A REPÚBLICA PERDEU O JUÍZO.
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- Criado: Sábado, 17 Dezembro 2016 10:01
- Escrito por Abdon Marinho
A REPÚBLICA PERDEU O JUÍZO.
QUANDO da sua demissão do cargo de ministra do meio ambiente, ocasionada por sua discordância com a política para o setor implementada pelo ex-presidente Lula e levada a cabo pela gerente e depois presidente Dilma Rousseff, a então ministra, Marina Silva, disse uma frase que lembro até hoje: «prefiro perder a cabeça a perder o juízo».
Lembrei-me desta frase ao examinar o momento pelo qual passa o país. A impressão que resta, não é que esta ou aquela pessoa perdeu o juízo, mas que a República perdeu o juízo. Isso em prejuízo da democracia que imaginávamos triunfar no Brasil.
Ao invés disso temos um país em suspenso, onde o que mais ouve é que estamos à beira de um abismo e que experimentamos a mais grave crise institucional dos últimos anos, com o enfraquecimento de todos os poderes.
A agudeza do momento revelou-se ainda maior quando o Supremo Tribunal Federal — STF viu-se obrigado a buscar uma solução de consenso – uma meia-sola, uma gambiarra interpretativa da Constituição – a fim de evitar o colapso institucional.
Apesar disso ficou ruim para todos: para o STF, para o Senado da República, para Câmara dos Deputados, para o Executivo, para a democracia.
A vida das gambiarras institucionais é curta, só se sustenta até a próxima crise chegar, maior e mais aguda, o que não demorará a acontecer, aliás já está em curso.
A imagem do país é a de uma nação onde os poderes constituídos não se respeitam e, também por isso, não têm o respeito da população.
Não me recordo de ter ouvido tantos questionamentos a respeito dos acontecimentos jurídicos/políticos quanto nos últimos dias. Até pessoas que imaginava totalmente alheias aos acontecimentos das coxias dos palácios vieram me indagar sobre o que achava da decisão fulana ou da reação sicrana e o que viria depois de tudo isso.
A primeira pergunta que sempre fazem é: quem acho que está certo? A resposta que tenho dado até aqui é uma só: todos estão errados.
Vivemos uma história sem mocinhos. Não devemos nos iludir: a maior força motriz de todos esses percalços é a vaidade. As autoridades foram acometidas pela síndrome da mariposa, não conseguem fugir das luzes, dos holofotes das mídias.
A tragédia começa com um Ministério Público Federal – mais do que nunca preocupado em se constituir em quarto poder da República –, querendo legislar e apresentando um conjunto de medidas que, ressalvadas os bons propósitos de seus idealizadores, acabariam por ferir de morte conquistas seculares da civilização.
Não temos como concordar com medidas que, por exemplo, limita o alcance do habeas corpus, que admite provas ilícitas em processos, que cria a figura do delator profissional ou o bolsa delação, apenas para citar estas medidas.
Não temos qualquer dúvida que necessitamos tornar mais eficiente o combate à corrupção, mas esse combate não pode ser feito com ofensas as garantias constitucionais, com a insegurança jurídica ou com a aplicação de medidas do tipo condene antes apure depois.
A Câmara dos Deputados – embora por motivos de cunho pessoal, legislando claramente em beneficio do interesse dos seus membros – não agiu, de todo, com desacerto, ao colocar um freio nas pretensões do Ministério Público.
Despropositada foi a reação do MP chegando ao cúmulo de ameaçar o Congresso Nacional e a Presidência da República se o projeto lei em questão fosse sancionado. Mais, ameaçaram renunciar, coletivamente, aos processos vinculados à Operação Lava Jato.
Causa perplexidade que pessoas instruídas não saibam qual é o seu papel na equação do poder.
Vamos combinar, não faz qualquer sentido procuradores da República arvorarem-se, por uma contrariedade justa ou não, do direito de chantagear os demais poderes.
Nada contra a indignação, até justas e, afora as críticas pontuais as pretensões ministeriais – aqui não se discute esse mérito –, o que achei absurdo foi despropósito de sua reação, o chilique institucional.
Por mais inusitado que possa parecer, nem havíamos nos recuperado do primeiro choque institucional, foi a vez, logo na segunda-feira seguinte, de um ministro do STF, Marco Aurélio Mello, afastar, monocraticamente, o presidente do Senado da República e do Congresso Nacional, colocando mais lenha na fogueira.
Ora, qualquer cidadão, que não tenha acabado de chegar de Marte, sabe que motivos existem – de sobras –, não apenas para afastar o senhor Calheiros da Presidência do Senado, do cargo de senador, da vida pública e até mesmo para trancafiá-lo numa cela. Entretanto, não temos a menor dúvida que a decisão do ministro do STF, foi, para dizer o mínimo, extemporânea. Não faz sentido que um ministro, solitariamente, afaste um presidente de poder, ainda que seja o velho Renan Calheiros de sempre.
Pois é, concedida a liminar da discórdia, confesso, poucas vezes, desde que acompanho a vida política no país, assisti tantos questionamentos à uma decisão judicial. As dúvidas e indagações sobre a mesma não partiam apenas de pessoas ligadas ao mundo jurídico ou político, até cidadãos comuns, como motoristas, donas de casa, servidores públicos, etc., se acharam no direito de opinar sobre a decisão do ministro. Muitos para discordar ou enxergar motivações das mais variadas na mesma.
A inusitada liminar gerou desdobramentos igualmente inusitados, como a Mesa do Senado, em decisão de duvidosa legitimidade – embora formalmente instruída –, dizer, textualmente que não a iria cumprir. Não até que o plenário do Supremo Tribunal Federal, decidisse por sua validação. Tempos estranhos.
E, ao que parece, à Mesa do Senado assistia razão, tanto que o pleno do STF, inovou ao criar a figura do meio-presidente do Senado da República: aquele que pode exercer a presidência, como presidente do Congresso Nacional, promulgar emendas à constituição, mas que não pode participar da linha sucessória do presidente.
Como se diz em juridiquês, data venia, está tudo errado.
Mas, como tudo que está ruim, o Brasil prova que pode piorar, não bastou ao STF inventar a jabuticaba jurídica, passou à sociedade a impressão de que participara de uma espécie de «acordão» destinado a salvar a presidência do senhor Renan Calheiro. Não se trata nem de discutir o acerto ou não da decisão, mas sim o grave descrédito que passou a alcançar as decisões da mais elevada corte do país.
Quem poderá sentir-se seguro se acredita que a Corte Suprema deixou de ser uma corte de Justiça e passou a ser de política? Quem poderia imaginar que uma decisão de um ministro do STF poderia ser mais questionadas que decisões de uma câmara de vereador de qualquer rincão, ainda o menor? É uma lástima.
O pior é que o filme de terror parece não ter fim.
Ainda no dia da decisão em que o STF inaugurou a jabuticaba jurídica, o ministro Marco Aurélio de Melo, saiu-se com uma frase absurda, para dizer o mínimo, teria dito: «ao menos saí-me bem perante a opinião pública». Chego a duvidar que tenha dito tal coisa. Não isso que se espera de um ministro do STF. O que a sociedade espera da derradeira trincheira da cidadania, não é que fique «bem» perante a opinião pública ou grupos de pressão ou de quem quer que seja. A única coisa que espera, que se exige, é Justiça, é que tenhamos uma instituição na qual possamos depositar nossas últimas esperanças. Só isso.
A cada dia que passa esse mínimo exigível se torna cada vez mais distante. Não tem um dia em que os ministros do STF não sejam notícia nos meios de comunicação, aliás, que não sejam protagonistas de notícias.
Agora mesmo temos um novo conflito entre poderes por conta de uma decisão do ministro Fux que invade a esfera interna do processo legislativo, mandando que determinada matéria volte para ser novamente apreciada.
E, mais uma vez, temos uma decisão de um ministro sendo objeto de questionamentos não apenas pelos integrantes do Congresso Nacional, mas, também, por expoentes do Poder Judiciário, como se deu com o ministro Gilmar Mendes, questionando, publicamente, como já fizera anteriormente, uma decisão de um colega de tribunal.
E, volto a repetir, não se tratar aqui de nos filiarmos a esse ou aquele entendimento, mas sim de questionarmos a «fulanização» das decisões judiciais. Como podemos confiar em ministros que têm suas decisões sendo questionadas publicamente, por todos os meios de comunicação, por seus colegas de tribunal?
O que estamos vivenciando no Brasil é algo nunca visto. As autoridades perderam a noção do representa seus destemperos para a segurança da sociedade e o fortalecimento de suas instituições.
A República perdeu o juízo.
Abdon Marinho é advogado.