AbdonMarinho - A DEMOCRACIA E O JULGAMENTO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A DEMOC­RA­CIA E O JULGAMENTO.

A DEMOC­RA­CIA E O JUL­GA­MENTO.
Por Abdon Mar­inho.
ASSISTO, não sem per­plex­i­dade, a todo este escar­céu em torno do jul­ga­mento do ex-​presidente Lula. São tan­tas infor­mações e con­tra infor­mações que ficamos com a impressão de tratar-​se de algo extra­ordinário e não de um mero jul­ga­mento de alguém que foi inves­ti­gado, denun­ci­ado e con­de­nado pelo juiz sin­gu­lar, que, agora, terá ou não a sen­tença con­fir­mada.
E dirão: mas trata-​se de um ex-​presidente da República, tratar-​se de um líder pop­u­lar, e tudo mais que os faze­do­ras de mitos gostam de criar.
Sim, é ver­dade. Mas numa democ­ra­cia os cidadãos são todos iguais, não have­ria e não há neces­si­dade de qual­quer trata­mento difer­en­ci­ado por se tratar de um jul­ga­mento de um ex-​presidente da República ou de qual­quer um do povo.
Se acred­i­ta­mos que vive­mos numa democ­ra­cia, a primeira coisa que temos de apren­der é que não deve exi­s­tir cidadãos mel­hores ou mais iguais que os out­ros, muito menos em relação a lei.
A própria Carta con­sti­tu­cional esta­b­elece: “Art. 5º Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes:”.
Com o jul­ga­mento do ex-​presidente na pauta das dis­cussões, seus ali­a­dos, sim­pa­ti­zantes e par­tidários, ou sim­ples­mente adu­ladores, cri­aram uma cam­panha ou duas, no mín­imo curiosa (ou con­tra­ditórias) que é/​são: “na defesa da democ­ra­cia e do Dire­ito de Lula ser Can­didato”.
Sendo uma ou duas cam­pan­has, cer­ta­mente, mere­cem uma análise cuida­dosa, ainda mais tratando-​se de algo que mobi­liza parte da sociedade brasileira.
Opor­tuno, por­tanto, que façamos algu­mas inda­gações: a democ­ra­cia brasileira está amaçada? Quem ou o quê a ameaça? O jul­ga­mento do ex-​presidente feito por tri­bunal reg­u­lar é uma ameaça à democ­ra­cia?
Será que a ver­dadeira ameaça não vem dos ataques ao tri­bunal, a Justiça e, mesmo, aos famil­iares dos jul­gadores?
Ora, numa democ­ra­cia que o valha, um jul­ga­mento é ape­nas um jul­ga­mento. Nada mais. Dizer que um jul­ga­mento ameaça a democ­ra­cia é dizer que a Justiça do país não é mere­ce­dora de crédito e, por isso mesmo, já não teríamos uma democ­ra­cia.
Se a Justiça não fun­ciona ou se está suscetível a aten­der inter­esses out­ros que não o inter­esse da lei, é porque a democ­ra­cia já está doente ou liqüi­dada.
Visto assim, a cam­panha não seria na defesa da democ­ra­cia – pois esta já não mais exi­s­tiria tal, e sim como arremedo –, e sim para implantá-​la.
Mas o que teria feito o TRF4, sedi­ado em Porto Ale­gre, RS, a ponto de “ameaçar” a democ­ra­cia brasileira? Até onde se sabe, nada.
Em seus mil­hares de jul­ga­men­tos não se ver­i­fica indí­cios de que se trata de um tri­bunal cor­rompido ou com­posto por juízes venais, pelo con­trário, muitas de suas jurisprudên­cias servem de bal­izas para out­ros tri­bunais em todo o país.
Logo, no que se baseiam os ali­a­dos, sim­pa­ti­zantes ou par­tidários do ex-​presidente para empreen­derem uma cam­panha nacional – e mesmo inter­na­cional –, “em defesa da democ­ra­cia”, como se o Brasil fosse uma republi­queta de bananas?
Anseiam, talvez, com um mod­elo de justiça assemel­hado ao mod­elo venezue­lano ou cubano, que só exis­tem para legit­i­mar suas ditaduras car­co­mi­das ou mesmo a “não justiça” norte-​coreana.
Estes são mod­e­los de democ­ra­cias que os norteiam.
É o que dese­jam para o Brasil quando protes­tam e assi­nam man­i­festos em “defesa da democ­ra­cia”?
Afi­nal, falam de qual mod­elo democrático? No que se espel­ham? Em qual exper­iên­cia exi­tosa no mundo?
A segunda parte da cam­panha é pelo direto do sen­hor Lula ser can­didato.
Ora, nada impede a can­di­datura do sen­hor Lula se o mesmo preencher os critérios obje­tivos a que devem se sub­me­ter todos os demais brasileiros.
Não se criou, e não existe, uma lei especí­fica impedindo a can­di­datura dele ou de ninguém. Todos, desde que preenchi­dos req­ui­si­tos obje­tivos da leg­is­lação, são legí­ti­mos para pleit­ear a direção dos negó­cios públi­cos. Esta é uma con­quista da nossa “ameaçada” democ­ra­cia.
Assim, não havendo nada a impedir a can­di­datura de quem quer que seja, desde que preenchi­dos critérios obje­tivos, quer me pare­cer que a referida cam­panha tem por obje­tivo “excluir” o sen­hor Lula da regra geral, colocá-​lo acima da lei.
A menos que esteja errado, o que propõe a cam­panha é que a can­di­datura do ex-​presidente seja deferida em qual­quer cir­cun­stân­cia, ainda que não preenchi­dos os req­ui­si­tos da lei. Seria isso?
Caso afir­ma­tivo, isso seria democrático? Esta é a democ­ra­cia que estão na “defesa”? Uma democ­ra­cia onde “alguns” fiquem de fora do alcance da lei?
O que me deixa mais per­plexo é que, quando puxo pela memória, lem­bro que estes mes­mos que agora falam numa “democ­ra­cia” para colo­car fora do alcance da lei deter­mi­nadas pes­soas, como é essa pelo “Dire­ito de Lula ser Can­didato”, são os mes­mos que encabeçaram a cam­panha pela chamada Lei da Ficha Limpa.
Fiz­eram um mon­u­men­tal movi­mento público e social e cole­taram mais um mil­hão de assi­nat­uras (1,6 mil­hão para ser mais pre­ciso).
Assim nasceu a Lei Com­ple­men­tar nº. 135, no propósito de impor maior rigidez às regras de ineleg­i­bil­i­dades já exis­tentes, além de criar novas regras.
Não é estranho que vejamos, basi­ca­mente, as mes­mas pes­soas, ainda vestindo as mes­mas camise­tas, se batendo con­tra a Lei da Ficha Limpa ou, pior, querendo criar “exclu­dentes” à sua apli­cação?
Ah, entendi. A Lei da Ficha Limpa deveria/​deverá servir só para ser apli­cada con­tra os adver­sários. Era isso?
Infe­liz­mente, quer me pare­cer que os defen­sores “da ou das” cam­pan­has «na defesa da democ­ra­cia e de Lula ser can­didato”, antes ou agora nunca tiveram lá muito apreço pela democ­ra­cia ou por eleições limpas, mas sim, estavam imbuí­dos no propósito de afas­tar os adver­sários. Aque­les que lhes fizessem som­bra, na direção do Estado ou no comando do assalto aos cofres públi­cos.
Tanto assim, que criam toda sorte de obstáculo ante à pos­si­bil­i­dade de um dos seus ser alcançado pela lei. Dizem que é golpe. Não é golpe. Caso o sen­hor Lula tenha con­fir­mado a sen­tença con­de­natória e virar “ficha suja”, estare­mos ape­nas diante da Lei e suas con­se­quên­cias.
Essas tolices todas que pas­sam os dias fazendo, como ante­ci­par o resul­tado do jul­ga­mento, já é busca de “tirar carta de seguro” e insi­s­tirem no des­cumpri­mento da lei, nos abu­sos, na divisão da nação.
Isso ocorre, acred­ito, por saberem – bem mais que os demais brasileiros –, da solidez dos argu­men­tos que sus­ten­tam a con­de­nação do sen­hor Lula em primeira instân­cia.
Esta, talvez, a razão de tentarem, por todos meios, con­stran­gerem a Justiça brasileira querendo envergonhá-​la aos olhos do mundo.
Não sei se o ex-​presidente será con­de­nado ou absolvido.
Não con­heço o processo e, pru­dente que sou, tenho como insu­fi­ciente for­mar con­vicção sobre a con­de­nação de um ser humano à cadeia, qual­quer um, com base, uni­ca­mente, na leitura da sen­tença.
Ainda assim, pela leitura que fiz – mais de uma vez –, tenho por certo que os desem­bar­gadores terão um imenso tra­balho para desqual­i­ficar a sen­tença do juiz Moro, na even­tu­al­i­dade das provas cor­re­spon­derei às asserti­vas que lá, no decreto con­de­natório, se encon­tram lançadas.
Acred­ito, tam­bém, que mesmo os críti­cos mais áci­dos – excluo os apaixon­a­dos, os tolos e os sec­tários –, sobre­tudo, os com mil­itân­cia na área jurídica (advo­ga­dos, inte­grantes do Min­istério Público e do Judi­ciário) recon­hecem que pou­cas sen­tenças, em toda história da justiça brasileira, encontram-​se tão bem postas quanto esse decreto con­de­natório do ex-​presidente.
Restam claros que os con­strang­i­men­tos, os acintes, as ten­ta­ti­vas, crim­i­nosas, de desqual­i­ficar a sen­tença, o jul­ga­mento e todos os envolvi­dos, partem de pes­soas que têm a con­vicção dos crimes cometi­dos, mas, ainda assim, ten­tam – por inter­esse próprio ou de grupo –, poli­ti­zar o processo judi­cial.
O Brasil pre­cisa, pelo bem da democ­ra­cia, mostrar que suas insti­tu­ições de Estado são mais fortes que os alar­i­dos dos gru­pos de pressão, que enx­ergam mais seus inter­esses que o futuro da nação, respon­dendo com Justiça! Ape­nas isso, Justiça!
Abdon Mar­inho é advogado.