AbdonMarinho - A IMPUNIDADE LAVADA NA LAMA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A IMPUNIDADE LAVADA NA LAMA.

A IMPUNIDADE LAVADA NA LAMA.

Demorei, proposi­tada­mente, a me man­i­fes­tar sobre o desas­tre ambi­en­tal cau­sado pelo rompi­mento das repre­sas de con­tenção de rejeitos em Mar­i­ana (MG).

Esperei para ver o posi­ciona­mento das autori­dades diante de uma dos maiores desas­tres ambi­en­tais já reg­istra­dos no país.

Até agora não temos tido qual­quer sur­presa: ind­eniza­ções pífias, a serem admin­istradas pela própria empresa cau­sadora do desas­tre; mul­tas, que pare­cem quer­erem levar no “bico”, como, aliás, sem­pre fiz­eram; reparações às famílias feitas de qual­quer jeito.

Claro que haverão de argu­men­tar que tudo ainda está muito recente, que não se tem, ainda como aquilatar todas as situações.

Um assunto, entre­tanto, parece não con­star da pauta de ninguém, nem das autori­dades, nem dos impli­ca­dos: a respon­s­abi­liza­ção crim­i­nal dos que deram causa ao crime ambi­en­tal e as mortes de mais de uma dúzia de pes­soas, desa­parec­i­men­tos de out­ras tan­tas, a morte dos rios e aflu­entes com suas cen­te­nas de espé­cies de flora e fauna. Tratam o assunto como se fosse obra do acaso, como se não hou­vessem cul­pa­dos, como se não hou­vessem responsáveis.

Decerto que há inquérito aberto sobre o fato. Algum del­e­gado deve está inves­ti­gando. Ape­sar disso, tal é a posição secundária que o mesmo tem ocu­pado que é como se não exis­tisse. Não duvi­dem que ao fim de lon­gos anos ninguém seja apon­tando como cul­pado. Ou, pior, caso seja encon­trado alguns respon­sáveis – devem ter inúmeros, tanto nas empre­sas quanto entre as autori­dades que tin­ham o dever de fis­calizar –, o processo se arraste por tanto tempo nos encam­in­hou da justiça que ninguém, efe­ti­va­mente, pague pelos crimes cometidos.

Até aqui as coisas se encam­in­ham assim, para a impunidade.

A gen­tileza dis­pen­sada pelas autori­dades brasileiras aos pro­pri­etários das empre­sas que destruíram rios, dezenas de espé­cie de peixes, mariscos, árvores, oca­sio­nou a destru­ição de comu­nidades inteiras, sendo respon­sáveis por mortes e desa­parec­i­men­tos, é de bru­tal con­traste com o trata­mento que dis­pen­sam a um ribeir­inho que é pego pes­cando para sus­ten­tar a família durante a piracema ou ao cidadão que matou um palmeira para lhe reti­rar o palmito ou, ainda, aquele que mata, apreende ou nego­cia uma ave ou caça.

Quem não con­hece casos de pescadores que foram deti­dos, tiveram os instru­men­tos de tra­balho apren­di­dos, respon­deram a proces­sos e foram con­de­na­dos por pescar durante a piracema? Quem nunca soube de casos de caçadores arte­sanais a quem sucedeu o mesmo? Quem não tomou con­hec­i­mento do caso do cidadão que foi preso por destruir uma palmeira numa área de reserva?

Situ­ações acima não são fig­uras retóri­cas. Acon­te­ce­ram efe­ti­va­mente. A lei ambi­en­tal é apli­cada com muito mais fre­qüên­cia que acos­tu­mamos pres­en­ciar quando os seus des­ti­natários são os pobres, os despos­suí­dos, cidadãos humildes que saem para pas­sar­in­har ou para pescar, sem sequer saber, se o estão fazendo con­sti­tui crime.

O mesmo rigor, ao que nos parece não vem sendo obser­vado no caso do rompi­mento das bar­ra­gens de Mar­i­ana. Até aqui nen­hum exec­u­tivo ou con­tro­lador das empre­sas foram deti­dos ou mesmo con­strangido, o mesmo se diga daque­les que tin­ham o dever fun­cional de fis­calizar, das autoridades.

Chama a atenção a incrível rapi­dez com que os órgãos min­is­te­ri­ais, Min­istério Público Estad­ual e Fed­eral aceitaram a pro­posta de cri­ação de um fundo a ser admin­istrado pela empresa cau­sadora dos danos, no valor de um bil­hão para recu­per­ação ambi­en­tal. Emb­ora o número pareça sig­ni­fica­tivo, é ínfimo diante dos danos cau­sa­dos e fica muito aquém dos val­ores ofer­e­ci­dos por out­ras empre­sas em idên­ti­cas situ­ações. Basta com­parar com out­ros desas­tres ambi­en­tais ao redor do mundo.

Ainda com as mul­tas apli­cadas, os val­ores que as empre­sas irão desem­bol­sar (se desem­bol­sar) não chegam sequer perto de san­ear todo o mal cau­sado. São famílias sem seus entes queri­dos; é a his­to­ria da comu­nidade destruída que jamais será reposta; o patrimônio histórico, pais­agís­tico, as histórias não serão devolvi­das; é o transtorno cau­sado as pop­u­lações que depen­diam dos rios para o abastec­i­mento de água, o comér­cio, o tur­ismo. Nada será como antes.

O Rio Doce dev­erá levar décadas para se recu­perar, a vida mate­ri­al­izada através suas espé­cies talvez nunca seja mais a mesma. O mesmo acon­te­cendo com a vida das mil­hares de espé­cies exis­tentes e que se repro­duzem no seu estuário.

Ape­sar disso, até aqui, os bacanas não estão sendo inco­moda­dos (não como dev­e­riam). E, nem mesmo no bolso sen­tirão o sufi­ciente pelos danos que causaram.

O mesmo se diga dos agentes públi­cos que tin­ham e têm o dever de fis­calizar e ver­i­ficar o cumpri­mento das nor­mas de segu­rança. Estes não sofr­erão nada e ainda devem ser promovidos.

Um rio inteiro vale menos que um quilo de peixe? Uma palmeira vale mais que seis­cen­tos quilômet­ros de matas cil­iares? Um tatu vale mais que dezenas de vidas perdidas?

A omis­são das autori­dades brasileiras é tamanha que a ONU se man­i­festou recla­mando. Trata-​se de mais um vexame.

Abdon Mar­inho é advogado.