A ARTE DE APAGAR INCÊNDIO COM GASOLINA.
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- Criado: Quarta, 26 Julho 2017 13:21
- Escrito por Abdon Marinho
A ARTE DE APAGAR INCÊNDIO COM GASOLINA.
NO AUGE da crise de 1954 – que ficara mais aguda com o assassinato do major Vaz, na Rua do Toneleiro, rio de Janeiro, enquanto fazia a segurança do líder oposicionista Carlos Lacerda e o manifesto dos coronéis negando apoio ao governo –, Ivete Vargas, a filha mais política do velho caudilho, teria sugerido ao pai que buscasse apoio em setores das Forças Armadas. Getúlio teria, supostamente, respondido: — minha filha, militar pensa como militar.
Se Getúlio Vargas fez ou não tal assertiva é algo que nunca saberemos. O certo é que rechaçou mais uma solução militar, que dividiria, ainda mais as forças de segurança do país para se manter no poder, preferindo «sair da vida e entrar para história, nas suas próprias palavras.
Oriundo da caserna o ex-presidente conhecia em profundidade a cultura castrense. A ponto de saber que não se deve, por qualquer forma ou a qualquer pretexto, fomentar cisão interna.
Embora com legislação própria as polícias militares são constituídas com essa cultura, herdada, em todos os aspectos, das Forças Armadas, como se fosse um corpo a parte da sociedade.
Embora sejam outros os tempos e os costumes, faço essa breve digressão para dizer que o governo estadual tem errado feio no trato dos seus militares.
Este último episódio envolvendo o tenente-coronel Ciro Nunes é a prova cabal disso.
Aqui não discuto a questão antecedente, o desentendimento, às portas do tribunal, entre o procurador-geral e o tenente-coronel. Se um ou outro é o culpado pelo episódio o curso das investigações irá dizer.
A mim cabe esperar – como amigo de ambos –, o desenrolar dos fatos.
Entretanto, arrisco na argumentação de que ambos contribuíram com o triste episódio.
O procurador-geral se equivocou por “brincar” com uma questão tão delicada, não apenas para os servidores militares, mas para todos os demais, que vivem essa constante “queda de braço” com o governo na busca por vantagens ou direitos, conforme a ótica de cada um.
A pilhéria se tornou ainda mais inoportuna, do ponto de vista político administrativo, quando sabemos que o governo acabou de obter uma importante vitória sobre o funcionalismo, que foi a questão dos 21,7%. Tal vitória, obtida graças ao incansável trabalho da procuradoria – e aqui, também, não adentro ao mérito –, trouxe grande tensão nas relações entre os defensores do governo estadual e a categoria dos servidores públicos.
Ao perguntar ao tenente-coronel se ele “se divertia” com os processos, certamente, foi como jogar gasolina no incêndio, uma vez que o tenente-coronel luta há anos para ter reconhecido alguns dos seus direitos por parte do Estado, dentre as quais promoção por ressarcimento de preterição, que ele mesmo acompanha, diligenciando o andamento do processo.
Não acredito, por nenhum momento, que tenha agido assim no intuito de ir além da pilhéria, mesmo porque, não acredito que seja do perfil do procurador, espezinhar sobre os vencidos, ainda que do ponto vista jurídico.
Já o tenente-coronel, talvez por se encontrar envolvido pessoalmente na causa, contribuiu com o episódio ao aguardar o procurador no intuito de lhe tomar satisfações.
Ainda que tenha entendido a chiste do mesmo como uma “humilhação”, deveria quedar-se à disciplina a que foi formado desde o fim da adolescência. Poderia ter feito isso. Levado na brincadeira.
O tenente-coronel Ciro Nunes é, além de militar, um estudioso do direito e conhece como poucos a legislação militar (e mesmo a civil), sendo capaz de citar alíneas, incisos, parágrafos e artigos, mesmo das leis mais esquecidas.
Razão pela qual, mais ainda, poderia entender que o seu direito, sendo bom, poderia tardar, mas não falharia.
Dito isso, entendo, a partir daí, que os desdobramentos e equívocos do episódio, com a consequente crise militar – que não interessa a ninguém, muito menos à sociedade –, devem ser debitados na conta do governo e seus agentes.
Embora ambos estivessem “fardados”, um como militar e o outro como representante do Estado, pelo que se depreende das informações que se tem até aqui, é que o “entrevero” fora privado. Deveria, pois, o suposto ofendido, registrar um boletim de ocorrência policial e, posteriormente, se julgasse necessário, entrar com uma ação por danos morais.
Conforme já disse noutras oportunidades, acredito que faltou “tato”, a velha experiência, para lidar com uma questão, transformando em uma crise na caserna um assunto que poderia ser isolado como questão privada.
Os dois cidadãos se desentenderam – ainda bem que apenas no campo das palavras –, e foram buscar a reparação à honra na esfera judicial. Ponto. Não haveria necessidade de se envolver as patentes e/ou cargos no episódio.
O governo fez justamente o contrário, transformou uma questão privada numa crise de Estado.
Repito, falta tato, experiência ao governo para lidar com questões delicadas.
Ainda que fosse uma questão “de Estado”, deveriam ponderar a melhor maneira para conduzir o assunto.
Os auxiliares, sobretudo, os mais próximos ao governador deveriam, como se diz no popular, “colocar panos quentes”, para diminuir o alcance da crise instaurada.
Indiferente a delicadeza da situação, fez-se o pior mobilizou-se “meio governo” para “prender” o “insolente” tenente-coronel. E, conforme li, fizeram isso “atropelando” a legislação pátria para atingir seu intento, inclusive fazendo existir um flagrante quando o militar apresentara-se voluntariamente à autoridade policial.
O que consta, segundo a manifestação do militar na mídia, é que ele se apresentou voluntariamente com dois ou três colegas que se recusaram ao papel de condutor, tendo um integrante da cúpula da PMMA, “aparecido”, a sorrelfa, e se apresentado como condutor, e assim, gerar a situação de flagrância.
Uma acusação grave, de um fato mais grave ainda.
Tanto assim, que o tenente-coronel não chegou a esquentar o rude catre da cela onde o colocaram, tendo a juíza plantonista, numa sentença áspera, dito, que o “estado” agira de forma errada e o colocado imediatamente em liberdade.
Apesar do pronunciamento da Justiça, temos notícias de que muitos auxiliares do governador, dentro e fora da corporação, ainda insistem em fazer a história “render”, com punições, como perdas de funções de confiança pela patente (o que onerará duplamente o Estado) e ameaças ao militar envolvido.
A tentativa de “enquadramento”, ainda que restrito ao um militar, pela situação criada é como se pretendessem enquadrar a própria corporação.
Todo episódio, além de favorecer exploração política por conta dos adversários, reforça a imagem de que o governo comunista é autoritário e truculento. Preferindo mais o temor que o respeito de aliados e desafetos.
Essa imagem, que parece, fazem questão de cultivar, vem de diversos episódios, principalmente a acusação de abuso de poder político e financeiro nas últimas eleições municipais, onde os adversários do governo sentiram sobre si a força do Estado em favor dos seus aliados.
São raros os municípios maranhenses onde o ressentimento não se faz presente. Acusam o governo perseguidor. Mesmo aliados de primeira hora do governo, mas que não estão na linha de frente das campanhas, têm sua dose de ressentimentos.
A ideia de se buscar o temor ao invés do respeito, ainda que se obtenha o resultado no curto prazo, nunca é a melhor alternativa política. Em se tratando de militares, quase sempre é a pior. Na corporação todo mundo tem os “seus”, quanto mais alta a patente, mais tal assertiva é verdadeira.
Nos últimos dias na caserna – embora a disciplina os prive de dizerem publicamente –, o que mais se ouviu foi que a prisão fora arbitrária; que não teve motivo; que se dera em razão de envolver membro do alto escalão do governo; etc.
A falta de compreensão do governo trato desta questão, acaba por galvanizar um sentimento em torno do tenente-coronel, seja por se espalharem no fato de que tal situação poderia ocorrer com qualquer um deles; seja por se sentirem atingidos, como corporação, pelo sucedido; seja por se sentirem representados pelo enfrentamento por um dos seus a alta cúpula do governo, fazendo o que muitos gostaria de fazer seja pela própria ideia do “pertencimento”, do militar se sentir como integrante daquela corporação – sentimento, este, que se encontrava em desuso.
O governo deveria ficar atento a estes sinais. Não ficar esticando a corda, retardando ao extremo o cumprimento de decisões judiciais, muitas transitadas em julgado, que reconheceram determinados direitos aos servidores ou postergando o cumprimento da legislação castrense no que se refere às promoções por ressarcimento de preterição.
Assim como o tenente-coronel Ciro Nunes, muitos outros estão na mesma situação. Muitos outros se «sentem» passados para trás nas promoções por merecimento. Acreditam que alguns por terem contatos conseguem ser promovidos e eles não.
São muitos sentimentos conflituosos a exigirem inteligência para lidar com eles. Açodamentos ou “esticamento de corda” só agravam a situação.
Por fim, não se deve perder de vista o que teria dito (ou não) Getúlio Vargas, até porque são palavras certeiras: — militar pensa como militar.
O governo prestaria um grande serviço a si próprio se trabalhasse no sentido de não de alimentar crises, e sim, debelá-las.
Abdon Marinho é advogado.