AbdonMarinho - FORMIGAS E CIGARRAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

FORMI­GAS E CIGARRAS.

FORMI­GAS E CIGARRAS.

Este ano a Ale­manha ficou de fora do campe­onato mundial de fór­mula um. Acom­panho a modal­i­dade esportiva desde cri­ança, o que já se conta em décadas, mais de trinta anos e neste período nunca ficamos sem o GP da Ale­manha, em alguns anos até dois.

Aliás, segundo soube, a última vez que o país ficou de fora do mundial, foi em 1960 e vejam que já real­izavam cor­ri­das de car­ros desde 1923. Nos últi­mos anos a etapa do cir­cuito ocor­riam em reveza­mento entre os cir­cuitos de Nür­bur­gring e Hockenheim.

O lado pos­i­tivo é não ter­mos que ouvir, pela enésima vez, aquele con­hecido nar­rador explicar que parte do autó­dromo de Hock­en­heim não fica mais den­tro da Flo­resta Negra, que tiraram a parte que ficava dentro.

Uma das ale­gações para a não real­iza­ção da etapa é a crise econômica. Não sei se há inves­ti­mento estatal no evento, mas a infor­mação que nos chega é que orga­ni­zadores e admin­istradores do cir­cuito não chegaram a um acordo sobre os cus­tos do mesmo, preferindo o cancelamento.

A Ale­manha com seus 80 mil­hões de habi­tantes, um PIB de US$ 3,5 tril­hões de dólares, e renda per capita de US$ 43 mil dólares, sabe que cada cen­tavo econ­o­mizado tem importân­cia e deve ser val­orizado. Em que pese a crise econômica não afe­tar tanto no bolso da pop­u­lação, já que a sua econo­mia é a mais forte do con­ti­nente, enten­dem que os tem­pos são de parcimô­nia e zelo com o dinheiro.

Vejam que a Ale­manha é pos­suidora de grandes empre­sas auto­mo­bilís­ti­cas, como a Volk­swa­gen e a Mer­cedes, que desponta no campe­onato mundial. Mesmo assim enten­dem que não é hora de se fazer gas­tos que não sejam essenciais.

Esse caráter dis­ci­plinado do povo alemão é uma das causas das desavenças com alguns dos seus vizinhos.

Por conta da crise econômica na Gré­cia, os alemães são crit­i­ca­dos por não serem mais flexíveis com os gre­gos, dis­pen­sarem parte da dívida que o país em crise tem com eles.

A Ale­manha entende que a dívida foi con­traída por conta do descon­t­role dos admin­istradores gre­gos que não econ­o­mizaram e sairam gas­tando a torto e a dire­ito como se o din­heiro não tivesse fim. Pior, pedindo din­heiro emprestado.

Se atrav­es­sar­mos o Atlân­tico e apor­ta­mos em um país trop­i­cal ao sul do equador, com uma pop­u­lação de 200 mil­hões de habi­tantes, um PIB bem infe­rior ao alemão (US$ 2,48 tril­hões de dólares) e renda per capita de meros US$ 12,5 mil dólares, com prati­ca­mente todas as autori­dades sendo inves­ti­gadas pelas mais diver­sas práti­cas de cor­rupção, com graves desen­tendi­men­tos entre os poderes, com recessão, indi­cadores apon­tando que a retração do PIB será de 2% (dois por cento) ou mais, com a inflação ameaçando chegar a 10% (dez por cento), infraestru­tura de rodovias, fer­rovias, hidrovias e aero­por­tos em colapso, a palavra crise parece não existir.

O Brasil real­i­zou uma Copa do Mundo no maior numero de esta­dos pos­sível – e que­ria mais – para agradar os chefetes estad­u­ais. Para isso, investiu na con­strução de diver­sas are­nas esporti­vas, que pas­sado um ano, são absur­da­mente deficitárias, que cus­taram caro ao con­tribuinte e que não dão retorno algum.

Isso, sem con­tar os mil­hões que foram dra­ga­dos pela corrupção.

Tudo porque o Brasil que­ria se mostrar para mundo como grande potên­cia, inca­paz de ser atingida pela crise.

Nesta mesma linha, e aten­der fetiches ide­ológi­cos, o Brasil saiu por aí empre­stando e finan­ciando, através do BNDES, obras em diver­sas ditaduras e semi-​ditaduras na América Latina, Caribe e África. Din­heiro do con­tribuinte que deixaram o país para finan­ciar hidrelétri­cas, por­tos, metrôs, rodovias. Mais, os diver­sos perdões de divi­das de muitas destas nações.

Nem fale­mos, da forma leniente com que o Brasil tra­tou a usurpação, pelo gov­erno da Bolívia, do patrimônio da Petrobras.

Mas podemos, somos ricos.

Com todas essas graças e desvios, as per­das do país são con­tadas em bil­hões de dólares. Din­heiro seu, meu, nosso.

Ape­sar disso a sociedade não se apercebe da gravi­dade que vive­mos, con­tin­u­amos embeve­ci­dos pelo con­sumo desen­f­rea­dos de pro­du­tos nacionais e prin­ci­pal­mente os vin­dos de out­ros países. Quem fre­quenta shop­ping cen­ter, difi­cil­mente encon­tra algum que não esteja lotado a qual­quer dia da sem­ana e a qual­quer hora.

Não bas­tasse a poupança pri­vada esvair-​se no ralo do con­sumo, o país indifer­ente a crise, finan­cia, com o din­heiro público todo tipo de farra. As que darão algum lucro e aque­las que só servirão para enricar os opor­tunistas de sempre.

Se avançamos Brasil a den­tro e chegar­mos ao Maran­hão, um dos mais pobres esta­dos da fed­er­ação, perce­ber­e­mos que a crise não chegou mesmo por aqui.

Os municí­pios não pro­duzem nada, não geram prati­ca­mente nen­huma riqueza, estão abso­lu­ta­mente que­bra­dos mais não ces­sam de fazer festas.

Não faz muito encerrou-​se as fes­tivi­dades jun­i­nas. Indifer­entes à cul­tura local, os municí­pios, ao que parece, com­petiam para saber quem ban­cava as atrações mais caras, as ban­das mais famosas. Se somar­mos o que foi gasto em junho, ver­e­mos que peque­nas for­tu­nas se esvaíram com as fes­tas, como se a econo­mia estivesse numa boa e como se o din­heiro estivesse sobrando.

Nada con­tra que se comem­ore, fes­teje e se incen­tive a cul­tura local, mas que estas fes­tanças sejam ban­cadas com recur­sos pri­va­dos, que sejam pagos pelos que lucram e não pelo con­junto da sociedade.

O Maran­hão con­tinua investindo no tur­ismo de forma enviesada, inver­tida. Pois ao invés de atrair­mos os tur­is­tas para que gastem aqui, ocu­pem a rede hoteleira local, faze­mos é atrair mil­hares de ban­das de diver­sos esta­dos para que levem o din­heiro do povo maran­hense, assim como as fábri­cas de bebidas que abo­can­ham sua parte.

Vemos o gov­erno estad­ual, junto com os municí­pios, investindo no tur­ismo assim. Ao invés de incen­ti­var a cul­tura local para que ela atraia os tur­is­tas, atraí­mos ban­das caríssimas.

Nesta forma equiv­o­cada de ver as coisas estão todos: municí­pios, gov­erno estad­ual e dep­uta­dos estad­u­ais (com suas emen­das “culturais”).

Não duvi­dem, o Maran­hão, assim como Brasil, é uma terra muito rica, o din­heiro, brota e sobra. Pobre mesmo e a Ale­manha que diante de sim­ples e boba crise, deixa de realizar um evento quase centenário.

Vendo estas coisas, lem­bro de uma história, ouvida ainda na infân­cia. Dizia que numa terra dis­tante habitavam formi­gas e cig­a­r­ras. Durante todo o verão as formi­gas não ces­savam o tra­balho, orga­ni­zando sua casa e guardando ali­mento. Enquanto isso a cig­a­rra estava de farra em farra, can­tando dia e noite. Para encur­tar a con­versa quando o inverno chegou a formiga tinha ali­mento para atravessa-​lo e a casa aque­cida para ficar. Já a cig­a­rra, sem casa e ali­mento, pereceu.

Ao que parece, o Brasil, o Maran­hão e seus municí­pios, tal como a cig­a­rra, não se deram conta, sequer, da crise que atrav­essa o país, con­tin­uam na farra, na velha e sur­rada política do pão e circo.

Abdon Mar­inho é advogado.