AbdonMarinho - O OUTONO DO CORONEL.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O OUT­ONO DO CORONEL.

O OUT­ONO DO CORONEL.

UMA notí­cia se impõe: o pedido de prisão do ex-​presidente José Sar­ney. Ainda que seja uma clausura domi­cil­iar ou um mon­i­tora­mento através de tornozeleira eletrônica, o fato é que o sim­ples pedido já se reveste de gravi­dade ímpar. Reputo ser mais grave que os idên­ti­cos pedi­dos con­tra o pres­i­dente do Con­gresso Nacional Renan Cal­heiros, do pres­i­dente da Câmara dos Dep­uta­dos Eduardo Cunha e do senador Romero Jucá. Sar­ney é emblema. Se deferido, pelo Supremo, o pedido de prisão, a mácula, já indelével, muda de pata­mar. Será, acred­ito, o primeiro ex-​presidente da República e mem­bro da Acad­e­mia Brasileira de Letras a sofrer tal con­strang­i­mento em tem­pos de democ­ra­cia plena.

O ex-​presidente, até aqui, era tido como alheio aos escân­da­los que trans­for­mou o ser­rado da cap­i­tal fed­eral num pân­tano de lama.

As lid­er­anças maiores da República iam (não sei se ainda irão) a sua casa render-​lhe hom­e­na­gens e pedir-​lhe con­sel­hos e ori­en­tações. Um detalhe curioso, e que poucos perce­beram, é o fato de nos últi­mos dias em que se dis­cu­tia o impeach­ment da pres­i­dente afas­tada Dilma Rouss­eff, enquanto todos iam a Temer, o pres­i­dente interino, foi a Sar­ney, a sua casa. Prova incon­teste da sua influência.

Em pleno out­ono era como se o velho coro­nel vivesse a sua pri­mav­era de poder.

Um outro recon­hec­i­mento — das pes­soas que têm recon­hec­i­mento a dar –, foi feito pelo ex-​presidente FHC, que o recon­heceu, nos livros que nar­ram suas memórias da presidên­cia, como um escritor. Vai além, diz sê-​lo um amante da cul­tura e dos livros. Um intelectual.

Emb­ora, como diz o ditado, «em terra de cegos, quem tem um olho é rei”, Sar­ney não ape­nas col­hia as van­ta­gens da longa exper­iên­cia obtida na vida pública em meio às nul­i­dades que assumi­ram o poder da nação, até, então, era con­sid­er­ado um gênio da política brasileira.

Ora, para o bem ou para o mal, não se tem como negar sua «exper­tise» nesta área, sobre­tudo, quando tan­tos out­ros tidos como pal­adi­nos da moral­i­dade, caíram bem antes dele. Não que ele nunca tenha feito nada de errado, sabe-​se, desconfia-​se, que tamanha longev­i­dade na car­reira política, se deva jus­ta­mente ao oposto.

A difer­ença, é que, até agora – exceto por aquele con­tratempo dos atos secre­tos quando pre­sidiu o Senado –, nunca se teve nada de mais grave con­tra si, com provas tão robus­tas quanto às ale­gadas para recla­mar as medi­das restri­ti­vas de liberdade.

As razões para que nunca tenha sido apan­hado falando ou fazendo o que não devia, remete aos cuida­dos que sem­pre adotou.

Certa vez – segundo o relato de um amigo –, o ex-​presidente, estando em Brasília e pre­cisando falar com um dos fil­hos, pediu a uma visita do Maran­hão que no regresso ao estado natal fosse ao filho pedir que este fosse à cap­i­tal ter com ele. A visita sem se dar conta o atal­hou: – Mas, pres­i­dente, vamos ligar para ele. Tenho o número aqui. Sar­ney o inter­rompeu: – Tam­bém tenho o número dele. Mas pre­firo que o recado seja dado pessoalmente.

A nar­ra­tiva talvez não passé de lenda. Em todo caso, o certo é que o ex-​presidente, em tempo de devas­sas tele­fôni­cas, nunca foi “habitué» em nen­hum grampo. Agora mesmo, estas con­ver­sas que, segundo dizem, cau­cionam o pedido de restrição, foram feitas em um ambi­ente de con­versa intima, com alguém de con­fi­ança, por alguém con­sid­er­ado um filho.

Sem desmere­cer o tra­balho da Procu­rado­ria Geral da República, nem tão pouco deixar lou­var o imenso serviço que tem prestado à causa da cidada­nia brasileira e enten­dendo que todos devam ser inves­ti­ga­dos – até mesmo um ex-​presidente que reclama os rel­e­vantes serviços presta­dos ao país em 60 (sessenta) anos de vida pública, como ale­gado –, advogo que um pedido de prisão pre­cisa de fatos mais con­cre­tos para se sustentar.

Con­fesso que não vi – não nos diál­o­gos pri­va­dos divul­ga­dos até aqui –, nen­huma ati­tude conc­reta de obstrução à Justiça. Acred­ito que, até aque­les que dese­jam ver Sar­ney, Renan, Jucá, Cunha e tan­tos out­ros atrás das grades, se bem anal­is­arem, tam­bém não enx­er­garão isso. Não tiveram – se anal­is­ar­mos ape­nas as con­ver­sas gravada, repito – uma ati­tude conc­reta de obstrução.

Os cidadãos livres, inves­ti­ga­dos ou não, têm o sagrado dire­ito de, sobre­tudo, em ambi­ente pri­vado, diz­erem o que acham de deter­mi­nada situ­ação, lei, etc. Sendo par­la­mentares, e, prin­ci­pal­mente por isso (emb­ora possa se dizer que leg­is­lam em causa própria), podem dizer que esta ou aquela lei pre­cisa ser mudada, sofrer alter­ação, etc. Isso, ao menos em tese, não con­sti­tui crime. Do mesmo modo, não vejo nada demais um inves­ti­gado dizer que vai con­sti­tuir um advo­gado que con­hece este o aquele jul­gador, para que possa falar com ele. Nestes casos, o jul­gador que se sen­tir impe­dido, por algum motivo, que decline da causa, não sendo pos­sível dec­li­nar ou não se sinta impe­dido, que julgue con­forme sua con­sciên­cia. A parte não comete um crime por isso.

O nosso dire­ito con­sagra a lic­i­tude até do preso evadir-​se da cadeia. Se foge e é recap­turado, o máx­imo que sofre são punições administrativas.

Como querer que inves­ti­ga­dos não dis­cu­tam ou vejam as mel­hores estraté­gias para sua defesa?

A douta PGR equivoca-​se ao colo­car em idên­tico pata­mar, ou mais grave – aqui me refiro ape­nas aos diál­o­gos grava­dos –, as con­du­tas de Sar­ney, Jucá e Renan, que aque­las prat­i­cadas pelo ex-​senador Del­cí­dio do Ama­ral, fazendo com que tivesse a prisão aprovada pelo STF.

Dis­cordo, no caso do ex-​senador e líder do gov­erno petista, ele estava em posição de obstrução, com­prando o silên­cio do preso Nestor Cev­eró por inter­mé­dio de sua família.

Do mesmo modo, a situ­ação dos líderes do PMDB, estão aquém de serem com­para­das, por exem­plo, aquela do ex-​ministro Aluízio Mer­cadante, fla­grado na ten­ta­tiva de sub­orno ao ex-​assessor do ex-​senador Del­cí­dio do Ama­ral; ou a situ­ação da pres­i­dente afas­tada Dilma Rouss­eff e do ex-​presidente Lula no episó­dio da nomeação para usar em “caso de neces­si­dade”; ou, ainda, a situ­ação em que a pres­i­dente afas­tada nomeou um min­istro do Supe­rior Tri­bunal de Justiça – STJ, con­forme con­sta dos autos, com o propósito do mesmo soltar os malfeitores pre­sos pela Oper­ação Lava Jato.

Tais episó­dios, sim, clara obstrução à justiça e para os quais, ainda não sabe­mos, exceto o caso do ex-​senador, não se reclamou a prisão cautelar.

Acho que todos os fatos pre­cisam ser esclare­ci­dos com a punição exem­plar dos cul­pa­dos, caso exis­tam. Mas não podemos des­cuidar dos val­ores maiores a serem preser­va­dos, como a democ­ra­cia, a liber­dade, o dev­ido processo legal.

Quanto ao ex-​presidente Sar­ney, caso as provas apon­tem na sua direção, que responda no rig­ores da lei.

Em sendo cul­pado, jul­gado e con­de­nado, só nos cabe um exame soci­ológico (e talvez psi­cológico) sobre o vício da delin­qüên­cia. Um ex-​presidente da República, ex-​governador, ex-​senador, imor­tal de diver­sas acad­e­mias de letras, inclu­sive da Acad­e­mia Brasileira de Letras — ABL, pos­suidor de far­tas aposen­ta­do­rias, dev­e­ria se preser­var de cer­tas ati­tudes, inclu­sive, a de rece­ber “aju­das» ori­un­das de recur­sos desvi­a­dos, con­forme dizem con­star na colab­o­ração do sen­hor Sér­gio Machado.

Em algum momento da vida, pes­soas tão sábias dev­e­riam pen­sar que din­heiro não tem tanto valor, que não vale mais que um bom nome, um biografia escorreita.

O ex-​presidente Sar­ney vive seu out­ono. O pior dos outonos.

Abdon Mar­inho é advogado.