AbdonMarinho - A REPÚBLICA PERDEU O JUÍZO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A REPÚBLICA PERDEU O JUÍZO.

A REPÚBLICA PERDEU O JUÍZO.

QUANDO da sua demis­são do cargo de min­is­tra do meio ambi­ente, oca­sion­ada por sua dis­cordân­cia com a política para o setor imple­men­tada pelo ex-​presidente Lula e lev­ada a cabo pela ger­ente e depois pres­i­dente Dilma Rouss­eff, a então min­is­tra, Marina Silva, disse uma frase que lem­bro até hoje: «pre­firo perder a cabeça a perder o juízo».

Lembrei-​me desta frase ao exam­i­nar o momento pelo qual passa o país. A impressão que resta, não é que esta ou aquela pes­soa perdeu o juízo, mas que a República perdeu o juízo. Isso em pre­juízo da democ­ra­cia que imag­iná­va­mos tri­un­far no Brasil.

Ao invés disso temos um país em sus­penso, onde o que mais ouve é que esta­mos à beira de um abismo e que exper­i­men­ta­mos a mais grave crise insti­tu­cional dos últi­mos anos, com o enfraque­c­i­mento de todos os poderes.

A agudeza do momento revelou-​se ainda maior quando o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF viu-​se obri­gado a bus­car uma solução de con­senso – uma meia-​sola, uma gam­biarra inter­pre­ta­tiva da Con­sti­tu­ição – a fim de evi­tar o colapso institucional.

Ape­sar disso ficou ruim para todos: para o STF, para o Senado da República, para Câmara dos Dep­uta­dos, para o Exec­u­tivo, para a democracia.

A vida das gam­biar­ras insti­tu­cionais é curta, só se sus­tenta até a próx­ima crise chegar, maior e mais aguda, o que não demor­ará a acon­te­cer, aliás já está em curso.

A imagem do país é a de uma nação onde os poderes con­sti­tuí­dos não se respeitam e, tam­bém por isso, não têm o respeito da população.

Não me recordo de ter ouvido tan­tos ques­tion­a­men­tos a respeito dos acon­tec­i­men­tos jurídicos/​políticos quanto nos últi­mos dias. Até pes­soas que imag­i­nava total­mente alheias aos acon­tec­i­men­tos das cox­ias dos palá­cios vieram me inda­gar sobre o que achava da decisão fulana ou da reação sicrana e o que viria depois de tudo isso.

A primeira per­gunta que sem­pre fazem é: quem acho que está certo? A resposta que tenho dado até aqui é uma só: todos estão errados.

Vive­mos uma história sem mocin­hos. Não deve­mos nos iludir: a maior força motriz de todos esses per­calços é a vaidade. As autori­dades foram acometi­das pela sín­drome da mari­posa, não con­seguem fugir das luzes, dos holo­fotes das mídias.

A tragé­dia começa com um Min­istério Público Fed­eral – mais do que nunca pre­ocu­pado em se con­sti­tuir em quarto poder da República –, querendo leg­is­lar e apre­sen­tando um con­junto de medi­das que, ressal­vadas os bons propósi­tos de seus ide­al­izadores, acabariam por ferir de morte con­quis­tas sec­u­lares da civilização.

Não temos como con­cor­dar com medi­das que, por exem­plo, limita o alcance do habeas cor­pus, que admite provas ilíc­i­tas em proces­sos, que cria a figura do dela­tor profis­sional ou o bolsa delação, ape­nas para citar estas medidas.

Não temos qual­quer dúvida que neces­si­ta­mos tornar mais efi­ciente o com­bate à cor­rupção, mas esse com­bate não pode ser feito com ofen­sas as garan­tias con­sti­tu­cionais, com a inse­gu­rança jurídica ou com a apli­cação de medi­das do tipo con­dene antes apure depois.

A Câmara dos Dep­uta­dos – emb­ora por motivos de cunho pes­soal, leg­is­lando clara­mente em ben­efi­cio do inter­esse dos seus mem­bros – não agiu, de todo, com desac­erto, ao colo­car um freio nas pre­ten­sões do Min­istério Público.

Desproposi­tada foi a reação do MP chegando ao cúmulo de ameaçar o Con­gresso Nacional e a Presidên­cia da República se o pro­jeto lei em questão fosse san­cionado. Mais, ameaçaram renun­ciar, cole­ti­va­mente, aos proces­sos vin­cu­la­dos à Oper­ação Lava Jato.

Causa per­plex­i­dade que pes­soas instruí­das não saibam qual é o seu papel na equação do poder.

Vamos com­bi­nar, não faz qual­quer sen­tido procu­radores da República arvorarem-​se, por uma con­trariedade justa ou não, do dire­ito de chan­tagear os demais poderes.

Nada con­tra a indig­nação, até jus­tas e, afora as críti­cas pon­tu­ais as pre­ten­sões min­is­te­ri­ais – aqui não se dis­cute esse mérito –, o que achei absurdo foi despropósito de sua reação, o chilique institucional.

Por mais inusi­tado que possa pare­cer, nem havíamos nos recu­per­ado do primeiro choque insti­tu­cional, foi a vez, logo na segunda-​feira seguinte, de um min­istro do STF, Marco Aurélio Mello, afas­tar, mono­crati­ca­mente, o pres­i­dente do Senado da República e do Con­gresso Nacional, colo­cando mais lenha na fogueira.

Ora, qual­quer cidadão, que não tenha acabado de chegar de Marte, sabe que motivos exis­tem – de sobras –, não ape­nas para afas­tar o sen­hor Cal­heiros da Presidên­cia do Senado, do cargo de senador, da vida pública e até mesmo para trancafiá-​lo numa cela. Entre­tanto, não temos a menor dúvida que a decisão do min­istro do STF, foi, para dizer o mín­imo, extem­porânea. Não faz sen­tido que um min­istro, soli­tari­a­mente, afaste um pres­i­dente de poder, ainda que seja o velho Renan Cal­heiros de sempre.

Pois é, con­ce­dida a lim­i­nar da dis­cór­dia, con­fesso, pou­cas vezes, desde que acom­panho a vida política no país, assisti tan­tos ques­tion­a­men­tos à uma decisão judi­cial. As dúvi­das e inda­gações sobre a mesma não par­tiam ape­nas de pes­soas lig­adas ao mundo jurídico ou político, até cidadãos comuns, como motoris­tas, donas de casa, servi­dores públi­cos, etc., se acharam no dire­ito de opinar sobre a decisão do min­istro. Muitos para dis­cor­dar ou enx­er­gar moti­vações das mais vari­adas na mesma.

A inusi­tada lim­i­nar gerou des­do­bra­men­tos igual­mente inusi­ta­dos, como a Mesa do Senado, em decisão de duvi­dosa legit­im­i­dade – emb­ora for­mal­mente instruída –, dizer, tex­tual­mente que não a iria cumprir. Não até que o plenário do Supremo Tri­bunal Fed­eral, decidisse por sua val­i­dação. Tem­pos estranhos.

E, ao que parece, à Mesa do Senado assis­tia razão, tanto que o pleno do STF, inovou ao criar a figura do meio-​presidente do Senado da República: aquele que pode exercer a presidên­cia, como pres­i­dente do Con­gresso Nacional, pro­mul­gar emen­das à con­sti­tu­ição, mas que não pode par­tic­i­par da linha sucessória do presidente.

Como se diz em juridiquês, data venia, está tudo errado.

Mas, como tudo que está ruim, o Brasil prova que pode pio­rar, não bas­tou ao STF inven­tar a jabu­ti­caba jurídica, pas­sou à sociedade a impressão de que par­tic­i­para de uma espé­cie de «acordão» des­ti­nado a sal­var a presidên­cia do sen­hor Renan Cal­heiro. Não se trata nem de dis­cu­tir o acerto ou não da decisão, mas sim o grave descrédito que pas­sou a alcançar as decisões da mais ele­vada corte do país.

Quem poderá sentir-​se seguro se acred­ita que a Corte Suprema deixou de ser uma corte de Justiça e pas­sou a ser de política? Quem pode­ria imag­i­nar que uma decisão de um min­istro do STF pode­ria ser mais ques­tion­adas que decisões de uma câmara de vereador de qual­quer rincão, ainda o menor? É uma lástima.

O pior é que o filme de ter­ror parece não ter fim.

Ainda no dia da decisão em que o STF inau­gurou a jabu­ti­caba jurídica, o min­istro Marco Aurélio de Melo, saiu-​se com uma frase absurda, para dizer o mín­imo, teria dito: «ao menos saí-​me bem per­ante a opinião pública». Chego a duvi­dar que tenha dito tal coisa. Não isso que se espera de um min­istro do STF. O que a sociedade espera da der­radeira trincheira da cidada­nia, não é que fique «bem» per­ante a opinião pública ou gru­pos de pressão ou de quem quer que seja. A única coisa que espera, que se exige, é Justiça, é que ten­hamos uma insti­tu­ição na qual pos­samos deposi­tar nos­sas últi­mas esper­anças. Só isso.

A cada dia que passa esse mín­imo exigível se torna cada vez mais dis­tante. Não tem um dia em que os min­istros do STF não sejam notí­cia nos meios de comu­ni­cação, aliás, que não sejam pro­tag­o­nistas de notícias.

Agora mesmo temos um novo con­flito entre poderes por conta de uma decisão do min­istro Fux que invade a esfera interna do processo leg­isla­tivo, man­dando que deter­mi­nada matéria volte para ser nova­mente apreciada.

E, mais uma vez, temos uma decisão de um min­istro sendo objeto de ques­tion­a­men­tos não ape­nas pelos inte­grantes do Con­gresso Nacional, mas, tam­bém, por expoentes do Poder Judi­ciário, como se deu com o min­istro Gilmar Mendes, ques­tio­nando, pub­li­ca­mente, como já fiz­era ante­ri­or­mente, uma decisão de um colega de tribunal.

E, volto a repe­tir, não se tratar aqui de nos fil­iar­mos a esse ou aquele entendi­mento, mas sim de ques­tion­ar­mos a «fulaniza­ção» das decisões judi­ci­ais. Como podemos con­fiar em min­istros que têm suas decisões sendo ques­tion­adas pub­li­ca­mente, por todos os meios de comu­ni­cação, por seus cole­gas de tribunal?

O que esta­mos viven­ciando no Brasil é algo nunca visto. As autori­dades perderam a noção do rep­re­senta seus destem­peros para a segu­rança da sociedade e o for­t­alec­i­mento de suas instituições.

A República perdeu o juízo.

Abdon Mar­inho é advogado.