agravam a situação.

Por fim, não se deve perder de vista o que teria dito (ou não) Getúlio Var­gas, até porque são palavras certeiras: — mil­i­tar pensa como militar.

O gov­erno prestaria um grande serviço a si próprio se tra­bal­hasse no sen­tido de não de ali­men­tar crises, e sim, debelá-​las.

Abdon Mar­inho é advogado.