AbdonMarinho - UMA DITADURA QUE SE DESINTEGRA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

UMA DITADURA QUE SE DESINTEGRA.

UMA DITADURA QUE SE DESINTEGRA.

TENHO fome. Vai me matar porque tenho fome?

A expressão é de um cidadão enfrentado a poli­cial nas ruas de Cara­cas. A imagem por um momento me trans­portou aos even­tos de quase trinta anos ocor­ri­dos na China no que ficou con­hecido como «O mas­sacre da Praça da Paz Celes­tial», onde um cidadão enfrentava uma col­una de tan­ques, fazendo-​os parar.

A cena do cidadão fam­into enfrentando a poli­cia me pare­ceu mais dolorida que aquela ocor­rida na China, e que gan­hou o mundo, até porque, segun­dada por ima­gens igual­mente fortes: uma mul­her come uma melan­cia recol­hida no lixo de um mer­cado; uma moça se abaixa no mesmo lixo apanha uma fruta e sai rápido do local – como a envergonhar-​se do que acabara de fazer.

Colhi estas dolorosas infor­mações de um doc­u­men­tário sobre a Venezuela rev­e­lando a grave situ­ação econômica, polit­ica e human­itária que atrav­essa o viz­inho do norte.

Rev­ela tam­bém o tamanho do fra­casso da exper­iên­cia boli­var­i­ana naquele país – e em qual­quer outro.

A crise na Venezuela – que por razões óbvias pouco se fala por aqui: os anti­gos ali­a­dos por não terem o que dizer diante do desas­tre e os opos­i­tores por nunca darem a dev­ida importân­cia aos assun­tos sul-​americanos –, há muito deixou de ser uma crise mera­mente econômica, polit­ica ou social. A natureza da crise é human­itária. As pes­soas estão mor­rendo por falta de assistên­cia, estão pas­sando fome, estão sem rece­ber remé­dios bási­cos ou essen­ci­ais para suas enfer­mi­dades, estão sem con­seguir sus­tentarem a si e aos seus familiares.

O Brasil, sobre­tudo, os esta­dos do Norte e prin­ci­pal­mente Roraima, já sente os efeitos do descal­abro no país viz­inho pois mil­hares de migrantes já cruzam a fron­teira em busca de tra­balho, assistên­cia médica e/​ou mesmo comida. Nas ruas de Boa Vista já são encon­tradas pes­soas que vivem da pros­ti­tu­ição ori­un­das do país viz­inho. A velha pros­ti­tu­ição de sem­pre, que nos tem­pos de crise aguda passa a ser exer­cida por diver­sos tipos de profis­sion­ais: médi­cos, engen­heiros, advo­ga­dos, etc. A Argentina viveu essa dramática exper­iên­cia. O Brasil tam­bém já vive, emb­ora de forma oculta, os efeitos da crise e do desemprego.

A nossa sorte é que a econo­mia brasileira é maior que a destes países.

Pois bem, emb­ora dire­ta­mente afe­tado pela situ­ação na Venezuela, o Brasil con­tinua omisso. Se recusa a ter uma par­tic­i­pação mais efe­tiva na solução dos con­fli­tos no país vizinho.

Antes, era com­preen­sível tal com­por­ta­mento: a cegueira ide­ológ­ica não per­mi­tia que as lid­er­anças do país enx­er­gassem a já avançada ditadura, a destru­ição dos fun­da­men­tos da econo­mia, a perseguição política, e tudo mais que levou aquele país à ruína. Muito pelo con­trário, os gov­er­nantes brasileiros, indifer­entes ao que se pas­sava, tinha no chamado régime boli­var­i­ano um mod­elo a seguir. Tanto assim que as maiores lid­er­anças do país, de então, par­tic­i­param das cam­pan­has – inclu­sive empre­stando apoio mate­r­ial –, de Chaves e a eleição do atual pres­i­dente, Nicolás Maduro.

Essa devoção ao autori­tarismo boli­var­i­ano de Chaves e Maduro por parte das nos­sas autori­dades, fez com que o Brasil lev­asse um «espeto» mon­u­men­tal no caso da refi­naria Abreu e Lima, em Per­nam­buco e outro maior ainda nas obras que o BNDES finan­ciou na Venezuela – neste último caso não podemos perder de vista que eram sócios na roubal­heira, con­forme já rev­elou mais de um dela­tor na Oper­ação Lava Jato.

Agora é difer­ente, temos um novo gov­erno mais afeito a um mundo democrático.

Diante disso, foge a nossa com­preen­são que o Brasil se man­tenha silente em relação ao país viz­inho, sem ten­tar qual­quer tipo de par­tic­i­pação ou inter­me­di­ação para que o país encon­tre uma saída. Não é demais lem­brar que temos mil­hões de dólares – din­heiro do con­tribuinte – por lá. O mín­imo que esperá­va­mos era que a nossa diplo­ma­cia «falasse grosso» em relação às graves vio­lações dos dire­itos humanos, às prisões arbi­trárias de opos­i­tores, às reit­er­adas arti­man­has do pres­i­dente Maduro para adiar a con­vo­cação do ref­er­endo pre­tendido pela oposição, etc. Não é o que vemos, pouca coisa mudou em relação ao com­por­ta­mento que man­tinha o gov­erno ante­rior. Diver­sos out­ros países, até mesmo o Estado do Vat­i­cano, tem tido uma posição mais efe­tiva em relação a crise venezue­lana que o Brasil. Basta dizer que a Igreja Católica vem cos­tu­rando o diál­ogo entre o gov­erno e a oposição. Diál­ogo este que não irá muito longe, trata-​se, tão somente, de uma cortina de fumaça para o gov­erno Maduro se man­ter no poder por mais um tempo ou que caia de podre.

Os dita­dores são assim: se acham mel­hor que todos e nunca sabem a hora de deixar o poder. Tra­bal­ham com a per­spec­tiva de se eternizarem nos car­gos que ocu­pam. Quando muito, e para venderem a ideia de uma democ­ra­cia, per­mitem um rodízio ou criam mecan­is­mos na con­sti­tu­ição a per­mi­tir reeleições infini­tas e diz­erem que foram eleitos pela von­tade do «povo».

Os casos estão aí, ao redor do mundo, no nosso con­ti­nente. A Venezuela é o exem­plo mais per­feito disso. O chav­ismo domi­nou todas as insti­tu­ições, manip­u­lou a pop­u­lação com políti­cas pop­ulis­tas man­ti­das às cus­tas das receitas abun­dantes ori­un­das das reser­vas de petróleo. Com isso, se deu ao luxo de aprovar a sua reeleição, depois as que­ria infini­tas e, em con­tra­partida, ofer­e­ceu o ref­er­endo revo­gatório: uma pos­si­bil­i­dade da pop­u­lação revogar o mandato do gov­er­nante. Ele, Chaves, pai da ideia, se sub­me­teu a um. E saiu can­tando vitória por ser um gov­erno que mais se sub­me­tera a eleições.

Naquela ocasião seus ali­a­dos, inclu­sive os daqui, não ape­nas ven­diam seus feitos como ten­tavam implan­tar o mod­elo boli­var­i­ano no Brasil. Chegaram a fazer cam­panha por alter­ação na Con­sti­tu­ição Fed­eral que per­mi­tisse a reeleição infinita do pres­i­dente, no caso especí­fico, do sen­hor Lula. Por muito pouco o Brasil não se tornou uma Venezuela, no seu pior.

Já naquela opor­tu­nidade, na Venezuela, como agora as insti­tu­ições estavam dom­i­nadas pelo grupo que se assen­horeou do poder. Tanto que são elas que sus­ten­tam o gov­erno apo­drecido do sen­hor Maduro. Sobre o tal ref­er­endo revo­gatório solic­i­tado pela oposição já cri­aram tan­tas regras casuís­ti­cas que difi­cil­mente acontecerá.

Os brasileiros que tanto defendiam o mod­elo venezue­lano, diante do caos que aquele país enfrenta, não dão um pio, nem em sol­i­dariedade aos que têm fome. Arran­jaram out­ras ban­deiras: serem con­tra a lim­i­tação de gas­tos — nos moldes que foram con­tra o Plano Real e a Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal; serem con­tra a reforma do ensino médio, que todos sabem pre­cisa ser refor­mado, com urgên­cia; e serem con­tra o gov­erno Temer, que eles mes­mos elegeram.

Abdon Mar­inho é advogado.