AbdonMarinho - O BRASIL FLERTA COM A TREVA DIGITAL.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O BRASIL FLERTA COM A TREVA DIGITAL.

O BRASIL FLERTA COM A TREVA DIGITAL.

FICAVA intri­gado quando, no começo e mea­dos dos anos noventa, nos filmes e séries estrangeiras, sobre­tudo, amer­i­canas, via aque­les jovens nos pátios de esco­las, uni­ver­si­dades ou, out­ros lugares públi­cos, com seus lap­tops lig­a­dos, mostrando algo para os out­ros ou, ainda, salas de aula com um com­puta­dor em cada mesa.

Imag­i­nava tratar-​se de uma ficção cien­tí­fica. Algo para o futuro. Não com­preen­dia que ali já eram com­puta­dores lig­a­dos à rede mundial e que muitos já se conec­tavam por Wi-​Fi. E que os com­puta­dores já iam muito além de serem máquinas de escr­ever que sal­vavam textos.

Naque­les dias já era uma pes­soa tec­nológ­ica. Pos­suía um PC 486, com memória RAM de 8 MB, um legí­timo San­giorge (uma hom­e­nagem a téc­nico que o mon­tara, Alfredo San­giorge), antes disso já tivera um PC 286, com 4 MB de RAM, que achava o máx­imo, e me jun­tava din­heiro para com­prar um lap­top Toshiba, com con­fig­u­rações semelhantes.

Ape­sar disso a inter­net era algo muito dis­tante. Começar pela forma de acesso: dis­cada e conexão caindo a todo momento. Os meus ami­gos, mais pacientes ou mais vici­a­dos já se comu­ni­cavam, nas madru­gadas – quando se pagava ape­nas um pulso tele­fônico –, através de BBS – o ICQ sur­giria um tempo depois.

Só fomos ter con­tato com redes soci­ais, no começo ou mea­dos dos anos 2000. Demorei a criar um conta no orkut.

Faço essa ret­ro­spec­tiva para dizer o quanto o Brasil ainda se encon­tra atrasado no que se ref­ere aos avanços tec­nológi­cos e, prin­ci­pal­mente, ao acesso que o os brasileiros, mais humildes têm a estes avanços.

Aquilo que usamos hoje, com­puta­dores mais velozes, inter­net, e que já eram comuns noutros países, a par­tir dos anos oitenta e noventa, ainda não chega nem à metade da pop­u­lação brasileira.

Esta­mos falando de quase 50 anos de atraso, se com­para­r­mos ape­nas com os Esta­dos Unidos. Cor­eia do Sul, EUA, Europa, falam de inter­net com mais de 100 megabi’s de veloci­dade. O Japão lançou recen­te­mente uma banda larga com veloci­dade de 2 Gbps, que deve cus­tar cerca de R$ 100 reais, menos que o valor que pago por uma inter­net móvel de 2 GB. São números tão difer­entes dos nos­sos que não temos parâmet­ros para com­parar. Pesquisas recentes dão con­tas que o Brasil está numa das piores posições em relação ao acesso à inter­net, a veloci­dade e ao preço.

Para o nosso des­gosto, soube que até a Venezuela, que sofre com a crise de desabastec­i­mento, que está com raciona­mento de elet­ri­ci­dade, fica mel­hor posi­cionada no rank­ing que o Brasil. Trata-​se de uma ver­gonha escan­car­ada que dev­e­riam con­stranger as autoridades.

Em resumo: nossa inter­net é uma car­roça que custa o valor de Fer­rari e que nos deixa no prego na hora que precisamos.

Mas, ao que parece, não só não sen­tem con­strag­i­men­tos, como querem pio­rar a situ­ação do país. Aqui se falar em lim­i­tar a banda e/​ou aumen­tar seu valor – os poucos brasileiros que pos­suem banda livre e que já é cara, se com­para­mos com o resto do mundo. Estão loucos.

A meta do Brasil dev­e­ria ser uni­ver­salizar o acesso à inter­net, levando-​a a todas as esco­las, a todos os cidadãos. A pro­posta do gov­erno para levar inter­net as esco­las brasileiras é ridícula, é pré anos noventa. Querem colo­car inter­net para aten­der uma escola com 256 KB, num acordo feito com as empre­sas de tele­fo­nia. Chego a duvi­dar se isso não é mais um esquema deste gov­erno vici­ado em escândalos.

Quando cri­amos as agên­cias reg­u­lado­ras imag­iná­va­mos que elas – como suas con­gêneres ao redor do mundo – fos­sem um sopro de ino­vação. O que temos visto no caso da especí­fica para o setor de tele­co­mu­ni­cações, Ana­tel, é que ela, ao que parece, está muito mais pre­ocu­pada em garan­tir o lucro – já astronômico – das oper­ado­ras, que a qual­i­dade do serviço prestado por elas aos consumidores.

Os exem­p­los estão aí à dis­posição de todos. Os tele­fones não prestam. A tele­fo­nia celu­lar está tão caótica que as pes­soas começam a voltar a usar os tele­fones fixos. Mais de um amigo, quando ligam no meu celu­lar, logo per­gun­tam se tenho um fixo para onde pas­sam ligar. O país está na con­tramão do desen­volvi­mento, até os vel­hos tele­fones fixos estão voltando a ser artigo de luxo.

Ouvi do próprio dire­tor da Ana­tel a bril­hante ideia de se impor lim­ites à banda, colo­cando fran­quias e obri­g­ando os cidadãos a pagarem mais caro por ela ou terem o fornec­i­mento suspenso.

Trata-​se, obvi­a­mente, de um retro­cesso, uma lou­cura, capaz de aumen­tar o fosso do Brasil em relação aos países mais desen­volvi­dos. Enquanto o resto do mundo civ­i­lizado fala em aumen­tar a disponi­bil­i­dade, mel­ho­rar o acesso, aumen­tar a veloci­dade, aqui esta­mos dis­cutindo o inverso.

Ao que parece, daqui a pouco vão ressus­ci­tar as vel­has leis de reserva de mer­cado, restringir as impor­tações, etc. Se bem que, com a carga trib­utária que se paga por qual­quer bom pro­duto impor­tado, já resta clara a restrição. Um iPad pró, que nos Esta­dos Unidos, com­pramos por U$ 1,049 dólares, aqui custa mais de R$ 9 mil reais. Um iPhone último mod­elo que lá está sendo ven­dido por menos U$ 800 dólares, aqui custa quase R$ 5 mil reais. É por aí vai.

A última grande polêmica nacional foi o blo­queio do aplica­tivo What­sApp por um juiz do Estado de Sergipe. E não foi a primeira vez. Viramos piada ao redor do mundo. Mais uma vez.

Não duvido que o mag­istrado fez isso amparado pela lei. Acon­tece, que lei está errada. Não é razoável que se restrinja o dire­ito de comu­ni­cação ou o acesso à infor­mação aos cidadãos livres. Não só não é razoável, é um despropósito. Quer dizer que um cidadão qual­quer é sus­peito de come­ter um delito e, por conta disso, toda a pop­u­lação do país será penal­izada? Ora, tal tipo de absurdo não acon­tece – nesta escala de pro­porção – nem na Cor­eia da Norte, onde, por mais absurdo que seja, a pena passa da pes­soa do condenado.

O absurdo de se blo­quear o acesso ao aplica­tivo aos mais de 100 mil­hões de brasileiros que se uti­lizam dele para tra­bal­har, man­ter con­tato com famil­iares, ami­gos, não encon­tra para­lelo na história da humanidade. Um diri­gente na Ana­tel, disse, tão somente, que achava desproporcional.

Ora, a Ana­tel já dev­e­ria saber se a empresa pode­ria ou não repas­sar os dados solic­i­ta­dos pela justiça. Os órgãos da justiça já dev­e­riam saber se não se trata ou não de vio­lação da intim­i­dade esse tipo de solic­i­tação. Se a mesma fere ou não as garan­tias con­sti­tu­cionais. Temos certeza que fere.

O que não se podia era a punição cole­tiva aos mil­hões de brasileiros. Isso, temos certeza, não podiam fazer. Vou além, acho que os prej­u­di­ca­dos devem ir a justiça bus­car a reparação pelos pre­juí­zos que tiveram.

Como, no Brasil, des­graça pouca é bobagem, estão falando em entre­gar o Min­istério da Ciên­cia e Teconolo­gia a um par­tido umbil­i­cal­mente lig­ado a uma igreja evangélica. Daqui a pouco começarão a negar todos os avanços tec­nológi­cos, voltarão a negar a Teo­ria da Evolução de Dar­win, talvez revoguem a Lei da Gravidade.

O Brasil, defin­i­ti­va­mente, parece voca­cionado a voltar a Era das Trevas.

Abdon Mar­inho é advogado.